ADI 5529

Extensão de vigência de patentes fere princípio da liberdade econômica

Três especialistas que veem como inconstitucional o parágrafo único do art. 40 da Lei de Patentes discutiram o tema

hospitais, Remédios
Foto: Pixabay

O parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/96), que estabelece a possibilidade de extensão do prazo de vigência de patentes em caso de demora na apreciação do pedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), fere os princípios constitucionais da liberdade econômica e, por isso, deve ser objeto de discussão pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Esse entendimento foi discutido em um webinar realizado nesta quinta-feira (5/11) na Casa JOTA sobre prazo de vigência das patentes e o direito à saúde da população. O evento, que foi um branded content patrocinado pelo Grupo FarmaBrasil, contou com a participação de Pedro Barbosa, sócio de Denis Borges Barbosa Advogados e professor de Propriedade Intelectual da PUC-Rio; Karin Grau Kuntz, coordenadora acadêmica do Instituto Brasileiro de Propriedade Intelectual (IBPI); e Julia Paranhos, professora do Instituto de Economia da UFRJ.

Esse debate está posto no STF por meio da ADI 5529, que foi ajuizada pela Procuradoria-Geral da República e está sob relatoria do ministro Dias Toffoli. Na ADI, a PGR questiona se esse dispositivo da lei de patentes afronta o princípio da temporariedade da proteção patentária, previsto no inciso XXIX do artigo 5º da Constituição Federal.

O inciso em questão diz: “A lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país”.

Na avaliação dos especialistas que participaram do webinar desta quinta-feira, o parágrafo único do artigo 40 da Lei permite, na prática, uma extensão nos prazos de patente. Isso porque o INPI pode demorar mais de dez anos para despachar a patente e garantir domínio exclusivo para o inventor por mais de vinte anos, prazo inicialmente previsto no caput do artigo 40.

Segundo análise de Karin Grau Kuntz, a inconstitucionalidade não está exatamente no fato de o parágrafo único oferecer uma compensação pelo atraso do INPI, mas sim na forma como essa compensação foi desenhada. Na prática, afirmou a especialista, o prazo total da vigência fica indeterminado e impacta diretamente os negócios concorrentes de que tem o domínio sobre a patente.

“Hoje, o que acontece: eu sou inventora, deposito meu pedido. Vou chegar para meu advogado e perguntar ‘quanto vai durar meu privilégio?’. Ele vai responder, ‘bom, depende. Se o INPI validar em menos de dez anos, você terá um privilégio de 20 anos. Você tem então uma equação matemática X anos + 10 anos = ? Ninguém sabe”, disse.

Para Kuntz, há um problema para se compreender o que é, de fato, o direito de patente. “Todo mundo diz que ele é importante para ter inovação, senão o inventor não inventa. Mas o privilégio ele é exercido no mercado, é um privilégio que só tem valor econômico no mercado. E, no mercado, você tem um impacto direto no concorrente, em todos os atores que estão envolvidos. O concorrente, que é parte importante nesse processo de atingir o objetivo do direito de patente, que é o incremento do bem estar social, ele não pode fazer previsões. E quando ele não pode proceder a um cálculo, ele não pode agir no mercado”.

Na mesma linha de raciocínio, o professor Pedro Barbosa fez um comparativo do direito de Propriedade Intelectual, com o Penal e Tributário. Em comum, os três ramos jurídicos lidam com a liberdade: “seja a liberdade da sociedade, do réu ou do contribuinte”. Neste sentido, argumentou, é preciso fazer uma interpretação cautelosa sobre a tipicidade legal.

“Eu não tenho crime sem lei que antes preveja, não tenho inovação tributária antes que lei preveja, e não tenho direitos contra a livre concorrência e livre iniciativa, que são os baluartes do capitalismo social, por mais tempo do que o necessário”, disse.

A economista Julia Paranhos apresentou potenciais impactos no orçamento do Ministério da Saúde por causa do parágrafo único do artigo 40, que foram estimados em um estudo produzido por um grupo de economia e inovação da UFRJ com nove medicamentos adquiridos para o Sistema Único de Saúde (SUS) que contam com ampliação de vigência de patente.

Entre 2014 e 2018, esses nove remédios, relatou, representaram R$ 10,6 bilhões dos gastos da pasta, o equivalente a 1,5% do orçamento total de 2018. Há medicamentos, por exemplo, que chegam a mais de 28 anos de vigência da patente, segundo a economista. Os períodos de extensão são variados a depender da data de depósito e de concessão da patente.

Para quatro medicamentos analisados pelo estudo, que já têm genéricos disponíveis no mundo, o estudo estimou que sem o prazo estendido de patente os gastos do Ministério da Saúde para a compra deles poderiam ser reduzidos em 75,5%, o que representa R$ 1,2 bilhão do orçamento.

Punição à sociedade

No entendimento de Pedro Barbosa, há um equívoco no ponto de vista de quem defende a constitucionalidade do dispositivo de compensação por punir a sociedade, mas não o agente causador da demora, neste caso o INPI.

“Partindo da premissa de que aqueles que defendem a constitucionalidade dispositivo de compensação, a primeira pergunta que formulo é: quem causou o dano?  Seria o INPI. Pela Constituição, se é o INPI que causou o dano, e nem sei se houve mesmo dano porque as pessoas presumem dano, quem deveria ser punido é o INPI”, disse.

“Na prática, o parágrafo único faz favor com chapéu alheio. Se o INPI comete o dano, quem paga a conta é o concorrente, o consumidor, o meio ambiente, o estado. Mas não é o INPI”, avaliou, acrescentando que compreende o “problema crônico de precarização do serviço de excelência praticado pelo INPI”.

“O INPI sendo basicamente composto por mestres e doutores é um polo de excelência, ele não tem, contudo, uma quantidade de servidores compatível com o serviço público. O que é curioso, porque o INPI é uma das poucas autarquia superavitárias, que cobra pouco. Se cobrasse o que os demais órgãos semelhantes de países dos BRICS cobram pelo mesmo serviço, ele teria uma receita maior e poderia retro investir no seu serviço”.

Entendimento semelhante tem a economista Julia Paranhos, que coloca a própria lei de propriedade intelectual como a causadora do acúmulo de patentes para análise. Ela explicou que o Tratado de Cooperação em matéria de Patentes, que o Brasil assinou em 1994, previa um período de transição de dez anos para começar a conceder os direitos patentários.

A realidade, contudo, é que a lei entrou em vigor em cerca de um ano, sem a estruturação correta do INPI para dar conta de atender todo o interesse que tem o país no que tange o direito de patentes.

“A gente já estabeleceu a lei de patentes em 1996, fez um período de transição até 1997. Em um período curto teve um volume enorme de pedidos de patente e o órgão já começa a analisar os pedidos em 1997. Poderíamos ter utilizado esse período de transição até dezembro de 2004 para nos estruturar, criar uma área robusta dentro do INPI. Neste sentido, acho que a lei também é uma causadora desse atraso”, avaliou.

A inconstitucionalidade, na visão de Karin Grau Kuntz, não seria sanada nem se o INPI, por si só, conseguisse resolver o problema de backlog de patentes à espera de análise. “O que aconteceria se o INPI, daqui cinco anos, voltar a produzir backlog? Você não sana o problema com esse dispositivo. A inconstitucionalidade não está ali, está nessa forma de trazer o backlog para dentro da norma e tentar resolver esse problema de falha da mão pública colocando a norma dentro da lei de propriedade industrial”, concluiu.