O Projeto de Lei 2384/23, que restabelece o voto de qualidade no Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) e foi aprovado nesta quinta-feira (7/7) na Câmara dos Deputados, adota um viés mais conciliatório e reconhece implicitamente que o sistema tributário brasileiro penaliza o bom contribuinte, analisou Breno Vasconcelos, sócio do Mannrich e Vasconcelos Advogados e pesquisador do NEF-FGV/SP.
A proposta passou por votação na tarde desta quinta-feira e, além do voto com peso duplo do representante do fisco que preside o colegiado, exclui as multas e juros cobrados quando o julgamento for decidido pelo voto de qualidade.
“O PL do Carf, quando faz essas alterações, reconhece implicitamente que temos um sistema tributário que penaliza os bons contribuintes. Essa premissa está como eixo central do PL,” afirmou Vasconcelos.
“O bom contribuinte está submetido a um sistema desenhado para gerar insegurança jurídica, de alta complexidade, que atribui um ônus muito grande ao contribuinte. Esse ambiente de incerteza tem que ser tratado de uma forma mais conciliatória, que é o que está sendo proposto.”
Leia os principais pontos da entrevista com Breno Vasconcelos, sócio do Mannrich e Vasconcelos Advogados e pesquisador do NEF-FGV/SP.
Quais são os principais aspectos desse projeto na opinião do senhor?
O primeiro é o uso do voto de qualidade. A solução dada é uma de meio-termo, consensual política. Não será nem a regra de desempate favorável ao contribuinte, nem a regra do voto de qualidade nas mãos do fisco, pura e simplesmente. Ele voltará para o fisco, mas com novas condições em relação aos efeitos. Um foi tomado de empréstimo do artigo 112 do CTN [Código Tributário Nacional]. Se tenho dentro de um colegiado quatro pessoas que entendem que não houve uma infração e quatro pessoas que entendem que houve, isso revela uma dúvida razoável em relação à interpretação da lei. Por isso, você derrubaria a multa. Esse é o primeiro aspecto do eixo voto de qualidade.
Multas e juros…
É o segundo aspecto, uma tentativa por parte da administração tributária de tornar atrativo para o contribuinte encerrar o litígio. Numa janela de 90 dias após o encerramento do julgamento no Carf, o contribuinte poderia pagar o tributo integralmente sem juros. Gera-se um incentivo para que o contribuinte, diante de uma situação de dúvida, não leve o caso ao Judiciário.
Existem críticas a essa solução. A principal é que o bom contribuinte pagará o mesmo tributo que o que percorreu todo o processo administrativo e, ao final, teve um voto de qualidade. Quem faz essa crítica se esquece de um detalhe. Esse contribuinte também está arriscando percorrer o contencioso e perder. E não com voto de qualidade, perder por maioria ou por unanimidade. Essa crítica ignora, na análise dos comportamentos, a existência de um conselho técnico e vocacionado. Com as mudanças de efeito sobre o empate, falava-se que o fisco passaria o trator ou o contribuinte passaria o trator. O que aconteceu? O Carf manteve os padrões de julgamento. Manteve, historicamente. Isso desmonta a crítica de que você está gerando um incentivo ao litígio.
Na visão do senhor, por que esse projeto preocupa tanto as empresas?
Ele é importante, porque traz a nova regra em relação ao voto de qualidade. A simples volta do voto de qualidade preocupa as empresas. Mas, na negociação entre a OAB, o Ministério da Fazenda e Abrasca [Associação Brasileira das Companhias Abertas], chegou-se a um meio-termo, que é cair as multas e numa janela de período cair os juros. Preocupa as empresas que o voto de qualidade retorne sem esses efeitos.
O que é importante para as empresas que está nesse PL? É que existem novas regras que limitam a aplicação totalmente descontrolada de multas qualificadas por parte da Receita Federal. São mudanças muito positivas, todas baseadas em estudos que têm demonstrado que o Brasil está ficando para trás na comparação com outros países, na forma de estabelecer a relação entre fisco e contribuinte. O Brasil adota um modelo de repressão e punição. Lá fora, os países mais desenvolvidos adotam um modelo de orientação, de individualização das condutas.
Que balanço o senhor faz em relação ao PL do Carf?
O PL do Carf, quando faz essas alterações, reconhece implicitamente que temos um sistema tributário que penaliza os bons contribuintes. Essa premissa está como eixo central do PL. O bom contribuinte está submetido a um sistema desenhado para gerar insegurança jurídica, de alta complexidade, que atribui um ônus muito grande ao contribuinte. Esse ambiente de incerteza tem que ser tratado de uma forma mais conciliatória, que é o que está sendo proposto. É justo que, diante de uma caracterização da dúvida, que é o caso do empate, do julgamento, é justo que esse contribuinte tenha alguma relevação daquilo que foi imputado a ele, algum desconto. Estou vendo o PL como positivo.