
A sanção do PL 2033/2022, que estabelece os critérios da cobertura de procedimentos e terapias não previstos no rol da ANS, foi considerada uma vitória sem precedentes por grupos de pacientes. Os movimentos mostraram força e rapidez na organização.
Em tempo recorde, articularam uma reação à derrota no julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que classificou como taxativa – vale apenas o que está ali citado – a lista de procedimentos que planos de saúde são obrigados a oferecer a seus pacientes, com algumas exceções.
Grupos mobilizaram parlamentares, que, de olho nas eleições, não pensaram duas vezes em votar rapidamente a mudança por eles sugerida.
Foi uma conjunção de interesses que desembocou na sanção sem vetos do texto aprovado a toque de caixa no Congresso. Em pouco mais de três meses, conseguiram uma reviravolta.
Mas será que a novela, que se arrasta há anos, terminou? A julgar pelas declarações da Agência Nacional de Saúde Suplementar e de representantes das empresas de planos de saúde, não.
Superintendente-executivo da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), Marcos Paulo Novais Silva já avisou que as novas regras certamente vão aumentar os custos do setor, o que será repassado para consumidores. Resumindo: para ele, provavelmente, já em 2023, as mensalidades terão reajustes expressivos.
Há outras reações em curso. O presidente da ANS, Paulo Rebello, afirmou estar em andamento discussões para a elaboração de um decreto para limitar a abrangência da nova lei do rol da ANS.
O texto que saiu do Congresso afirma que a lista de procedimentos e medicamentos que planos são obrigados a fornecer para seus clientes deve ser seguida. Mas caso médicos ou dentistas prescrevam outros tratamentos, que não estejam nesta relação, operadoras também serão obrigadas a dar cobertura, desde que uma das três condições estejam presentes: comprovação de eficácia, baseada em evidências científicas; aprovação da Conitec ou recomendação de um órgão de avaliação de tecnologia de saúde de renome internacional.
Rebello considera o texto muito abrangente, o que pode dar margem não apenas para uso de terapias pouco seguras e sem vantagem em relação ao que está no rol, mas também insegurança para o setor como um todo. Diante dessa avaliação, ele sugere a edição de um decreto que defina o que deve ser considerado como evidência científica. O decreto teria como ponto de partida a Lei 8.080/90 e regras já existentes da Conitec. Conversas com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, já foram iniciadas, disse Rebello. Mas qualquer mudança somente ocorreria depois do primeiro turno das eleições.
Queiroga, embora tenha criticado o texto do projeto, não pediu o veto do presidente da República. Disse que parlamentares haviam sido “imprudentes” em aprovar o texto, mas que a decisão do Legislativo deveria ser respeitada.
O real motor, no entanto, é o impacto nas urnas. Ninguém, às vésperas da eleição, gostaria de atrelar seu nome a uma medida tão impopular, sobretudo aqueles que estão estagnados ou em queda franca nas pesquisas eleitorais.
Passada a eleição, a ideia é trabalhar na redação do decreto. Mas Rebello não descarta que, mesmo depois do primeiro turno, possa haver resistência da edição do texto restringindo a abrangência da lei. Restaria, então, a edição de uma resolução da ANS, que ele promete fazer.
Os entendimentos não param aí. Antevendo a derrota no Congresso e tendo como certa a sanção sem vetos pela Presidência da República, Rebello iniciou também uma articulação com o Judiciário. Ele está convicto de que, mesmo com a lei, as discussões vão voltar à Justiça. Para ele, havia condições de os embates serem reduzidos, com novas (e tardias) regras para tornar mais ágil a incorporação de procedimentos na lista mínima de cobertura preparada pela ANS, que entraram em vigor no começo do ano. “Tudo mudou, para nada precisar mudar”, passou a dizer nos eventos que participa, numa referência a uma frase do escritor italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa.
A julgar por declarações dadas pelo ministro do STJ e diretor-geral da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados, Mauro Campbell Marques, os argumentos de Rebello parecem ser ouvidos. Num evento realizado nesta quarta-feira (21), Marques citou o princípio da deferência. “Quem primeiro vai ter de interpretar isso? A ANS”, disse. “Não dá para levar ao Judiciário e empiricamente ser julgado caso a caso.”
Apesar da reação dos empresários de planos, alguns especialistas afirmam que não há como precisar de fato qual o impacto para o setor. Mais do que isso. Garantem que a nova lei apenas resgata direitos que haviam sido retirados em junho, com a decisão do STJ que definiu o rol da ANS como taxativo. Portanto, as previsões de quebradeira do setor ou de aumentos expressivos não passariam de uma reação exagerada, argumentos para tentar se contrapor ao retorno das regras anteriores.
Embora o embate sobre o rol da ANS esteja longe do fim, uma coisa é certa. Grupos de pacientes encontraram sua força, estão dispostos a mantê-la e deixaram atônito o setor de saúde suplementar ao longo do último ano. A situação escancara ainda a necessidade de um melhor entendimento, sobretudo depois de um longo período de uma vasta lista de reclamações não atendidas.
Não é à toa que um evento realizado na semana passada pela Abramge teve entre os palestrantes a empresária Luiza Trajano. Questionada sobre como melhorar o diálogo, ela perguntou ao público, formado majoritariamente por empresários do setor de saúde: “Quem paga a conta de vocês?”. E com a hesitação, ela mesma respondeu: “Os clientes”, para mais tarde completar o quanto era importante estar atento às necessidades dos compradores, a dar ouvidos e, sobretudo, tentar solucionar as reclamações e demandas, quando elas surgem. Ao fim do evento, foi aplaudida de pé.