Em sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado nesta terça-feira (24/8), o procurador-geral da República, Augusto Aras, criticou as forças-tarefas da Lava-Jato e disse que esses grupos enfrentavam uma série de deficiências. Aras, que também alfinetou o ex-PGR Rodrigo Janot, foi indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para mais um mandato de dois anos no cargo. (Leia a íntegra do pronunciamento de Aras)
Ao longo da sabatina, o procurador-geral também rejeitou as críticas de alinhamento ao Palácio do Planalto, falou sobre voto impresso e ameaças aos ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). A indicação de Aras foi aprovada pela CCJ do Senado por 21 votos a 6.
“No enfrentamento à criminalidade, o modelo de forças-tarefas apresentava uma série de deficiências, passando pela falta de regulamentação, ausência de critérios objetivos não só para o estabelecimento, mas também para a destinação de valores resultantes de acordos de colaboração premiada e pagamento de multas, além de altos custos com diárias, passagens, segurança e escoltas de membros”, afirmou Aras na sabatina.
O PGR disse ainda que “o modelo não se revelou sustentável do ponto de vista administrativo, orçamentário e mesmo finalístico”. Afirmou que houve a inobservância do princípio do promotor natural. “O modelo das forças-tarefas com pessoalização culminou em uma série de irregularidades que vieram a público, tais como os episódios revelados na Vaza Jato, a frustrada gestão de vultosas quantias arrecadadas em acordos de colaborações e em acordos de leniência, por meio de fundos não previstos em lei”, opinou.
Aras disse também que procuradores viajaram, por exemplo, a Nova York e Suíça, mas não foram encontrados registros no sistema do Ministério Público Federal (MPF) dos resultados obtidos com as visitas. “Foi de sabença notória que equipes da antiga força-tarefa da PGR, em tempos passados, realizaram viagens a Nova York e à Suíça no contexto de suposta cooperação internacional, da qual não foram encontrados registros no sistema da PGR. O Ministro Lewandowski, nos autos de processo, cobrou da Corregedoria esses documentos internacionais, e temos tido muitas dificuldades para localizá-los”, afirmou o PGR.
Ele salientou que, embora estivessem previstas desde 2013, foi sob sua gestão que saíram do papel os Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaecos), agora em 15 estados. Aras disse que agora o material está disponível a todos os membros do MPF, sob a supervisão da Corregedoria-Geral.
No pronunciamento inicial, Aras fez um balanço de seus 23 meses à frente da PGR. Disse que ofereceu 46 denúncias contra autoridades com foro privilegiado ao STF e Superior Tribunal de Justiça (STJ) e assinou 34 acordos de delação, com multas maiores do que nas gestões anteriores.
‘Flechadas’
Ele disse ainda ter aberto 150 inquéritos e ter feito 35 operações “sem vazamentos seletivos e espetáculos midiáticos”. Foi quando criticou, sem citar o nome, o ex-PGR Rodrigo Janot. ” Talvez se nós tivéssemos, a cada duas grandes operações por mês, divulgado, feito o vazamento seletivo das operações e dos investigados, talvez eu estivesse numa posição de muito elogio, como quem distribuiu flechadas para todo Brasil, criminalizando a política”. Em entrevista, em julho de 2017, Janot havia dito enquanto ainda ocupava o cargo de PGR: “enquanto houver bambu, lá vai flecha. Até o 17 de setembro, a caneta está na minha mão.”
Em outro momento, Aras voltou a criticar “operações policiais espetaculosas”. “Acredito que a eficiência na atuação do PGR não deve ser mensurada por proselitismos ideológicos, operações policiais espetaculosas ou embates na arena política. E assim pautei minha atuação na discrição, no diálogo e na compreensão de que cabe ao PGR ficar adstrito ao discurso jurídico, manifestando-se nos autos, conduzindo investigações com rigor técnico, cumprindo a lei, que assim o determina”, afirmou.
O procurador-geral declarou aos senadores que denúncias açodadas sem lastro probatório suficiente acabam frustrando expectativas e desacreditando o sistema de justiça punitiva. “Agrada uma plateia do presente, imediatista e apaixonada, ao custo do enfraquecimento do direito, da justiça e das instituições. Não há maior dor da justiça e das instituições”, disse.
Com três horas de sabatina, o PGR voltou a criticar antecessores, com “exceções naturais”, que “se encaminharam para a política”. “Eu me recuso a fazer política porque acho que é covardia usar a caneta para criminalizar a política, a economia, o jornalismo”.
CPI da Pandemia
O procurador-geral afirmou que a PGR tem acompanhado o trabalho da CPI da Pandemia e que o relatório final dos trabalhos da comissão deverá ser analisado pela Procuradoria dentro de um prazo de 30 dias após o documento ser encaminhado ao Ministério Público.
As conclusões da CPI, que pode pedir a responsabilização criminal de investigados, deverão ser encaminhadas ao Ministério Público para eventuais ações judiciais baseadas nas investigações da comissão. “Tenham certeza de que o procurador-geral da República, qualquer que seja ele à época do recebimento deste relatório, já terá uma equipe estudando todos os elementos que foram coligidos e assim será muito mais fácil, em 30 dias, examinar as milhares de páginas que hoje compõem a CPI”, afirmou.
Ainda sobre a pandemia, Aras defendeu que a falta do uso de máscaras e afirmou que o desrespeito às normas que exigem o equipamento de proteção contra o coronavírus deve ser penalizado apenas com multa administrativa.
“A não utilização das máscaras é um ilícito, nós sabemos que é um ilícito. Todavia, é um ilícito de que natureza, cível, administrativo, penal? Bem analisadas as coisas, trata-se de um ilícito administrativo, e a sanção nesse campo é a multa”, disse. “O uso da máscara é realmente obrigatório, como defendi no Supremo, e nosso parecer foi acolhido, mas é preciso ter alguma cautela na criminalização do uso da máscara”.
Na última terça-feira (17/8), a PGR afirmou em manifestação ao STF que Bolsonaro não cometeu crime ao comparecer sem máscara a eventos públicos em que houve aglomeração. A manifestação da PGR foi assinada pela subprocuradora-geral da República Lindôra Araújo.
Notícia-crime arquivada
O ministro Alexandre de Moraes, do STF, arquivou, na última segunda-feira (23/8), uma notícia-crime contra Aras por prevaricação. O pedido, apresentado pelos senadores Fabiano Contarato (Rede-ES) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE), era para que o STF encaminhasse a notícia-crime ao Conselho Superior do Ministério Público Federal (CNMP).
Na notícia-crime, os senadores afirmam que Aras tem não tem cumprido as atribuições próprias de seu cargo, como pode ser visto quanto à omissão em relação aos ataques do sistema eleitoral brasileiro feitos pelo presidente Jair Bolsonaro. Os parlamentares lembram ainda das recusas de Aras para fiscalizar o cumprimento da lei no enfrentamento à pandemia da Covid-19.
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