A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, receber a denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o governador do Amazonas, Wilson Lima, por supostos crimes praticados no contexto do enfrentamento à pandemia da Covid-19, em 2020.
O governador responderá pelo suposto exercício do comando de organização criminosa voltada à prática de crimes diversos, sobretudo dispensa indevida de licitação (artigo 89 da Lei 8.666/93), fraude a licitação (artigo 96, inciso I, da Lei 8.666/93) e peculato (artigo 312 do Código Penal). Wilson Lima também responderá por delito de embaraço à investigação (artigo 2, § 1º, Lei 12.850/13).
A PGR não pediu o afastamento do governador, que continua no cargo enquanto tramitar o processo.
O STJ recebeu a denúncia contra outras 13 pessoas. Entre elas estão o vice-governador, Carlos Almeida, e o ex-secretário de Saúde Rodrigo Tobias. O STJ rejeitou a denúncia contra o secretário chefe da Casa Civil do Estado, Flávio Antony Filho, e a ex-secretária de Saúde Simone Papaiz, por ausência de indícios de sua participação nos crimes.
No que diz respeito às preliminares, houve apenas um voto vencido, do ministro Raul Araújo, com relação à preliminar de cerceamento de defesa. No mérito, a decisão foi unânime.
Agora, com o recebimento da denúncia, tem início a ação penal. Ao fim do processo, a ação será julgada, com condenação ou absolvição dos réus.
Compra de 28 respiradores motivou investigação contra governador
Esta é a segunda denúncia recebida pelo STJ contra um governador pela suspeita de crimes praticados durante a pandemia – a primeira foi contra Wilson Witzel, que já sofreu impeachment.
A investigação contra o governador do Amazonas foi aberta após a divulgação, pela imprensa, de que o governo do Estado do Amazonas adquiriu 28 respiradores de uma loja de vinhos. Esse fato “despertou a atenção dos órgãos de controle, dada a probabilidade da ocorrência de ilícitos”, diz a denúncia.
Segundo a PGR, a apuração demonstrou que, sob o comando do governador, instalou-se na estrutura burocrática do Governo do Amazonas, notadamente na Secretaria de Estado de Saúde, “uma verdadeira organização criminosa que tinha por propósito a prática de crimes contra a administração pública, especialmente a partir do direcionamento de contratações de insumos para enfrentamento da pandemia, sendo certo que em pelo menos uma aquisição, o intento se concretizou”.
A PGR informa que, no caso do peculato, os denunciados são acusados de desviar, em benefício dos integrantes da organização criminosa, valores de que tinham a posse em razão dos cargos públicos ocupados.
Durante a sustentação oral, a subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo destacou que o preço inicial ofertado pelos equipamentos já estava em completo descompasso com o praticado no mercado na época da aquisição, mesmo no cenário da pandemia.
Segundo laudo elaborado pela Polícia Federal, houve sobrepreço de R$ 60,8 mil por unidade de respirador, redundando em sobrepreço total de R$ 1,7 milhão, valor 133,67% acima do preço máximo encontrado na pesquisa de mercado. Com isso, o prejuízo total ao erário em razão da operação foi calculado em, no mínimo, R$ 2.198.419,88, segundo a PGR.
Em seu voto, o relator, ministro Francisco Falcão, afirmou que a denúncia da PGR é apta e existe justa causa para o início do processo criminal contra o governador e os demais denunciados.
“Diante das provas descritas, considero que o governador exercia o comando da organização criminal que, engendrada na cúpula do governo do Amazonas, visava à prática de delitos de fraude, dispensa de licitação indevida e peculato, como de fato ocorreu na consumação do delito pela ocasião dos 28 respiradores em 8 de abril de 2020”, disse o relator.
“Os fatos imputados pelo Ministério Público Federal (MPF) são gravíssimos. As condutas teriam sido praticadas em plena pandemia da Covid-19”, afirmou Falcão.
A Corte Especial é composta por 15 ministros. Desses, o presidente, Humberto Martins, não vota. O ministro Mauro Campbell Marques não participou do julgamento por estar impedido, e o ministro Og Fernandes estava ausente. O relator votou pelo recebimento da denúncia e foi acompanhado por todos os presentes.