Proteção à criança

STJ autoriza prisão domiciliar a mãe com pena definitiva

Magistrados discutiam se benefício faria com que todas as mulheres com filhos pequenos deixassem de cumprir regime fechado

Mulheres presas / Crédito: Luiz Silveira/Agência CNJ

O pedido de transferência para prisão domiciliar de uma mãe condenada por tráfico de drogas – e que cuidava do filho de poucos meses de vida – gerou discussão acalorada entre ministros do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no ano passado. Após dez meses, o caso terminou de ser julgado e a mudança do regime fechado para o domiciliar foi aceita pelo tribunal no caso concreto.

Em junho, a 6ª Turma do tribunal discutia o pedido de habeas corpus da mulher, que já tinha condenação com trânsito em julgado a nove anos de prisão. A mulher pedia para cumprir a pena em casa, pois o presídio mais próximo ficava a 230 quilômetros de distância de onde mora, no município de Divisa Alegre (MG), o que tornaria impossível amamentar a criança nos primeiros meses de vida.

O ministro Sebastião Reis se posicionou pelo regime domiciliar e concedeu liminar, mas os colegas dele discordaram naquele momento. O ministro Rogerio Schietti Cruz foi um dos mais vocais: “Fico preocupado porque, a rigor, estamos entendendo que nenhuma mãe cumprirá pena de prisão, ainda que tenha cunho humanitário e a gente sempre deve privilegiar ações que beneficiem o ser humano, especialmente mulheres mães”, disse.

Eles decidiram, então, submeter o caso à 3ª Seção do STJ, que compreende essa Turma. Os ministros foram provocados a decidir se uma mãe com filho menor de 12 anos pode cumprir pena definitiva em regime domiciliar – e não apenas em casos de prisão temporária. Após pedir vista, Schietti Cruz deu voto favorável à transferência de pena, acompanhando o relator, e foi seguido pelos outros ministros.

Ele afirmou que a proposta no julgamento do habeas corpus é que a prisão domiciliar em penas definitivas seja adotada excepcionalmente, quando se observar a necessidade de intervenção humanitária, quando a presença materna for imprescindível aos cuidados dos filhos.

Assim, a concessão do benefício não poderia ser automática, mas levar em conta os riscos à segurança pública e também as necessidades específicas das crianças. Nesse caso, além de um bebê atualmente com cerca de dois anos, a mulher tem outro filho de seis, sendo a única cuidadora deles. Também havia sido condenada pela primeira vez e em crime que não representa grave ameaça à vida das pessoas, entendeu Schietti Cruz.

“Ainda é sobre a mulher, muitas vezes sem suporte algum, que recaem as maiores responsabilidades com a prole, o que limita suas potencialidades”, disse o ministro. “A realidade, tanto dos direitos reprodutivos quanto do encarceramento, é desigual para homens e mulheres”, completou.

O ministro citou dados do Departamento Penitenciário Nacional relativos ao aprisionamento de mães. No primeiro semestre de 2021, havia cerca de 30 mil mulheres presas no Brasil. Além de detentas gestantes e lactantes, havia um total de 1.043 crianças, filhos delas, nos presídios – desse total, 65,1% já tinham mais de 3 anos de idade.

A decisão foi dada no habeas corpus 145.931.

A prisão domiciliar para mães

O relator do caso, Sebastião Reis, se pautou na decisão do ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF), que garantiu o direito ao regime domiciliar nos casos de prisão provisória envolvendo mães de crianças pequenas. A exceção seria para crimes com violência ou contra filhos ou netos.

Esse entendimento foi tomado em um habeas corpus coletivo em 2018. No mesmo ano, passou a vigorar o artigo 318-A no Código de Processo Penal, prevendo a possibilidade, mas apenas nos casos de prisão preventiva.

Desde então, o entendimento nas cortes superiores é de autorizar a mudança às mulheres com filhos de até 12 anos que aguardam julgamento. Entretanto, o ministro Sebastião defendeu haver jurisprudência para aplicação em condenações definitivas. No final de 2020, por exemplo, a 3ª Seção já havia julgado nesse sentido, concedendo o benefício para mãe em execução definitiva da pena.

Ao negar habeas corpus para uma mãe de São Paulo em 2019, a ministra Laurita Vaz cita a noção de que o STJ permite o cumprimento de pena em casa sempre que for imprescindível. Mas, naquele caso, a mulher havia engravidado quando já estava presa e a filha estava aos cuidados da avó e do pai, por isso o apelo foi recusado. Sob essa perspectiva, já era possível intuir que todas as mulheres no sistema penitenciário não seriam atendidas pelo benefício automaticamente.

Também é algumas vezes citado, como argumento para a concessão, o artigo 117 da Lei 7.210/1984, que trata de execuções penais. Ele menciona que mães de crianças e gestantes em regime aberto podem cumprir pena em casa. Em 2020, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lançou enunciado afirmando ser possível aplicar o artigo, “em casos excepcionais”, a condenados de regime fechado.