O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), viaja entre 10 e 20 de outubro em missão oficial à Índia e à China. Na ausência dele, não se espera votação de temas expressivos de macroeconomia, que dominam a agenda, sob o exercício da chefia da Casa pelo primeiro vice-presidente Marcos Pereira (Republicanos-SP). Mas é quando menos se espera que, na dinâmica de Brasília, algo pode acontecer. Poderemos ver um “outubro digital” com potencial de impacto na vida e no bolso dos consumidores e das plataformas tanto de conteúdo quanto de e-commerce.
O dramalhão novelístico do PL 2630/2020, o PL das Fake News, ganhará novo roteiro. O relator Orlando Silva (PC do B-SP) prepara um novo parecer, como confirmou ao JOTA. Ele guarda segredo sobre o que pode mudar em relação ao último texto, apresentado em maio. Naquele mês, a proposta de regulamentação da forma como as redes sociais devem monitorar e agir contra conteúdos criminosos e antidemocráticos esteve perto de ser votada em plenário. Mas o deputado recuou por receio de ver o projeto rejeitado, após engajamento da bancada evangélica contra a proposta. Desde então, o PL das Fake News ficou na geladeira. Silva deve requentar o assunto.
O relator se reuniu com algumas plataformas para diminuir a resistência, mas não sinalizou como pode reescrever trechos do parecer considerados sensíveis pelas empresas. A depender de como endereçar as demandas, o projeto pode voltar ao plenário. O cenário de maio mudou, há menos pressão nas redes contra o PL das Fake News e o governo acomodou melhor o centrão na base. A questão é se o calendário curto de votação até o fim do ano, dominado por demandas do Ministério da Fazenda, acomodaria o PL das Fake News.
Já o relator do PL 8889/2019 (PL do Condecine), deputado André Figueiredo (PDT-CE), finaliza o parecer para obrigar as plataformas de vídeo sob demanda (VoD) a recolherem a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional. A Condecine pode morder até 4% do faturamento das empresas, como o relator antecipou ao JOTA, e definir uma cota de 10% de conteúdo nacional nos streamings. O projeto tem urgência aprovada para ser votado diretamente no plenário, e Figueiredo, como líder do PDT, é habilidoso negociador. As chances de aprovação são altas.
As compras hoje isentas de tributação federal em marketplaces internacionais – como Shopee e Shein – podem estar com os dias contados. A regra atual permite a importação de produtos no valor de até US$ 50 (cerca de R$ 250) sem pedágio aos cofres da União. Enquanto a Receita Federal tenta entender o tamanho desse mercado, que em 2022 movimentou 180 milhões de encomendas, a Câmara realizou duas audiências públicas para discutir o PL 2339/2022. O projeto quer acabar com a isenção.
Os debates tiveram fortes críticas de representantes do varejo e da indústria contra as plataformas. O presidente da Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB), Alfredo Cutait, classificou as compras como “pequenas importações, grandes problemas”. Depois de uma das discussões, o relator Paulo Guedes (PT-MG) disse ao JOTA que pretende votar o projeto na Comissão de Tributação e Finanças (CFT) no início de novembro.
Mas antes, no final de outubro, reúne-se com a Receita para colher dados do programa Remessa Conforme, no qual as plataformas se cadastraram para evitar o embargo de encomendas em portos e aeroportos, topando pagar 17% de ICMS aos estados. Uma alíquota de 18% como imposto federal estaria em discussão entre o relator e o governo. Guedes desconversou se este seria o percentual, mas não negou. Se o projeto for aprovado na CFT, será remetido à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, por ser conclusivo, o plenário da Câmara está dispensado de analisá-lo – salvo pedido formal para isso. Depois, a proposta tramita no Senado. O lobby do varejo e da indústria eleva o potencial de aprovação da taxação.
Trabalho por aplicativo
Enquanto a Câmara se movimenta no tabuleiro da regulamentação de nichos da economia digital, o governo segue se debatendo na mesa tripartite que já deveria ter apresentado um marco normativo para o trabalho exercido por entregadores e motoristas por meio de aplicativos.
A mesa chefiada pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) foi encerrada em setembro sem acordo, mas as conversas seguem informalmente. Deputados realizaram uma audiência pública na semana passada, com plataformas, trabalhadores e o governo. No evento, o secretário-executivo do MTE, Chico Macena, afirmou que a pasta deu um ultimato para as plataformas cederem ou o governo vai decidir valores de hora trabalhada ainda em outubro. Não foi o primeiro ultimato.
No momento em que o secretário falava, o ministro Luiz Marinho estava na sala ao lado numa discussão sobre FGTS e deu uma declaração mais assertiva. “O que buscamos fazer foi um processo de negociação entre as partes. Infelizmente, não houve acordo, especialmente com os entregadores”, assumiu.
O ministro disse ao JOTA que avalia a possibilidade de apresentar uma regulamentação envolvendo apenas os motoristas. A categoria está mais flexível e próxima de acordo com Uber e 99. Os entregadores seguem em guerra com iFood, Lalamove, Loggi, Mercado Livre, Rappi e Zé Delivery. Marinho sinalizou a possibilidade de seguir intermediando a busca por um acordo entre aplicativos e entregadores, depois de regular a atividade dos motoristas. O ministro não afirmou que este será o caminho, mas é uma das alternativas em análise. A ver se o presidente Lula irá concordar.
Outubro, como se vê, pode trazer muitas surpresas em pautas à margem do debate sobre arrecadação travado entre Congresso e governo. Mas nunca é demais lembrar o bordão do barão de Itararé: “De onde menos se espera, daí é que não sai nada”.