
Este artigo integra a série “Quais as propostas dos presidenciáveis para o serviço público?”, de autoria do Núcleo de Inovação da Função Pública, da Sociedade Brasileira de Direito Público (sbdp), em colaboração com o JOTA. A iniciativa tem por objetivo contribuir com as discussões em torno da eleição presidencial. Isso será feito a partir da apresentação, contextualização e análise crítica de três propostas para o serviço público de cada um dos quatro candidatos à Presidência melhor posicionados segundo as pesquisas eleitorais mais recentes. O primeiro artigo analisou as propostas do candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O presente artigo, segundo da série, aborda as propostas para o serviço público do candidato Jair Bolsonaro (PL).
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O candidato à reeleição apresentou programa de governo intitulado Pelo bem do Brasil. O documento, em seção nomeada “governança e geopolítica”, traz propostas ligadas à temática do serviço público.
Observa-se que o tema da gestão de pessoas no setor público teve um espaço que não existiu no plano de governo de 2018, quando Bolsonaro concorreu pela primeira vez à Presidência. Aquele documento se resumia a afirmar que “vemos um setor público lento, aparelhado, ineficiente e repleto de desperdícios”, propondo-se, sem detalhar, que “podemos fazer mais com muito menos, partindo de um movimento de gestão pública moderna, baseado em técnicas como o ‘Orçamento Base Zero’, além do corte de privilégios” [1].
E, em 2022, quais as propostas de Bolsonaro para o serviço público?
1) Promoções por mérito no serviço público
No atual plano de governo, o candidato propõe, como “meios de incentivar o servidor”, o “aperfeiçoamento dos seus planos de cargos e salários (…), assim como o reconhecimento de seus talentos, suas potencialidades e a realização de suas promoções por mérito, fruto de avaliações que incentivem o cumprimento de metas” [2].
A proposta liga-se ao tema, bastante debatido na atualidade, da modernização estrutural das carreiras públicas, sobretudo no tocante aos critérios para promoção. A Constituição Federal não impõe requisitos gerais de promoção, cabendo às leis e regulamentos de cada carreira estabelecer (com amplo espaço para inovação) critérios para a ascensão do servidor (sobre isto, ver estudo do Núcleo de Inovação da Função Pública da sbdp).
Especialistas têm apontado para a necessidade de substituição dos critérios de promoção pautados em mera antiguidade por outros mais modernos e complexos, que levem em consideração o efetivo desempenho do servidor (ver, por exemplo, estudo coordenado por Ana Carla Abrão, Armínio Fraga e Carlos Ari Sundfeld).
Contudo, cabe destacar que hoje, do ponto de vista jurídico, não há maiores óbices a inovações no campo das promoções funcionais (como já mencionado, por meio de lei ou, até mesmo, regulamento). Se critérios mais modernos de promoção ainda não foram adotados, isso se deve, em grande medida, a escolhas de natureza política.
Reformas no RH do Estado não são tarefa simples. Com relação a mudanças no regime da promoção funcional, ponto especialmente delicado, e gerador de controvérsias, é a definição tanto do modo de avaliação como das metas a serem cumpridas para ascensão na carreira. Sem fornecer esclarecimentos quanto a tais pontos, a proposta do candidato apresenta baixa concretude.
2) Adoção de mecanismos de acompanhamento e monitoramento
Ligado ao tema anterior, Bolsonaro também propõe a “obrigatoriedade da existência de metas” e “de mecanismos tecnológicos para o acompanhamento e monitoramento, preferencialmente em tempo real, do que foi prometido e do que está sendo realizado” [3].
Definir propósitos e metas institucionais com indicadores objetivos para aferir o que está sendo realizado é proposta que se enquadra no tema da gestão do desempenho no setor público. A preocupação, aqui, é inserir no serviço público a ideia de atuação estratégica, incluindo a maneira como os recursos humanos são organizados.
A ideia não é nova. A Emenda Constitucional n° 19, de 1998, por exemplo, previu “procedimento de avaliação periódica de desempenho”, que poderia resultar, inclusive, em perda do cargo por servidor estável. Contudo, até hoje não foi editada a lei que deveria disciplinar tal instrumento.
Para enfrentar a questão, o atual governo enviou ao Congresso Nacional a PEC 32/2020, que abordava o tema da avaliação periódica de desempenho. A proposta acabou paralisada na Câmara, após forte repercussão negativa. Ponto especialmente criticado foi a opção do governo por lidar com o tema propondo o acréscimo de diversos dispositivos diretamente na Constituição (ver, por exemplo, artigo do professor Carlos Ari Sundfeld).
Há alternativas para, sem mexer na Constituição, tornar realidade a avaliação do desempenho de servidores públicos. No Congresso Nacional, por exemplo, tramitam propostas de regulamentação do tema: na Câmara o PLP 51/2019 e no Senado o PLS 116/2017. Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF) já reconheceu a possibilidade de o servidor público ser demitido com base em avaliações de seu desempenho (ADI 5.437/SP), bem como a constitucionalidade da implementação de bônus por eficiência e produtividade (ADI 6.562/DF).
A proposta do candidato não esclarece se a ideia é atuar no plano infraconstitucional (por exemplo, a partir das possibilidades citadas acima), ou repetir a tentativa de alterar a Constituição. De todo modo, o fato de não existir, até hoje, regulamentação da avaliação periódica de desempenho indica que será um desafio avançar nessa agenda.
3) Reposição salarial no funcionalismo público
Bolsonaro propõe, por fim, a “implementação de reposições salariais aos servidores”, a partir da “redução de gastos decorrentes da pandemia, aumento da produtividade e maior oferta de serviços digitais para a população” [4].
Reposição salarial dos servidores é tema sempre presente nas propostas dos candidatos. A questão, porém, não é de fácil implementação diante da repercussão econômica. Exemplo disso é a recente decisão cautelar do STF que suspendeu o piso salarial nacional da enfermagem (ADI 7.222), indicando que alterações remuneratórias com repercussões para o Estado necessitam de análise de impacto orçamentário pautada pela responsabilidade fiscal, levando-se em conta consequências práticas indiretas da medida.
A proposta do candidato, contudo, não deixa claro o nexo causal entre a alegada redução de gastos decorrentes da pandemia e da oferta de serviços digitais com a reposição salarial dos servidores. Em outras palavras, a proposta apresenta baixa concretude do ponto de vista financeiro-orçamentário.
As propostas de Bolsonaro aqui analisadas foram escolhidas devido à relação com o tema da inovação na função pública. Mas o candidato também apresenta outras propostas ligadas ao serviço público (que podem ser conferidas no programa de governo), incluindo transparência e ética na gestão pública.
O próximo artigo da série “Quais as propostas dos presidenciáveis para o serviço público?”, que será publicado nesta quinta-feira (15), analisará as propostas do candidato Ciro Gomes (PDT).
[1] Página 54 do programa de governo de 2018.
[2] Página 43 do programa de governo.
[3] Página 44 do programa de governo.
[4] Página 43 do programa de governo.