PROPRIEDADE INTELECTUAL

Demora do INPI para analisar patentes pode ensejar ação para extensão de prazo

Advogados explicam que, mesmo após decisão do STF sobre prazo de patentes, preceitos constitucionais e legais autorizam recomposição por demora excessiva

Crédito: Unsplash/@Christine Sandu
Interfarma

Sem a extensão automática da vigência das patentes em caso de demora na análise dos pedidos pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), titulares de invenções agora têm ido ao Judiciário para, caso a caso, buscar uma recomposição de prazo quando ficam anos esperando a decisão do órgão. Advogados especialistas na área afirmam que esses pedidos são legítimos, já que o Estado deve ser responsabilizado pelo tempo de análise excessivo e as leis já existentes permitem essa compensação. 

Em maio de 2021, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucional o parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (LPI), que previa prazo mínimo de patentes de 10 anos da concessão, para compensar demora na análise do pedido de patente superior a 10 anos da data do depósito.

Em parecer do professor titular de Direito Constitucional na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) Daniel Sarmento, a pedido da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa), o Professor explica como a mora excessiva do INPI pode ferir o direito fundamental à proteção da propriedade industrial, previsto na Constituição, bem como o direito de todos à duração razoável dos processos. Com base nesses princípios, avalia Sarmento, é possível que os depositantes de patentes busquem na Justiça o direito de recompor os prazos das patentes concedidas quando houver atrasos do INPI exclusivamente causados pelo órgão – isso sem ferir a decisão do Supremo de 2021. Adverte, porém o Professor que os atrasos e prazos de recomposição devem ser analisados caso a caso.

“Há princípios constitucionais que asseguram o direito à duração razoável do processo, isso está no artigo 5 da Constituição, que asseguram a eficiência administrativa e preveem a responsabilidade civil do Estado, então se há uma demora atribuível apenas ao Estado e se essa demora prejudica o titular do direito fundamental à proteção da propriedade industrial, a extensão do prazo se justifica. É uma maneira de reparar um dano causado por um comportamento ilícito do Estado”, detalha o Professor ao JOTA.

Outro parecer feito pelo Professor livre-docente em Direito Público da Universidade de São Paulo (USP) e advogado Floriano Peixoto de Azevedo Marques Neto destaca que os órgãos administrativos têm um dever “de decidir em prazo razoável sobre pleitos que lhes tenham sido apresentados, cujo descumprimento enseja a responsabilidade civil do Estado”, e que em caso de demora excessiva do INPI, há a “viabilidade de reparação do dano provocado por meio da reposição do prazo de proteção patentária perdido”. 

Em sua visão, “não faz sentido, em nenhum sistema do mundo, ter a possibilidade de um período (assegurado em lei) de proteção patentária ser todo consumido pela inércia e mora do órgão de registro”. Ele pondera que, para além dos argumentos constitucionais, há argumentos legais para embasar pedidos de compensação de prazo de vigência das patentes em caso de demora do INPI, citando o artigo 27 da Lei de introdução às normas do Direito brasileiro (LINDB), que prevê que o particular será compensado pela carga excessiva de ônus que o poder público gere. 

Essa compensação, diz Peixoto, não precisa ser uma indenização em dinheiro, e sim um prazo a mais para a exploração exclusiva da invenção. “Qual o sentido de se podendo ter uma compensação menos onerosa para a sociedade, que é devolver esse prazo da inércia, se querer um ônus maior? Porque é a sociedade quem paga essa indenização, o Estado é uma abstração jurídica”, acrescenta.

Para ele, um processo célere no INPI beneficia a todos os atores – o depositante da patente, o INPI e os interessados em explorar a patente. “Todos vão ter o mesmo interesse para que isso seja feito logo. De modo que o processo seja célere, inicia-se o período de privação patentária e tão logo possível, haja liberdade de mercado para isso”, opina.

Da mesma maneira, Anna Maria da Trindade dos Reis, sócia do Trindade & Reis Advogados, afirma que ainda que não haja uma lei específica relacionada ao prazo de patentes, há uma lei geral, que é o artigo 27 da LINDB. Ela explica que é uma ação que exige provas de que houve atraso exclusivo do INPI e dos prejuízos que a demora causou.

“É algo que o particular tem que buscar. Ele vai entrar na Justiça e comprovar que, se tivesse conseguido anteriormente a patente, ele teria ganho não sei quantos milhões, que com isso houve um prejuízo, é uma ação cara, feita a posteriori. A compensação pode ser dada em forma de recomposição do prazo [de exploração da patente], é uma maneira muito mais eficaz, e com isso recompõe o prazo que é devido propriamente, e não onera o Estado”, explica.

A especialista fala que a demora crônica do INPI, que por vezes demora mais de 10 anos para registrar uma patente, “impossibilita que o Brasil tenha medicações que, às vezes, já é utilizada há mais de 15 anos nos Estados Unidos, por exemplo”. Em sua visão, a mora do instituto “não fere só a empresa que busca a patente, fere a comunidade como um todo porque o produto não chega”. 

Os três especialistas entendem que os princípios constitucionais e as previsões legais já permitem os pedidos de recomposição de prazo na Justiça. Mas tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2056/2022, que visa justamente prever de maneira expressa a compensação de prazo no caso de patentes. A proposta prevê uma reestruturação no INPI, com contratação de mais servidores e fixa prazos para a análise dos pedidos de patentes. 

De acordo com o texto, o instituto terá o prazo de até 30 dias para decidir após a instrução do processo administrativo, que poderá ser prorrogado por mais 30 dias mediante justificativa – e caso o prazo seja descumprido, o titular poderá requerer compensação do prazo de vigência da patente. O PL foi apresentado em 14 de julho e o próximo passo é a análise pela Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público, que ainda não tem data para ocorrer.

Caio Humberto Pássaro de Laet, sócio do Trindade & Reis Advogados, ainda lembra que a decisão do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5529, em 2021, vetou a “prorrogação automática e indiscriminada de prazo em qualquer caso de mora”, mas “não vedou que haja uma compensação do prazo nos casos específicos, se provado que houve demora do INPI”. 

Peixoto ainda destaca que a Lei 9.784/1999, que rege os processos administrativos federais, fixa os parâmetros de prazo para decisões – e como o registro de patentes é um processo administrativo, também está abarcado por essa legislação. “Tem prazo para decidir nos processos. Na Lei de Liberdade Econômica, também tem regras, é possível adotar esses prazos. O que não dá é para não ter efeito protetivo da desídia”, diz.

Para Sarmento, o ideal é calcular a partir de que momento há uma mora inadmissível do Estado, sendo necessário descontar qualquer tipo de comportamento que seja atribuível ao particular. “Idealmente, isso tem que estar regulado, mas a falta de regulação não pode impedir alguém de buscar uma reparação por comportamento ilícito do Estado, porque demorar em excesso em um processo administrativo é um comportamento ilícito do Estado”, reforça.