
Por unanimidade, a 4ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou decisão que havia condenado a jornalista Barbara Gancia a indenizar o ex-assessor da Presidência da República Filipe Martins por chamá-lo de “supremacista” após um gesto que foi entendido pelo Ministério Público Federal como racista.
O episódio ocorreu em 2021, quando ocupava o cargo de assessor especial de Assuntos Internacionais do então presidente Jair Bolsonaro (PL). Martins fez um gesto com a mão que foi considerado discriminatório, porque associado a grupos de extrema direita americanos. Ele negou e disse que apenas “arrumava a lapela do paletó”.
No contexto, a jornalista tuitou: “Nenhuma sociedade minimamente civilizada permitiria a um supremacista metido a engomadinho, discípulo de astrólogo charlatão fazer parte do círculo íntimo do presidente da República e interferir em políticas de Estado. Em qualquer lugar minimamente respeitável estariam todos presos”.
O caso foi inicialmente apreciado pelo juiz da 10ª Vara do Foro Central Cível de São Paulo, Danilo Fadel de Castro, que obrigou Gancia a excluir a postagem e a sentenciou ao pagamento de R$ 10 mil por danos morais. Para o magistrado, a jornalista feriu a honra e a reputação de Martins ao associá-lo a ideais de caráter racista.
A leitura na segunda instância foi diferente. Segundo o relator, desembargador Enio Zuliani, “o Judiciário não é controlador da mídia e a aplicação do dano moral, com retirada de textos dos computadores, não constitui o método eficiente para limpar a biografia das pessoas envolvidas em fatos notórios e incontroversos, como esse que foi praticado pelo autor, seja como gesto diferencial e chamativo de adeptos da supremacia branca ou de ajeitar o paletó”.
Para examinar e interpretar a reação da jornalista, é preciso considerar que ela comentou um fato. “O modo escolhido pela recorrente, jornalista, para reagir ao ocorrido, foi o Twitter, o que consiste em uma resposta automática emitida sem tempo ou reflexão para pesquisa sobre eventual ou previsível absolvição ou inocência do destinatário,” ponderou.
O assessor foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) sob a acusação de crime de racismo e, meses após a publicação de Gancia, absolvido pela 12ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Distrito Federal. Na decisão, o juízo considerou não ser possível afirmar que houve conotação criminosa no gesto. O processo está em grau de recurso.
Zuliani lembrou que, como profissional da imprensa, a jornalista “analisa o cotidiano e explora, com sua opinião, os acontecimentos marcantes e que ganham notoriedade midiática, pelo que é normal que tenha publicado o seu ponto de vista sobre o gesto que o autor teria cometido”.
De acordo com o desembargador, o mais relevante é que ela não negligenciou o dever de respeitar a “respeitar a verdade substancial dos fatos”. Dessa maneira, manter a indenização e a derrubada da postagem seria restringir a atuação da jornalista, “como se fosse uma censura disfarçada.”
Leonardo Furtado, do Furtado de Oliveira Advogados Associados, afirmou que o acórdão do TJSP merece um registro especial porque reconheceu que Barbara Gancia apenas exerceu livremente a liberdade de expressão e opinião.
“O tema foi tratado de forma profunda, analisando não apenas o caso concreto, mas também o contexto de radicalização que o país estava vivendo,” destacou Furtado, que defendeu a jornalista ao lado de Henrique Venturelli.
O processo tramita sob o número 1062800-09.2021.8.26.0100.