
A fala do presidente Lula, na noite da última quarta-feira (20/9), em Nova York, na qual afirmou que os entregadores por aplicativo usam “fraldão” por não terem acesso a banheiros disponibilizados pelas plataformas irritou parte da categoria. O cenário já era negativo para o governo, devido ao dissenso no grupo de trabalho (GT) criado no Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para discutir a regulamentação da atividade por meio digital entre plataformas, entregadores e motoristas de aplicativos.
“Estamos bastante revoltados, principalmente com a entrevista do Lula de que os entregadores usam fraldão. Nenhum entregador usa isso. A categoria está bastante irritada”, afirma o presidente da Associação dos Motofretistas Autônomos do Distrito Federal (Amae-DF), Alessandro Sorriso.
O presidente do SindimotoSP, Gilberto Santos, ameniza a polêmica sobre o “fraldão”. “No meu entendimento, o Lula quis dizer que se não arrumar [o modelo atual], o trabalhador vai chegar numa situação de degradação que vai precisar usar fraldão”, pondera.
Já no governo, como apurou o JOTA, a declaração foi recebida com surpresa. Houve movimentação no MTE junto a movimentos dos entregadores para amenizar a expressão e reduzir a repercussão negativa. “O presidente quis usar um simbolismo sobre a falta de pontos [de apoio disponibilizados pelas plataformas] para os trabalhadores irem ao banheiro e almoçar”, suaviza um governista integrante do GT.
Apesar do esforço, a declaração de Lula serviu de combustível nas redes sociais para o chamamento de um movimento nas ruas. Parte da categoria já organizava uma paralisação nacional para os dias 29 e 30 de setembro e 1° de outubro, visando criticar a falta de acordo com as plataformas e a possibilidade de o governo decidir na canetada pontos sem consenso entre as partes na mesa tripartite.
Como o JOTA antecipou, o governo avalia estabelecer R$ 17 por hora trabalhada por entregadores de moto e R$ 30 para motoristas de aplicativos, bem como uma alíquota de 27,5% de contribuição previdenciária, sendo 20% recolhidas pelas empresas e 7,5% pelos trabalhadores. Os entregadores querem R$ 35 por hora logada nas plataformas e os motoristas, R$ 3 por quilômetro rodado.
As categorias também criticam o governo por focar na contribuição ao INSS, que é vista como pauta secundária no momento. “Quem já viveu oito anos sem previdência pode esperar mais seis meses”, afirma o presidente do SindimotoSP, Gilberto Santos. “Se for esses R$ 17, vai ficar claro que o governo não está com os trabalhadores”, diz.
De acordo com Alexandre Santos, da Aliança Nacional dos Entregadores por Aplicativos, o movimento já vinha sendo articulado contra os valores sobre a mesa do governo. O catarinense afirma que pediu para se desligar do GT para organizar a paralisação. Ele avalia que o governo tomou a decisão pela categoria, com o MTE tendo sinalizado a apresentação dos termos finais da proposta em 3 de outubro. Mas Alexandre considera a data como mais uma estratégia para evitar a paralisação, adiantada em outros momentos por novas propostas de reuniões sugeridas pelo ministério. “A gente adiou essa paralisação porque estávamos em negociação. O governo vai passar a data [nova de entrega de acordo] e [o acordo] não será cumprido”, critica.
Lula faz críticas ao trabalho digitalizado e quase escravo de entregadores, que às vezes usam "fraldão por não terem banheiro" durante o expediente. “O ser humano merece respeito”. Presidente diz que país quer crescer economicamente com os EUA: “A gente quer mais investimento… pic.twitter.com/Ftpph3YXoU
— GloboNews (@GloboNews) September 20, 2023
O tom dos sindicalistas revela mudança no tratamento ao governo. A categoria evitava criticar o Palácio do Planalto, apesar da frustração de nunca ter sido convidada por Lula para uma reunião na sede do governo e por não ter sido recebida no gabinete do ministro Luiz Marinho, que se reuniu com motoristas e plataformas em conversas reservadas, conforme apurou o JOTA com as lideranças.
Agora, a categoria está disposta a cobrar o Executivo. “Vamos trabalhar cobrando um posicionamento do governo federal. Agora, não é uma cobrança só nas empresas. Vamos para cima do governo também”, afirma Alexandre.
O SindimotoSP, principal sindicato da categoria no país, ainda não decidiu se adere à paralisação. A adesão dos paulistas será avaliada ao longo da próxima semana, com possibilidade de saírem às ruas em protesto nos dias 1° e 2 de outubro. “Dependendo do que o governo anunciar, se for ruim para a categoria, o SindimotoSP vai aderir à paralisação”, diz Gilberto.
Nicolas de Souza Santos, integrante da Aliança Nacional e da Central dos Sindicatos Brasileiros (CSB), ressalta que a pressão será para que o governo apresente um projeto de lei com regulamentação favorável à categoria. O mineiro de Juiz de Fora organiza o ato na cidade e participa da articulação nacional, embora defenda que o ato não seja crítico ao governo. “A gente precisa que o debate chegue na sociedade para pressionar o governo a definir favoravelmente a nós. Não é um break [parada] contra o governo, é para pressionar para que o governo decida a nosso favor”, observa.
Será preciso aguardar a dimensão dos atos e como o governo vai articular para desmobilizar a categoria. Afinal, seria ruim para a imagem de Lula, um ex-líder sindicalista, sofrer com mobilização nas ruas por falta de acordo numa mesa tripartite. Se o movimento for expressivo, Lula terá conseguido algo inédito no GT, após quase 150 dias de debates intensos: unir trabalhadores e plataformas contra o governo. Caso o governo desmobilize o ato, mostrará que está no comando da pauta e alinhamento com as lideranças sindicais.