
O que é um “grupo de WhatsApp” para o Direito? Ele é apenas um meio de comunicação privado protegido pelo sigilo de comunicações do art. 5º, inciso XII, da Constituição? Ou, para além disso, ele é também uma “associação de pessoas”, passível de disciplina pelo art. 5º., inciso XVII, que condiciona o exercício desse direito a uma finalidade lícita?
Quando nos engajamos em uma conversa com um único interlocutor por meio de WhatsApp ou qualquer aplicativo de troca de mensagens, e quando esta interação não tem outro objetivo além da própria transmissão em si da palavra, sem dúvida estamos usando esse meio tecnológico no sentido do inciso XII do art. 5º de nosso diploma constitucional, que protege o sigilo das comunicações.
Algo muito diferente é a criação de um “grupo” em aplicativo de mensagem, com um objetivo específico, ao qual interessados aderem ou são convidados a aderir, não apenas para “conversar”, mas para reunir esforços ou articular ações e condutas destinadas a um determinado fim. Não há como afastar, nessa hipótese, a incidência do inciso XII, do art. 5º, que regula o direito de livre associação, cujo exercício pode ser limitado pelo poder estatal quando extrapolar uma finalidade lícita.
Parece ser esse o caso do controverso grupo “Empresários e Política”, que dominou as manchetes na semana passada e chegou até a ser mencionado pelo presidente da República no debate entre os candidatos à Presidência, realizado no último domingo (28). Como amplamente divulgado pela imprensa, a associação informal reunia próceres do empresariado bolsonarista, alguns dos quais defendiam abertamente neste grupo um golpe de Estado, na hipótese de vitória do candidato Luiz Inácio Lula da Silva.
Certos membros mais exaltados naquele agrupamento foram alvos de mandados de busca e apreensão expedidos pelo ministro Alexandre de Moraes. Não quero entrar no debate sobre o cabimento ou não da medida. Se induvidosamente há aspectos bastante controversos do ponto de vista processual, parece-me fora de questão que, substancialmente, o Poder Judiciário, quando provocado, pode agir diante de indícios de atividade criminosa, extraídos de grupo associativo reunido em aplicativo de mensagem.
O que me interessa particularmente no caso é a participação bastante exótica (mas que não surpreende a quem é do meio) de um magistrado do trabalho no grupo associativo de empresários bolsonaristas. A questão que me perturba é saber se membros da magistratura e do Ministério Público, em razão das limitações constitucionais que o cargo impõe (p. ex., art. 95, parágrafo único, inciso III), podem participar de grupos virtuais de natureza político-partidária, e se, nessa condição, podem praticar militância política.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, o magistrado em questão, Marlos Melek, alegou que só havia entrado no grupo para compartilhar material audiovisual de uma palestra por ele proferida e que não participava dos debates promovidos pelos seus integrantes. Procurada pelo diário, a Corregedoria do TRT da 9ª Região informou o seguinte: “Com as informações presentes, a corregedoria não possui elemento objetivo para abrir procedimento disciplinar em relação ao magistrado”. Entidades civis, como a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, apresentaram reclamação perante o CNJ, pedindo que o caso seja investigado.
Creio que a Corregedoria do TRT da 9ª Região agiu de forma precipitada ao sequer promover uma investigação mínima sobre a participação do magistrado no referido grupo político. O jornalista que deu o furo de reportagem, Guilherme Amado, do portal Metrópoles, publicou apenas extratos de trechos de conversas entre os empresários golpistas. Em um deles, o magistrado Marlos Melek está, sim, participando de um debate, aparentemente criticando uma matéria publicada na imprensa como sendo “ideológica”. Isso parece em contradição com a sua afirmação de que não interagia com os demais membros do grupo. Haveria outras intervenções suas? Quais e de que natureza? O magistrado leu as manifestações pró-golpe e não as comunicou às autoridades competentes? Por quê? São perguntas sem respostas, que mereceriam ao menos uma análise em procedimento preliminar de investigação.
Aliás, não só alguns dos empresários bolsonaristas daquele grupo pregavam golpe de Estado, como também propunham comprar votos para o atual presidente, pagando bonificações aos seus empregados para que eventualmente votem no atual ocupante do Planalto. O juiz Melek certamente sabe que isso é ilegal; tendo notícia desse potencial delito, seria de se esperar que o comunicasse ao Ministério Público, para as devidas providências.
Fico imaginando o que aconteceria se um juiz do trabalho aderisse a um grupo de WhatsApp denominado “Sindicatos e Política” e estive interagindo com sindicalistas radicalizados que defendessem uma revolução socialista e uma ditadura do proletariado na hipótese de derrota do candidato Luiz Inácio Lula da Silva. E, mais, que tivesse conhecimento de que os seus integrantes cogitavam distribuir dinheiro para associados do sindicato, a fim de que votassem no Partido dos Trabalhadores. Esse magistrado não somente seria investigado pela Corregedoria do TRT, como teria sua vida virada de cabeça para baixo.