

A reforma tributária tem o potencial de simplificar o dia-a-dia do contribuinte e tornar mais transparente o custo tributário dos produtos e dos serviços no Brasil. Para tanto, pontos em torno do objetivo de uniformização do sistema tributário, com a meta de reduzir obrigações acessórias, ainda dependem de definições mais firmes durante a tramitação no Senado.
Hoje, cada estado e cada município tem a possibilidade de definir campos de preenchimento e envio de declarações, notas fiscais e outros documentos que precisam ser emitidos toda vez que as empresas vendem produtos ou prestam serviços.
E uma das mudanças mais importantes que a reforma tributária pode promover no sistema brasileiro é justamente reduzir a complexidade que os contribuintes enfrentam na hora de cumprir as obrigações acessórias (isto é, as inúmeras exigências que acompanham o pagamento de tributos).
Para se ter ideia da dimensão da heterogeneidade nessas obrigações, em 2018 o Banco Mundial calculou que, apenas para cumprir com as obrigações acessórias, as empresas gastam em média 1.958 horas por ano no Brasil – o que colocou o país no topo do ranking entre os países mais burocráticos do mundo.
Além disso, desde a Constituição foram aprovadas cerca de 7 milhões de normas tributárias, sendo que, atualmente, uma empresa precisaria cumprir, em média, quase 5 mil regras, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT).
O esforço para combater esse cenário caminharia em conjunto com a mudança no sistema para o modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA). No texto da PEC 45/2019 aprovado pela Câmara dos Deputados em julho, e que agora passou a ser discutido pelo Senado, a simplificação do sistema gira em torno dessa alteração.
Com a reforma, haverá a substituição de cinco tributos (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS) pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que compõem o IVA dual, além de um Imposto Seletivo.
O texto prevê, de maneira ainda genérica, que a legislação para os novos tributos será unificada – isto é, não haverá normas ou exigências diferentes a depender do tributo e do local em que o consumo ocorrer. Esse é um dos cernes do sucesso da reforma tributária.
A questão é que, ao se dedicar a preencher e enviar uma multiplicidade de documentos fiscais às autoridades, os contribuintes deixam de priorizar aquilo que para eles é mais importante: a produtividade e a capacidade de vender produtos e de prestar serviços. Em vez disso, é frequentemente necessário investir em equipes (que vão da área de contabilidade à de tecnologia) para se adequar às exigências do governo conforme elas mudam.
Além disso, a falta de uniformidade das obrigações acessórias dos estados e dos municípios faz com que o contribuinte tenha incertezas sobre quais obrigações lhe cabem e como elas devem ser cumpridas. As incertezas, por sua vez, levam à falta de conformidade, judicialização e, ao fim, mau uso do tempo e dos recursos do próprio contribuinte e dos governos.
“A modificação principal para o modelo de IVA dual tende a diminuir a quantidade de obrigações acessórias que hoje precisam ser apresentadas pelos contribuintes e que, rotineiramente, geram casos de contencioso tributário”, observa o advogado Maurício Terciotti, sócio do escritório TAGD Advogados.
O tributarista Matheus Bueno, sócio da banca Bueno Tax Lawyers, também atribui esse efeito a diferentes propostas do texto-base da PEC: “A promessa de simplificação está especialmente espelhada pela redução de tributos; substituição das diferentes regras atuais de não cumulatividade por uma legislação uniforme, tirando a multiplicidade de regras; e arrecadação pelo destino da mercadoria ou serviço, eliminando a famosa guerra fiscal.”
O advogado ainda considera essas mudanças benéficas e atrativas para o empreendedorismo, incluindo os pequenos e microempresários, uma vez que facilitam a compreensão da carga tributária da cadeia, de forma a auxiliar na precificação de produtos e serviços.
Com isso, há ainda uma tendência de maior segurança jurídica, pois se espera que, com menos complexidade, haja menos espaço para arbitrariedades, menos conflitos entre estados e municípios, menor guerra fiscal, entre outras consequências negativas.
“E ao imprimir maior segurança jurídica ao investidor, abre-se o mercado local a uma parcela significativa de negócios que até então eram afugentados pelos altos custos de compliance e litígio contencioso”, avalia Bueno.
No entanto, para que isso de fato aconteça, precisará haver um esforço de uniformização entre os diferentes entes da federação, evitando ainda que, ao longo do tempo, surjam novas regras e especificidades que possam somar complexidades ao sistema tributário. Isso pode ser facilitado pelo que ficar disposto já na PEC – com indicações concretas sobre como isso deverá acontecer, por exemplo.
Redução das obrigações acessórias
Hoje, o setor privado deposita na reforma tributária a expectativa de uma resolução mais definitiva para o problema. “Mesmo a Lei Complementar 199/2023, que instituiu o Estatuto de Simplificação de Obrigações Acessórias, ainda apresenta complexidades que podem comprometer a desburocratização, como a alocação de esforços de um comitê especializado”, afirma Maria Angélica dos Santos, professora de Direito da Universidade Federal de Viçosa (UFV).
Apesar do objetivo de uniformização de obrigações acessórias – crucial para a simplificação pretendida pela reforma ser observada na prática –, a PEC 45/2019 ainda não define como esse processo será conduzido para integrar os diferentes entes federativos, o que poderia ser aprofundado no Senado.
O texto aprovado pela Câmara dos Deputados prevê, no artigo 156-B, que os estados e municípios trabalharão de forma integrada para editar normas sobre o IVA e para uniformizar a interpretação dessas normas. No entanto, não há no trecho e no restante da proposta um direcionamento claro para a unificação das obrigações acessórias Brasil afora.
A proposta chega a prever a criação de um Conselho Federativo do IBS, que reunirá estados e municípios para organizar a execução das funções administrativas e operacionais relacionadas ao novo tributo e deve lidar ainda com a aplicação uniforme da legislação. Porém, não está definido que, após a PEC, a Lei Complementar deverá necessariamente fixar as obrigações acessórias unificadas para o IVA – o que poderia evitar que, mais tarde, a meta de uniformização seja deixada de lado.
A interpretação do setor privado é que definições mais precisas como essa seriam capazes de garantir mais previsibilidade e segurança de que, no novo sistema, os documentos fiscais terão os mesmos campos, prazos e requisitos a serem preenchidos, enviados ou cancelados em qualquer estado ou município do Brasil.
Sob tal perspectiva, esse detalhe em torno das obrigações acessórias no texto é apontado como capaz de representar um dos principais avanços da PEC para o ambiente de negócios no Brasil. Ele pode definir, para os contribuintes, como o novo sistema tributário, após a implementação completa, vai se apresentar – se ela vai somente reduzir o número de diferentes tributos, mas manter as burocracias, ou se vai ser capaz de afastar o Brasil da lista dos países mais burocráticos para fazer negócios.
Transição até a implementação completa
Ainda há um período pela frente antes que os efeitos do IVA dual sejam plenamente observados na redução de burocracias. A reforma está prevista para ser implementada gradualmente a partir de 2026, com um período de sete anos de transição até 2033, quando ela será implementada na totalidade.
Durante esse período de transição, um dos principais desafios é relacionado à convivência do sistema antigo e o proposto pela reforma tributária, com implementação progressiva da CBS e do IBS, e a concomitante redução gradual dos outros tributos.
Em relação à distribuição da arrecadação dos novos tributos, haverá ainda uma transição federativa entre 2029 e 2078. Essa fase tem por intuito corrigir perdas estaduais ou municipais, em decorrência da mudança de tributação no local da produção de bens e serviços.
“Haverá necessidade de bastante diálogo entre Fisco e contribuintes, sobretudo nesse momento de transição para um sistema novo. O prazo é longo e acreditamos que será possível fazer as mudanças se sustentarem porque serão benéficas para o país”, analisa Terciolli.