Empreendedorismo

Demora na análise de patentes desencoraja inovação e afeta pequenas empresas

Autonomia financeira do INPI pode dar mais celeridade; reconhecimento de indicações geográficas é diferencial para empreendedores

indicação geográfica
O reconhecimento de indicações geográficas, como o cacau da Bahia, é um diferencial para empreendedores. (Foto: Sidney Oliveira/Agência Pará)

Embora o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) venha trabalhando para diminuir os prazos de análise de concessão de patentes e registro de marcas e indicações geográficas nos últimos anos, o tempo ainda é longo e se torna obstáculo para empresas que desejam investir em inovação – especialmente as de pequeno porte. A análise é de especialistas ouvidos pelo JOTA.

“Diferentemente de uma grande corporação que muitas vezes tem um departamento de pesquisa e desenvolvimento, um departamento jurídico que trabalha para alinhar o que deve ser protegido, que está acostumado a lidar com esses obstáculos e tem recursos financeiros para isso, o pequeno e o médio empresário, caso depare com muitos obstáculos, acaba abandonando o sistema”, explica Cesar Peduti Filho, sócio do Peduti Advogados e especialista em Propriedade Industrial.

De acordo com ele, quando o INPI funciona corretamente e gera menos obstáculos, “certamente o mais beneficiado é esse pequeno e médio empresário, que tem uma capacidade financeira menor para despender em investimentos na proteção daquilo que ele cria”. E acrescenta: “A gente já enxergou isso muitas vezes, com pequenos e médios empresários desacreditando do sistema, achando que não adianta pedir a patente porque demora muito e quando sair a concessão a tecnologia já vai estar obsoleta”.

Dados do INPI mostram que, no período acumulado de janeiro a julho de 2022, foram 2.415 pedidos de patentes de invenção efetuados por residentes brasileiros, e a maioria (39%) veio de pessoas físicas, enquanto empresas de médio e grande porte representaram 24%, seguidas de instituições de ensino e pesquisa e governo, com 23%, e microempresários, microempreendedores individuais (MEIs) e empresas de pequeno porte (EPP) somaram 13% do total. Já no registro de marcas, os MEI e microempresários representam 51% do total no período, com 103.656 pedidos.

O tempo médio de análise de patentes atual é de cinco anos, mas pode ser maior ou menor de acordo com o setor. Dados do próprio INPI referentes ao segundo trimestre de 2022 mostram que, após o pedido de exame, foram necessários em média 6,1 anos para decisões sobre patentes na área de telecomunicações, enquanto na divisão de fármacos o tempo foi de 5,8 anos. Por outro lado, o setor de cosméticos e dentifrícios têm o menor tempo de análise, de 2,3 anos em média. Agricultura e alimentos também têm um período menor até a decisão, de 2,8 anos após o pedido de exame.

Advogados que atuam no setor de patentes afirmam que o tempo ainda está aquém da média mundial, de cerca de 3 anos, mas reconhecem uma significativa melhora nos últimos anos devido ao Programa de Combate ao Backlog empreendido pelo INPI, que durou de 2019 a 2021 e teve como objetivo resolver parte da enorme fila de pedidos de patentes pendentes de decisão.

O plano tinha a meta de reduzir em 80% os 149.912 pedidos de patente depositados até 31 de dezembro de 2016 que, em 1º de agosto de 2019, ainda não tinham tido decisão definitiva sobre a concessão ou não – esse volume de processos pendentes de análise no instituto é chamado de backlog. Em agosto de 2021, a diminuição havia sido de 50%. Dados de 14 de outubro deste ano mostram que o backlog está em 15.538, uma redução de 89% em relação ao número do início do plano.

Na prática, uma pessoa, empresa ou instituição que quer obter a concessão de uma patente deposita um pedido no INPI. A partir daí, começa a correr um processo administrativo, em que o instituto vai pedir documentos e manifestações que expliquem como aquele produto ou processo é inovador; provas de que foi a pessoa, empresa ou instituição que o inventou; eventualmente desenhos técnicos e outras exigências formais. Após diversos prazos de requerimentos e manifestações, há o pedido de exame técnico, em que o interessado considera que já demonstrou devidamente que preenche os requisitos para receber uma patente e pede que o órgão decida se a concederá ou não.

Mesmo antes desse exame, o interessado já deve pagar a primeira anuidade da patente. O exame do pedido de patente deverá ser requerido em até 36 meses contados da data do depósito. Em cada etapa de um processo de requerimento de patentes, há taxas diferentes que devem ser pagas. É neste período de exame que, muitas vezes, o INPI apresenta demoras – que vêm sendo alvo dos programas de melhoria da instituição. Caso o exame seja deferido, o depositante ainda precisa pedir, em até 60 dias, a expedição da carta de patentes (e pagar uma nova taxa). Caso isso não ocorra, o pedido é arquivado, ainda que tenha sido deferido.

Para depositar um pedido de patentes, a taxa é de R$ 175, mas o valor com desconto é de R$ 70. O pedido de exame de invenção custa a partir de R$ 590 o preço cheio, mas com o desconto para pessoas físicas, microempresas, microempreendedores e MEIs fica R$ 236. Nesta etapa, porém, o valor varia de acordo com o número de reivindicações – que são o número de direitos e exclusividades que o solicitante pede para ter com a invenção.

A expedição da carta de patentes custa entre R$ 94 e R$ 190, já com o desconto. Depois, há anuidades do primeiro e segundo anos da patente, que custam R$ 118 já com o desconto, mas o valor aumenta progressivamente a partir do 3º ano, podendo chegar a até R$ 802, já no valor reduzido. Se houver atrasos em quaisquer etapas, os valores são maiores. Pedidos de recursos, contestações e alterações de cadastro também acarretam em taxas adicionais.

Após a matéria ser publicada, o INPI esclareceu que possui também, para alguns casos, vias para trâmite prioritário de pedidos de patente. Uma delas se destina aos microempreendedores individuais, microempresas e empresas de pequeno porte. Outra atende a Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação. Para ter acesso ao trâmite prioritário, o requerente deve ter um pedido de patente depositado no INPI e solicitar o ingresso. O tempo entre o requerimento e o exame técnico nas modalidades mencionadas tem sido, respectivamente, 244 e 222 dias.

Os valores dos trâmites prioritários variam. Os processos que pertencem a um idoso, uma pessoa com deficiência ou portadora de uma doença grave devem ser prioritários e gratuitos. Já o trâmite para microempreendedores individuais e startups, por exemplo, custa R$ 890,00. Existem também os processos cuja matéria foi considerada patenteável por um escritório parceiro do INPI, sendo possível um exame prioritário colaborativo, no valor de R$1.775,00.

Autonomia financeira do INPI

Para advogados da área de propriedade industrial ouvidos pela reportagem, a demora na análise de patentes prejudica a inovação no país de modo geral. Entre todos os especialistas ouvidos, é unânime a opinião de que a autonomia financeira do INPI seria a solução para dar mais eficiência e celeridade aos processos de análises no instituto. Isso porque é um órgão considerado superavitário: arrecada mais do que gasta, já que os pedidos de registros e concessões são feitos mediante o pagamento de taxas. Entretanto, os recursos vão para o Ministério da Economia para ajudar a custear outros órgãos, e depois a pasta define o quanto vai repassar ao INPI.

Rosane Tavares, sócia do Kasznar Leonardos e especialista em patentes, diz que a autonomia “é o que se espera para que ele possa usar de todos os seus recursos”. “As verbas vão para Brasília e o retorno não é suficiente. Nós temos 313 examinadores de pedidos de patentes, é um número muito pequeno e o instituto depende dessa autonomia para garantir um tempo ideal de análise”, comenta.

A advogada afirma que a demora na análise “não interessa a ninguém” porque impede o objetivo constitucional da patente que é justamente favorecer a inovação. “O sistema de concessão de patentes é voltado ao desenvolvimento social e econômico do país porque, no fim da vigência das patentes, aquela invenção será de domínio público. E enquanto um pedido está sendo examinado pelo INPI, outras invenções vão sendo feitas. Então quanto menos você decide, menos você faz a roda da inovação girar”, destaca Tavares.

Cesar Peduti Filho concorda, afirmando que o Estado garante essa exploração exclusiva por um período para que as empresas sintam-se motivadas em inovar. “Quando há um atraso nos exames há um desbalanceamento de todo esse sistema”, diz.

José Mauro Decoussau Machado, sócio do escritório Pinheiro Neto e especialista em propriedade intelectual, ressalta que, além das patentes, a proteção da marca é ainda mais relevante para micro e pequenos empresários e deve ser incentivada no país. “Tem muita gente criando, inovando, não só em relação a patentes, mas também a marcas, que poderiam ser protegidas desde o início como as startups, que acabam não se preocupando com isso inicialmente e depois se atrapalham no futuro”, opina. O processo de concessão de marcas é mais ágil, de um a dois anos.

Uma ação civil pública que tramita na Justiça Federal do Rio de Janeiro busca justamente garantir autonomia ao instituto e, com isso, possibilitar que sejam contratados mais examinadores e, assim, dar mais celeridade aos processos internos. Em abril, um juiz da 31ª Vara Federal do Rio de Janeiro condenou a União a aumentar os repasses do INPI, para que ele possa dar andamento ao plano de construção de um novo sistema de tecnologia da informação. O valor exato desse repasse deverá ser detalhado em um plano feito pelo INPI, no qual o órgão irá explicar o que precisa para melhorar os fluxos e a eficiência em sua prestação de serviços. A União recorreu e o tema será examinado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), ainda sem data definida.

Indicação geográfica

Outro instrumento especialmente relevante para pequenos empreendedores é a Indicação Geográfica (IG), concedida a territórios vinculados a produtos reconhecidos por tradição e qualidade, o que os torna únicos no mundo. Esse registro também é conferido pelo INPI. Os produtos ou serviços precisam ser característicos do seu local de origem, que têm um valor e identidade próprios e só podem ser encontrados naquela região.

Alguns exemplos importantes são o queijo da Canastra (MG), a cachaça de Paraty (RJ), o cacau do Sul da Bahia, o café da Alta Mogiana (SP) e o melão de Mossoró (RN). No mundo, as Indicações Geográficas também existem há muito anos, como o Champagne, vinho espumante que só pode ser assim chamado caso venha da região homônima na França, e o vinho do Porto, de Portugal. A indicação geográfica é dividida entre a indicação de procedência, que é o nome geográfico de uma localidade que se tornou conhecida como centro de produção, fabricação ou extração de determinado produto ou serviço; e a denominação de origem, que é o nome geográfico de uma localidade que caracteriza um produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico. Atualmente, o INPI tem 71 registros concedidos de indicação de procedência e 23 de denominações de origem.

Hulda Giesbrecht, analista de Inovação do Sebrae, afirma que, nos últimos anos, houve uma diminuição dos prazos de análise de IG. “Em 2020, 2021 e metade de 2022, o INPI concedeu 27 registros de indicação geográfica, ou seja, 29% dos registros concedidos desde o primeiro, em 2002, há 20 anos”, comenta a analista. Ela ressalta que “patentes também podem ser estratégias viáveis de proteção para pequenas empresas, principalmente para empresas de base tecnológica”.

A analista conta que o Sebrae tem feito parcerias para agilizar os processos de proteção da propriedade intelectual de pequenos negócios. Nesta iniciativa, o INPI faz mentorias e bate-papos sobre o tema para pesquisadores empreendedores. Também participam representantes das indicações geográficas já reconhecidas ou em estruturação, representantes nacionais e estaduais do Sebrae e analistas da área do INPI.

Um exemplo prático de projeto do Sebrae com essa preocupação da propriedade intelectual é o Catalisa ICT, jornada de aceleração de 270 startups de base tecnológica, que estão sendo orientadas a definir a estratégia de proteção de suas tecnologias por meio de patentes, marcas e contratos de tecnologia, ou seja, a propriedade intelectual deve fazer parte da estratégia do negócio..

Flávia Tremura Polli Rodrigues, sócia do Kasznar Leonardos, aponta que registros como o da indicação geográfica beneficiam todo o ecossistema local, e não somente os produtores ou prestadores de serviços reconhecidos com a IG. “Tem o produtor direto, mas ao redor do produtor pode ter diversas empresas ou indivíduos que trabalham de forma indireta para viabilizar o produto. A inovação é vinculada à indicação geográfica, mas tem uma estrutura de apoio, a infraestrutura subjacente, tudo que ajuda a aprimorar o processo”, destaca Rodrigues.

“Quando a gente pensa em uma região que produz um vinho específico, por exemplo, a indicação geográfica pode ajudar na forma de um novo padrão de colheita, padrões de resultados. Você também leva o nome da região para outros lugares do Brasil e do exterior e incentiva o desenvolvimento econômico”, diz Rodrigues.