O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que as alterações trazidas pela Lei Anticrime (Lei 13.964/2019) permitem a interpretação de que a decisão do procurador-Geral da República (PGR) de arquivamento de uma denúncia pode ser submetida a um órgão colegiado dentro do próprio Ministério Público e, dessa forma, pode ser revista. Atualmente, caso o PGR opte pelo arquivamento, o STF deve acatar. Por enquanto, parte do pacote anticrime está suspenso por uma liminar do próprio Supremo, mas a previsão é que o tema seja julgado ainda essa semana em plenário.
A afirmação de Moraes foi feita durante evento promovido pela revista piauí, em Brasília, nesta terça-feira (13/6). Ele respondeu a uma pergunta do diretor de conteúdo do JOTA, Felipe Recondo, sobre a possibilidade de haver alguma legislação que pudesse impedir que um PGR indicado pelo presidente da República arquive denúncias contrárias àquele que o indicou, como ocorreu durante o governo de Jair Bolsonaro.
No mesmo evento, o ministro também avaliou que deve concluir ao menos 250 ações penais do 8 de janeiro em seis meses; disse que o modelo de indicação de ministro do Supremo no Brasil é o mais adequado e afirmou que a diversidade no STF não garante uma Corte mais progressista. Moraes também voltou a defender a regulamentação das plataformas de redes sociais e disse que há uma “má-vontade” das empresas de tecnologia na retirada de certos conteúdos.
Veja item a item comentado pelo ministro
Lei Anticrime
Moraes defendeu que o pacote anticrime – responsável pela criação da figura do juiz das garantias – traz uma inovação que permite a interpretação de que uma denúncia arquivada pelo PGR possa ser revista por um órgão colegiado do próprio Ministério Público, caso o STF entenda pelo não arquivamento. Atualmente, em caso de manifestação pelo arquivamento, a Corte acata a decisão da PGR.
“Não há uma previsão de controle. Eu diria: não havia. Porque eu entendo que a nova redação do artigo 28 [Lei 13.964/2019], trazida pelo juiz de garantias – que está suspenso liminarmente, mas o Supremo Tribunal Federal vai começar a analisar – permite a interpretação de que todo o sistema do Ministério Público deve ser interno. O sistema acusatório garante isso. Se a instituição Ministério Público não quiser, alguém não vai ser processado. É a instituição, não uma pessoa”, disse o ministro.
“É possível interpretar que o STF, entendendo que não seja caso de arquivamento, sistema acusatório, ele [STF] continua não fazendo nada, mas o procurador-geral da República agora, ao arquivar, tem que remeter a um conselho superior da Procuradoria-Geral da República. Acho que essa interpretação do artigo 28 é possível”, acrescentou.
O julgamento sobre o futuro da Lei Anticrime e do juiz das garantias está previsto para começar nessa quarta-feira (14/6) no plenário do STF. Com a fala, Moraes indica que deve entender pela constitucionalidade de alguns artigos.
Atos de 8 de janeiro
Sobre os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, que resultaram na invasão e depredação dos prédios da Praça dos Três Poderes, Moraes afirmou que deve concluir ao menos 250 ações penais do 8 de janeiro em seis meses. Até agora os ministros já receberam 1.245 denúncias em sete blocos de julgamentos. Moraes também garantiu que a análise será individualizada.
“Não vou dizer que em seis meses estarão todos os projetos acabados, não conseguimos terminar o finalzinho do recebimento da denúncia porque alguns foram trocando de advogados. Sempre há alguns problemas. Pelo menos aproximadamente 250 [ações penais], que são [d]os crimes mais graves e [dos] estão presos, eu vou encerrar. O Supremo vai encerrar”, afirmou.
Indicação de Zanin e diversidade na Corte
Para o ministro, o modelo brasileiro de indicação de ministro do Supremo é o mais adequado. Moraes afirmou que há problemas, mas a indicação feita pelo presidente da República – eleito pelo povo – e com aval do Senado – que também é eleito – é a mais assertiva das opções existentes no mundo.
Questionado sobre o fato do presidente Luiz Inácio Lula ter indicado seu advogado Cristiano Zanin para a vaga aberta pela aposentadoria do ministro Ricardo Lewandowski, Moraes afirmou que é comum que o presidente da República indique o cargo de ministro do Supremo um perfil que tenha afinidades políticas, de valores e de pensamentos. Destacou também que a Constituição solicita apenas conduta ilibada e notável saber jurídico para a vaga. “O presidente vai escolher quem pensa diferente? Isso não existe”, disse. “A vitaliciedade do cargo permite que essa afinidade ideológica vá se diluindo ao longo do tempo”, complementou.
Sobre a diversidade de ministros na composição do STF, Moraes defendeu a presença de representantes de diferentes unidades da federação e também diversidade étnica-racial e de gênero para que a Corte tenha pensamentos e enfoques diversos. “Eu posso julgar melhor ou pior, mas não terei o mesmo enfoque sobre os assuntos relativos aos negros que um ministro negro”, afirmou.
Porém, o ministro ressaltou que não se pode fazer a conexão de que uma Corte mais diversa será mais progressista ou menos progressista. Moraes citou que atualmente a Suprema Corte dos Estados Unidos conta com cinco homens, quatro mulheres, representantes negros e latinos e, no entanto, é a Corte mais conservadora das últimas décadas.
Julgamento de Bolsonaro
Alexandre de Moraes, que é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), refutou a tese de que tenha escolhido o “momento propício” para o julgamento que decidirá o futuro político de Jair Bolsonaro. A primeira ação que vai julgar a inelegibilidade do ex-presidente está marcada para 22 de junho. Segundo ele, a data ocorreu porque a Corte está com poucos processos e porque o relator, corregedor Benedito Gonçalves, disponibilizou o tema para julgamento apenas em 1º de junho.
“Não havia nada que fizesse eu não pautar. Até porque não tem mais processo para julgar no TSE. Nós limpamos os processos que estavam liberados para a pauta. Eu não ia fazer diferente com esse”, afirmou. “Não seria razoável eu não pautar. Eu não poderia ‘escolher o melhor momento para pautar’. O relator liberou, o TSE vai julgar. Tudo que é liberado entra na vala comum e é pautado, não há escolha de casos”, complementou.
Plataformas
Sobre a atuação das plataformas e retirada de conteúdo, Moraes voltou a defender a regulamentação e a equiparação da responsabilidade das empresas de tecnologia a dos meios de comunicação. Para ele, se não houver regulamentação, o STF vai interpretar o artigo 19 do Marco Civil da Internet sobre essa questão da responsabilidade das empresas.
Para Moraes, quando o TSE apertou o cerco para a retirada de conteúdo durante o período eleitoral, as big techs cumpriram as decisões, mesmo com críticas ao exíguo prazo e ao valor das multas.
“Eles já têm o mecanismo e é só incluir outras questões, como fascismo, nazismo. Não são coisas subjetivas. Todo mundo sabe o que é fascismo, o que é nazismo. É má-vontade. Se é má-vontade, tem que ser regulamentado”, concluiu.