As poucas linhas da decisão proferida ontem pelo ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre a vacinação de crianças e adolescentes alimentaram interpretações antagônicas sobre o alcance do despacho. Afinal, a decisão trata a vacinação como obrigatória? Quem deveria comemorar: a Rede, que fez o pedido ao Supremo, ou o governo Bolsonaro?
É preciso esmiuçar a decisão de Lewandowski e combiná-la com outra manifestação do ministro para compreender melhor seus limites. Em decisão recente, o ministro declarou a perda de objeto de ações que pediam ao Tribunal que obrigasse o governo a estabelecer um plano para a vacinação de crianças e adolescentes. O Ministério da Saúde apresentou o plano para a vacinação, deixando expresso que a vacinação era “não obrigatória”.
O ministro do Supremo, diante da manifestação do governo, declarou a perda de objeto da ação. Portanto, sem nenhuma observação — porque não havia pedido nesse sentido — sobre o caráter não obrigatório da vacinação.
Agora, a Rede pediu ao Supremo para determinar que os conselhos tutelares fiscalizem a vacinação de criança e adolescentes. A Rede sustentou que a Constituição não permite que crianças sejam colocadas em risco. Assim, caberia ao Estado protegê-las caso os pais se recusassem a vaciná-las.
Lewandowski respondeu ao pedido em poucas linhas e determinando que o Ministério Público (MP) — e não os conselhos tutelares — fiscalizem a vacinação das crianças e adolescentes. Ou seja, numa frase, é como se Lewandowski antecipasse uma posição: a vacina de crianças e adolescentes, numa pandemia, é obrigatória porque essa seria a forma mais recomendada de proteger a saúde deste grupo. Entretanto, de acordo com a decisão e com a jurisprudência do STF, ninguém pode ser forçado a vacinar seus filhos, mas pais ou responsáveis podem ter de arcar com as consequências de suas escolhas.
Lewandowski traz o Ministério Público para o debate ao lembrar que os membros do MP têm a atribuição constitucional e legal de zelar pela saúde e bem-estar das crianças e dos adolescentes. Isto é, Lewandowski faz um chamamento aos promotores para que se manifestem e atuem judicialmente diante da recusa de pais em vacinarem seus filhos. Os pais que optarem por não vacinar os filhos poderiam ser responsabilizados?
Certamente o Ministério Público vai questionar na Justiça a responsabilidade de pais pela não vacinação de seus filhos. Podem também questionar, por exemplo, a exigência de vacina para que crianças voltem às aulas. Mas tudo isso será feito caso a caso e a partir da ação do MP. Depois disso, assistiremos às decisões de juízes de Infância e Juventude sobre o tema. Isso alimentará o debate público. E dará tempo para Lewandowski e para o Supremo (tempo precioso diante de uma pandemia que muda dia a dia).
Lá na frente, o Supremo poderá ser chamado a se manifestar sobre a obrigatoriedade da vacina e as consequências jurídicas para os pais, além de restrições que podem ser impostas pelas autoridades locais. Até lá, já teremos mais informações sobre a evolução da Ômicron e já haverá mais dados sobre a eficiência da vacina em crianças e adolescentes, além de mais conhecimento sobre eventuais efeitos adversos.
A decisão de Lewandowski, portanto, não é um ponto final sobre se a vacina é ou não obrigatória. Ela pode ser apenas o início desse debate que, a depender da evolução da pandemia e do debate público, pode chegar ao Supremo novamente para uma palavra final. Lewandowski já mostrou, nessa decisão, contudo, que já tem uma visão sobre o tema. E ela é pró-vacina.