Se política é feita de gestos, os sinais dados pelos partidos de centro na instalação de três comissões mistas, formadas por deputados e senadores, para a análise de medidas provisórias evidenciaram as dificuldades da articulação do governo na construção de uma base mais sólida no Congresso. Entre petistas, já há defensores da ideia de que o presidente Lula terá de se envolver mais nas conversas para consertar a rota.
No centro do problema, há um choque entre modelos de acomodação política que opõe nomes de relevo, a exemplo do atual presidente da Câmara, Arthur Lira, e o ex-presidente do Senado, Renan Calheiros. Os dois são potenciais candidatos ao Senado nas duas vagas que Alagoas terá a preencher, em 2026.
Enquanto o senador sugeria à imprensa que estaria em um curso um ‘boicote’ de deputados para a instalação dos colegiados nesta terça-feira, Lira se reunia com as lideranças das bancadas para discutir um rito de distribuição de relatorias.
O impasse terminou com um novo problema para o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que viu o texto da retomada do Minha Casa Minha Vida ser entregue a Guilherme Boulos, do PSOL, um dos poucos deputados presentes na sessão. Aliado insuspeito de Lula, a relatoria não seria um problema se não estivesse prometida ao União Brasil na fórmula que estava sendo negociada com a presença de integrantes do próprio governo com a cúpula da Câmara, no mesmo momento.
O caso concreto é apenas um que se avoluma nos corredores do Congresso em meio ao ritmo lento de nomeações sobre postos de segundo e terceiro escalão e liberação de emendas parlamentares que poderiam dar fôlego ao Planalto. A fatura ficará mais explícita durante as primeiras discussões que interessam a Lula no Congresso, como a MP do Carf.
Arthur Lira fez o governo saber que pretende inviabilizar a votação no plenário se o teor dessa e outras medidas for analisado por meio das comissões mistas, e não por meio de projeto de lei. Sem força para ‘atropelar’ as vontades do presidente da Câmara no caso específico, o Planalto se resignou a preparar a proposta, que deve ganhar regime de urgência para acelerar a votação, absorvendo o mesmo teor da medida editada em janeiro.
Apesar disso, a MP original continua valendo, assim como o voto de qualidade por ela determinado e visto como essencial para a estratégia de ajuste fiscal do governo. A corrida vai ser por aprovar o eventual projeto antes que a MP perca o prazo de validade, em junho.
A forma, porém, provocou a irritação do Senado, melhor contemplado na montagem ministerial. A Casa que vem demonstrando mais boa vontade com Lula pode se tornar mais um obstáculo para os interesses do Planalto.
Enquanto não atingir o equilíbrio na relação com os ‘centrões’, o que envolve a equação sobre controle do orçamento e ministérios, a instabilidade deve dar a tônica nas negociações de cada projeto no Congresso.