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Lei do vale-refeição muda, mas falta de avanços na regulamentação atrasa benefícios

Governo não definiu como a portabilidade e a interoperabilidade vão funcionar para melhorar a alimentação dos trabalhadores

Foto: Unsplash

As mudanças no Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) permitiram a portabilidade entre as empresas que fornecem os vales-refeição e alimentação, além de facilitar a admissão de diferentes bandeiras pelos estabelecimentos sem precisar de várias maquininhas.

Contudo, a indefinição das regras para operacionalização dessas novidades tem gerado incerteza, prejudicando o potencial de aumento da competitividade nesse mercado e, assim, os benefícios para os trabalhadores.  

O PAT é um conjunto de normas que permite às empresas ofertar aos seus colaboradores um valor destinado especificamente à alimentação – em troca, elas obtêm benefícios fiscais, como descontos no imposto de renda ou no pagamento de encargos trabalhistas. 

Em 2021, por meio de uma consulta pública, começaram a ser discutidas mudanças que devem modernizar o acesso dos trabalhadores à política alimentar e dinamizar o setor, formalizadas no Decreto 10.854/2021 e na Lei 14.442/2022. 

As principais mudanças já deveriam estar valendo, mas foram adiadas para maio de 2024. Essa alteração no prazo de início da implementação foi feita pela Medida Provisória 1.173/2023, que já vale imediatamente, mas depende de aprovação parlamentar. Por isso, o tema está sendo discutido por uma comissão mista no Congresso. 

Enquanto isso, as incertezas se acumulam e também não há transparência sobre como o novo modelo será colocado em prática. Ainda não há uma proposta de regulamentação sobre como serão operacionalizadas duas inovações centrais no PAT. 

A primeira delas é a portabilidade gratuita do benefício entre as empresas que oferecem os vales-alimentação e refeição, como ocorreu no setor financeiro para salários, em que o empregador escolhe a instituição financeira em que fará o pagamento e o trabalhador tem o direito de escolher e portar o valor para a instituição que melhor lhe atende. 

A segunda é a interoperabilidade entre diferentes plataformas de alimentação, para permitir o compartilhamento de rede, de modo que os estabelecimentos possam aceitar diferentes bandeiras dos vales sem a necessidade de uma maquininha para cada cartão;

Na prática, sem a regulamentação, a legislação aprovada no ano passado fica impedida de trazer os maiores benefícios que propõe para os trabalhadores. Com isso, se atrasa o estímulo à concorrência e, consequentemente, a possibilidade de taxas mais baixas pelos serviços e até de uma alimentação mais barata para os trabalhadores – já que é comum que restaurantes e lanchonetes repassem as taxas cobradas pelos cartões aos consumidores. 

Portabilidade é a mudança mais aguardada

A portabilidade é o processo que permite ao trabalhador trocar de uma empresa de vale-refeição ou alimentação para outra. O trabalhador poderá pedir essa mudança de acordo com a oferta de serviços que julgar mais atraente – a situação é semelhante ao que acontece quando ele decide receber o salário em outro banco que não aquele indicado pelo empregador, sem nenhum custo.

Para o advogado Rafael Fazzi, especialista em Direito do Trabalho, a norma ainda não é clara quanto à maneira de funcionamento da portabilidade no caso específico do PAT. Porém, o processo seria simples e já foi testado em outros setores. Uma possibilidade é que o sistema funcionasse em prática análoga à conta-salário, por exemplo. “A lógica é que essas inovações, a princípio, vieram para facilitar a vida do trabalhador, aumentando a rede credenciada e a aceitação dos vales, bem como a utilização do benefício que melhor lhe interessar”, afirma. 

O modelo implementado no sistema financeiro poderia ser seguido. “Para fazer sentido para os consumidores, a portabilidade necessita ser rápida, sem burocracias, e sem custos. Vimos no caso do sistema financeiro que essas características ajudaram o sucesso da medida e, para o PAT, é necessário que siga essas linhas para que a portabilidade possa transformar o setor”, avalia o advogado Washington Barbosa, mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas. 

No papel, a ideia é que a portabilidade não seja uma dor de cabeça nem para o trabalhador que solicitar e nem para os empregadores. O processo pode ser simples, com comunicação para a portabilidade entre as emissoras acontecendo por meio de uma entidade administradora, por exemplo. 

Nesse caso, a operadora contratada pela empresa deverá informar àquela escolhida pelo trabalhador sobre o cadastro da portabilidade – o que, atualmente, pode acontecer de forma automatizada em instantes. A partir daí, o crédito depositado pelo empregador será transferido entre as bandeiras todos os meses. 

A legislação também prevê que os recursos cobertos pelo PAT não possam ser consumidos com outros produtos e serviços que não os de alimentação e refeição. As empresas de benefícios só devem permitir o uso do benefício em estabelecimentos que se enquadram nas regras do PAT, propiciando uma alimentação mais saudável para o trabalhador. O descumprimento pode gerar multa de até R$ 100 mil, quando houver reincidência ou tentativa de burlar a fiscalização. 

“Caso esse sistema seja consolidado, os trabalhadores poderão escolher a qual operadora eles desejam se vincular. A grande questão é que boa parte dessas operadoras, em um primeiro momento, estariam vinculadas a um ‘arranjo fechado’, ou seja, o trabalhador somente poderia usar os estabelecimentos associados a esse”, afirma Miriam Knopik, advogada especialista em especialista em Direito do Trabalho. 

Os obstáculos do “arranjo fechado” – modelo em que o emissor tem um arranjo próprio, emite o cartão, credencia os estabelecimentos e efetiva as transações – seriam superados pela promessa de interoperabilidade do PAT, abrindo a possibilidade de várias emissoras compartilharem a rede de estabelecimentos comerciais credenciados.

Além disso, uma tendência nos últimos anos foi a adoção de arranjos abertos por entrantes no mercado, o que deve continuar. Desse modo, com uma só maquininha um restaurante poderia aceitar diferentes bandeiras, por exemplo. 

A interoperabilidade pode ser feita também para os emissores desse tipo de sistema, e não só para os de “arranjo aberto” – em que o emissor do cartão usa o arranjo da bandeira do cartão de crédito, o que já permite ao usuário acesso a estabelecimentos que tenham uma maquininha que aceite o cartão de crédito como meio de pagamento.

Assim, com a interoperabilidade saindo do papel, os usuários do arranjo fechado estariam mais próximos dos que hoje usam o arranjo aberto.  

“Essa rede compartilhada pode ser ainda mais benéfica ao trabalhador. Assim, ele poderia ter mais opções de fato”, completa. Nesse sentido, não faria diferença ao trabalhador se o vale-refeição ou vale-alimentação que ele possui é aceito por determinados estabelecimentos ou não; na prática, todos poderiam usar o benefício em locais que aceitem ao menos uma bandeira. 

Interoperabilidade simplifica vendas

A interoperabilidade entre bandeiras já aconteceu no caso dos cartões de débito e crédito. No passado, era necessário ter maquininhas distintas para cada uma das empresas operadoras. Essa mudança impulsionou esse mercado, dando início ao surgimento de soluções mais inovadoras a taxas de transação mais competitivas, aumentando o acesso de novos usuários – faz parte desse processo a expansão do acesso a pagamentos por cartão até por microempreendedores, o que antes parecia impensável. 

Esse empurrão é necessário também para os cartões de alimentação e refeição. Hoje, o mercado é concentrado entre poucas empresas e as taxas afastam os estabelecimentos, principalmente quando eles precisam de várias maquininhas. Em média, a taxa desses cartões é de 7,5%, enquanto os cartões de débito e crédito geralmente cobram entre 0,5% e 2%. Com isso, muitos estabelecimentos deixam de aceitar essa forma de pagamento, restringindo o uso do benefício pelos trabalhadores. 

A ideia da interoperabilidade entre emissores e a existência de um arranjo de pagamentos aberto permitirá que taxas mais próximas dos cartões de débito e crédito sejam praticadas. Com isso, poderiam ser devolvidos em média R$ 7 bilhões por ano aos bolsos dos donos de restaurantes, supermercados e outros estabelecimentos aceitos no PAT – essa estimativa se baseia no volume movimentado por esse mercado, em torno de R$ 150 bilhões, e a redução esperada nas taxas cobradas pelos cartões. 

Até agora, a única inovação no PAT que já começou a valer é o fim da taxa negativa. O que acontecia é que empregadores beneficiárias do PAT recebiam deságio ou descontos sobre o valor contratado das emissoras de vale ou outros benefícios sem relação com a segurança alimentar dos trabalhadores.

Frequentemente, isso se tornava mais benéfico para os empregadores, que além de receber benefícios fiscais por terem aderido ao PAT, tinham uma segunda vantagem ao optar por uma ou outra emissora, em detrimento dos interesses dos trabalhadores.

Este é o segundo conteúdo produzido pelo JOTA, com patrocínio da Zetta, sobre a regulamentação do PAT.

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