O Supremo Tribunal Federal (STF), nesta quarta-feira (1/6), manteve decisões da Justiça do Trabalho que invalidaram acordos e convenções coletivas pactuadas entre transportadoras e motoristas mesmo que a norma coletiva restrinja ou afaste direitos trabalhistas não expressos na Constituição. O placar ficou 6 a 5 pela improcedência do pedido. Na prática, ficou decidido que o acordado não deve prevalecer sobre o legislado nesta situação. A discussão ocorreu na ADPF 381.
A maioria acompanhou a divergência aberta pela ministra Rosa Weber, a ministra considerou que as decisões em análise não afastam acordos nem a norma da Consolidação das Leis do Trabalho, elas apenas concluíram que era possível efetuar o controle de jornada e, por isso, eram devidas horas extras.
A ministra também entendeu que a ADPF não é a via adequada para a discussão, havendo outros meios jurídicos capazes para sanar o problema. A ministra argumentou que a ADPF deve ser usada como ação subsidiária quando não há outros mecanismos constitucionais possíveis e, para ela, não é o que ocorre nos autos. Dessa forma, para ela, a arguição nem deveria ser conhecida, porém, neste tópico, não formou maioria e a ação foi analisada pelos ministros.
Faltavam apenas os votos dos ministros Luiz Fux e Dias Toffoli para o término do julgamento – Toffoli acompanhou a divergência da ministra Rosa Weber e Luiz Fux acompanhou o relator, Gilmar Mendes.
Acompanharam integralmente Weber os ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. Toffoli e Barroso acompanharam em parte.
O relator, ministro Gilmar Mendes, se manifestou pela validade de acordos e convenções coletivas pactuadas entre transportadoras e motoristas, mesmo que a norma coletiva restrinja ou afaste direitos trabalhistas não previstos na Constituição. Com o voto, o ministro consagra a sua posição que o acordado pode prevalecer sobre o legislado, privilegiando a autonomia das empresas e dos sindicatos nas negociações trabalhistas e afastando a possibilidade de a Justiça Trabalhista interferir no caso a caso. Como o tema é o mesmo da ação de repercussão geral sobre o assunto, a posição do ministro deve se manter.
Acompanharam o relator os ministros Nunes Marques, André Mendonça, Alexandre de Moraes e Luiz Fux.
Acordado sobre o legislado
A decisão do STF no caso da ADPF não chancela definitivamente que o acordado não deve prevalecer sobre o legislado em questões trabalhistas. A arguição restringe-se às decisões da Justiça do Trabalho sobre convenções entre motoristas e transportadoras, em ações antes de 2012. Isso porque a discussão sobre o julgamento deste tema ocorre em dois processos que estão sendo apreciados separadamente pela Corte: um deles é a ADPF 381, com resultado já proclamado, e a outro é um recurso extraordinário com repercussão geral (ARE 1121633), que começou a ser julgado nesta quarta-feira (1/6).
Desta forma, os julgamentos podem ter resultados diferentes. Os ministros Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso já adiantaram que devem se posicionar de maneira diferente na ADPF e no recurso extraordinário. Para eles, o negociado pode prevalecer sobre o legislado, porém, no caso concreto trazido pela ADPF eles votaram pela improcedência. O ministro Barroso conheceu a ação mas a julgou improcedente porque, para ele, as decisões da Justiça do Trabalho em análise, ou seja, que afastaram a aplicação do acordo coletivo de trabalho, não estão incorretas.
Já Toffoli não conheceu da ADPF porque entendeu que este não é o instrumento adequado para a discussão das decisões trabalhistas envolvendo os motoristas. Superado o conhecimento, o ministro afirmou que concorda com as premissas do relator, Gilmar Mendes, de que o acordado sobre o legislado pode valer, porém, destacou que a controvérsia trazida na ADPF não comporta decisão abstrata. “No meu entendimento o caso presente não comporta a solução abrangente que a confederação autora pretende”, afirmou Toffoli.
Entenda o julgamento
A ADPF 381 foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT) contra decisões da Justiça do Trabalho que invalidaram dispositivos de acordos e convenções coletivas pactuadas entre transportadoras e motoristas, condenando os empregadores ao pagamento de horas extras ou trabalhadas em dias de descanso, em situações ocorridas antes da vigência da Lei Federal 12.619/2012, que disciplinou os direitos e os deveres dos motoristas profissionais.
Tais decisões entenderam que, como há meios tecnológicos para que as empresas façam o controle da jornada, não poderia ser automaticamente aplicada a regra geral do artigo 62, inciso I, da CLT, que dispensa do controle das oito horas diárias de trabalho aos empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação do horário em questão. Com isso, os empregadores foram condenados ao pagamento de horas extras, e também de horas de trabalho prestado em dias de descanso ocorridos antes de vigorar a Lei 12.619/2012 (direitos e os deveres dos motoristas profissionais).
Em junho de 2016, Gilmar Mendes indeferiu a ação porque entendeu que não houve alteração jurisprudencial contrária aos princípios constitucionais nem controvérsia judicial relevante sobre a aplicação do preceito fundamental que se considera violado, por isso, não caberia o uso da ADPF no Supremo. Porém, a CNT recorreu da decisão e o relator reconsiderou a decisão.
Já em 2019, a CNT pediu a suspensão dos processos que tratam do tema com base na decisão do próprio ministro Gilmar Mendes no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1121633 (Tema 1046), que determinou a suspensão dos processos que discutam a validade do acordado sobre o legislado.
Na época, o ministro reconheceu que a matéria em debate na ADPF 381 e no Tema 1046 é a mesma – a constitucionalidade de normas coletivas de trabalho que restringem ou limitam direitos trabalhistas. Dessa forma, a decisão de suspensão nacional dos processos proferida no âmbito do RE 1.121.633 atende, de certa forma, o pedido cautelar formulado na ADPF, uma vez que todos os processos que discutem validade de norma coletiva, independentemente do direito trabalhista limitado e desde que não seja constitucionalmente estabelecido, deverão ficar sobrestados até o julgamento do mérito da repercussão geral.