O e-commerce entrou na ciranda regulatória do poder público para controlar o meio digital no país. Haverá novos lances em breve na Câmara dos Deputados, com duas investidas contra a isenção para compras em plataformas internacionais abaixo de US$ 50. E na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), com potencial de judicialização para endurecer ações de combate à pirataria.
Em paralelo, na última audiência pública sobre o PL 2768/2022, que propõe a criação de uma lei brasileira de mercados digitais, ocorrida na quinta-feira (24), o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) alertou que não tem acesso a dados fiscais para verificar se o nível de concorrência entre as plataformas é saudável ou se há sobreposição de dominância nociva no e-commerce.
A relatora do projeto, deputada Any Ortiz (Cidadania-RS), não sinalizou como pretende encaminhar o tema. Não será surpresa, porém, se incluir mecanismo para o Cade fazer análises de cartel entre as plataformas. O PL 2768, contudo, está no início da tramitação.
Isenção é pauta principal
O foco da Câmara é pôr fim à isenção na entrada de produtos abaixo de US$ 50. A Comissão de Desenvolvimento Econômico (CDE) vai reunir, em audiência pública, representantes do varejo tradicional e da indústria para discutir o “comércio eletrônico transfronteiriço”. O evento, ainda sem data definida, será palco para enviar argumentos ao consumidor contra a isenção — como queda de vendas no varejo, fechamento de lojas e desemprego.
A Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB) realiza esforço com deputados para reduzir críticas à taxação. A estratégia é costurada com apoio das frentes parlamentares do Comércio e Serviços (FCS) e do Empreendedorismo (FPE). O vice-presidente da FPE, deputado Zé Neto (PT-BA), é autor do pedido de audiência na CDE.
Já a Comissão de Finanças e Tributação (CFT) articula o avanço do PL 1623/2023, conforme apurou o JOTA, visando eliminar a isenção de até US$ 50.
O presidente da CFT, deputado Paulo Guedes (PT-MG), vai avocar para si a relatoria do projeto — não é comum chefes de comissões fazerem isso, geralmente designam um dos integrantes como parte do jogo político. A excepcionalidade se dá pela pressão de empresas nacionais contra plataformas estrangeiras.
Em ambos os casos — a audiência e a discussão do PL 1623 —, empresas como AliExpress, Shein e Shopee devem ser alijadas da discussão pública por articulação de entidades empresariais nacionais.
Judicialização do ‘gatonet’
O meio digital deve assistir também a um endurecimento da Anatel no combate à comercialização de produtos não homologados, especialmente os equipamentos de TV box, que oferecem o chamado “gatonet”: venda ilegal de serviços de TV por assinatura, streaming e navegação na internet.
A agência já realizou, desde 2018, a apreensão de quase 7 milhões de equipamentos irregulares — incluindo TV box, smartphones, carregadores de celulares, entre outros — avaliados em R$ 608,3 milhões. Neste ano já foram apreendidos 1,4 milhão de aparelhos TV box, com valor estimado em R$ 400 milhões.
Os números são resultado da criação de robôs para identificar a venda ilegal no e-commerce, em uma parceria da Anatel com a Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA) para identificar o sinal pirata, que é derrubado assim que verificado.
O conselheiro Moisés Moreira afirmou ao JOTA que, apesar do esforço, algumas plataformas dificultam a derrubada de sinais de IP dos aparelhos e o combate ao comércio de itens não homologados por pequenos importadores.
Ele reconhece que há avanço nos pedidos de certificação de produtos importados como fruto das ações da Anatel, mas sinaliza haver resistência de plataformas. Isso fará com que a agência seja “mais rigorosa”, acionando a Justiça para acelerar a suspensão de IPs e a venda dos produtos. “É uma luta árdua combater a pirataria. Alguns caminhos percorridos estão nas plataformas”, disse Moreira.