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Etapa de mistura do diesel verde ao fóssil pode impactar fiscalização e preços

No PL do Combustível do Futuro, ao se priorizar o mandato de diesel verde  pelo produtor, controle pode ser facilitado

Foto: Unsplash

Um dos focos da estratégia de descarbonização do Brasil está no PL 4.516/2023, sob relatoria do deputado federal Arnaldo Jardim (Cidadania-SP). O projeto de lei, também conhecido como Programa Combustível do Futuro, é debatido no Congresso desde setembro, quando o texto foi apresentado pelo Executivo. O objetivo é reduzir as emissões no setor de energia – medida urgente no cenário global –, mas uma série de pontos ainda estão em disputa entre os setores impactados.

A proposta visa estimular a produção de biocombustíveis e tem como um de seus pilares o esforço em aumentar a incorporação do diesel verde, o óleo vegetal hidratado (HVO), à matriz energética brasileira. “Medidas como essas são importantes para diminuir nossa dependência diante dos combustíveis fósseis”, pontua Rodrigo Marinho, Diretor Executivo do Instituto Livre Mercado.

“O Brasil já teve um grave problema de racionamento energético. Por isso, nós temos que pensar em soluções mais limpas e que também combinem com a realidade brasileira, como as energias provenientes de recursos renováveis”, opina Marinho. O texto pode ser votado ainda em março pela Câmara.

HVO, uma alternativa para a transição energética

Embora a matriz energética brasileira seja uma das mais renováveis do mundo, o diesel fóssil é um combustível amplamente utilizado no Brasil, em particular para os transportes. No Brasil, estima-se que mais de 70% do consumo total do diesel seja apenas para uso no setor.

O HVO, em inglês Hydrotreated Vegetal Oil, ou óleo vegetal hidrotratado, é uma das categorias mais promissoras de diesel verde. Em relação ao diesel comum, é capaz de emitir até 90% menos gases de efeito estufa.

Assim como o biodiesel, o HVO também pode ter como matéria-prima óleo vegetal (óleo de soja, girassol, canola, entre outros), além de gordura animal e óleo de cozinha utilizado. Contudo, sua principal diferença está em não ter um oxigênio em sua molécula  de forma a contribuir com a diminuição da produção de gás carbônico durante a queima. Além disso, ele não exige adaptações em motores ou equipamentos que hoje rodam com combustíveis fósseis.

“Trata-se da mesma molécula do diesel fóssil, da mesma cadeia carbônica do diesel hoje utilizado, porém manufaturado através de produtos renováveis e com emissão de carbono muito menor”, esclarece Marinho.

No PL, há um projeto que visa o desenvolvimento de uma nova política voltada ao diesel verde, chamada de Programa Nacional do Diesel Verde (PNDV). Esta tem o intuito de reduzir a dependência externa do derivado fóssil do diesel, além de promover uma transição energética sustentável.

Na perspectiva de Marinho, provavelmente não haverá uma substituição completa entre os dois combustíveis. “Estamos usando  derivados fósseis há muitos anos e não será de uma hora para outra que será substituído. Mas acredito que devemos defender uma maior produtividade sempre alinhada com escolhas sustentáveis, que preservem nossos recursos”, diz.

O Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) é responsável por avaliar o mercado e definir o percentual obrigatório de adição de diesel verde ao fóssil. O mandato não é novidade para o setor, uma vez que já está em voga o teor obrigatório de biodiesel na variedade fóssil, que a partir de março sobe para 14%.

No projeto de lei, consta uma proposta de estabelecer um mandato para o diesel verde  entre 1% e 3%  a ser aplicado ao diesel, com prazo de ser implementado entre 2027 e 2037. Na regulamentação, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis do Brasil (ANP) vai definir o percentual de mistura obrigatória.

O CNPE ficará responsável por estabelecer, a cada ano, a participação obrigatória do diesel verde, em termos de volume, em relação à quantidade total de diesel que é vendido ao consumidor final.

Ainda não há estimativa da participação do HVO nesse montante. Para Marinho, o combustível merece atenção especial: “Esse combustível estimula tecnologias mais modernas, que evitam a necessidade de adaptação do nosso equipamento, como motores e maquinários, por ser uma molécula idêntica à do diesel fóssil vinda de fontes renováveis. Além disso, é uma forma de alavancar a industrialização verde do Brasil com um produto de valor agregado e potencial exportador. Acredito que seja o futuro quando falamos em combustíveis renováveis.”

O acréscimo do diesel verde na cadeia do combustível

Os Estados Unidos são um dos principais propulsores dos mandatos de mistura de biocombustíveis sobre o diesel, estabelecendo uma demanda global neste tema. Além dos americanos, os chineses também se destacam em estratégias para uma maior segurança energética.

“A cadeia do combustível fóssil vai desde a prospecção e refino, passando por uma série de etapas até chegar ao posto. Há uma longa cadeia até a chegada a um veículo”, explica Marinho.  

Por isso, de acordo com ele, é fundamental definir em qual dessas fases será adicionado a variante renovável. Em geral, há duas opções: o acréscimo direto na produção ou durante a distribuição. A exemplo das experiências vivenciadas pelos Estados Unidos, alguns especialistas defendem a inclusão junto à produção do combustível.  

A intenção seria facilitar a fiscalização e o controle sobre o cumprimento da regra em um mercado que não é tão pulverizado quanto na etapa de distribuição. Marinho exemplifica uma das consequências possíveis se esse modelo não for bem definido: “Com a obrigação na distribuição, é possível que empresas com poucos ativos tangíveis violem os mandatos estabelecidos, obtenham lucro rápido e fechem sem serem levadas à Justiça por suas ações. Isso não só macularia o objetivo principal de descarbonização como prejudicaria a concorrência em um elo da cadeia que já é, hoje, alvo de práticas similares”. 

No texto atual do PL, que ainda precisa ser votado na Câmara antes de seguir para o Senado, ainda não está definida a etapa em que o mandato deve acontecer – sendo assim, isso seria decidido em regulamentação pela ANP.

“Ao concentrar essa etapa no produtor, o que deveria acontecer já na legislação, temos uma maior facilidade na fiscalização do processo, além de tornar mais barato o custo ao país. Além de termos poucos produtores no país, o impacto na cadeia de distribuição também é reduzido, o que se traduz em uma menor oneração ao consumidor final”, analisa o líder do Instituto Livre Mercado

“Existem empresas de distribuição que só atuam em determinados estados brasileiros. Ao transferir essa adição ao distribuidor, dificulta-se a padronização desse processo”, avalia. Como consequência de se incluir a mistura a essa fase também pode repercutir no valor pago de combustível pela população.

Os projetos já divulgados de produção de diesel verde se localizam, em geral, próximos à costa e são menos numerosos do que as refinarias de combustíveis fósseis. Dessa forma, se o teor obrigatório do HVO tivesse sua mistura realizada apenas nessa etapa muitas distribuidoras regionais teriam dificuldade de acesso ao combustível ou o obteriam por preços altos.

Caso o teor obrigatório tivesse sua mistura realizada apenas nessa etapa, poderia ter uma dificuldade na fiscalização desse processo  e também um potencial impacto financeiro aos postos de gasolina e no bolso do consumidor.

“Melhorar toda a cadeia impacta no nosso carro, mas também no valor do motorista de aplicativo, no frete para entregar um produto. Todo o custo está embutido até no valor do pão que compramos diariamente”, comenta.

Além da fiscalização, outro argumento de quem defende a obrigação na etapa do produtor é que isso permitiria o desenvolvimento de diferentes modelos de negócio. Pela característica drop-in do diesel verde (isto é, ele pode substituir completamente o produto fóssil, sem adaptações), ele pode ser comercializado puro para empreendedores em busca de descarbonizar os seus negócios. 

“Precisamos pensar na sociedade. Em um país como o nosso, ainda em desenvolvimento, há dificuldade em abraçar totalmente os custos de uma transição energética. A obrigação no produtor facilitaria a opção da comercialização para um novo mercado, não obrigando a mistura do produto no diesel comercializado ao consumidor final pessoa física”, afirma Marinho. 

Ele explica que o produto poderia ser escoado antes, de forma integral por conta de suas características químicas (ou seja, 100% renovável e com a mesma cadeia carbônica do fóssil) para um indústria que, por conta de seus próprios compromissos sustentáveis, opte pelo diesel verde. “Nesta lógica comercial, o custo reduziria seu peso sobre o consumidor final, desafogando a sociedade civil do impacto no preço dos combustíveis na bomba”, conclui.