WEBINAR DO JOTA

Caminhos para mais diversidade em comissões e bancas que selecionam magistrados

Webinar do JOTA reuniu três juízas para falar de baixa presença de mulheres (20%) em bancas examinadoras

Pesquisa do CNJ mostra que mulheres representam 20,6% da composição de bancas avaliadoras e das comissões organizadoras de concursos para magistratura no Brasil. Créditos: YouTube

Visualize uma pessoa vestida de toga preta à frente de um processo judicial. O que vem à mente? Provavelmente um homem branco. Se essa imagem surgiu inconscientemente, ela é fruto de um viés inconsciente. Some-se a esse viés o conceito de sujeito universal: homem, branco e heterossexual. É justamente desarmar esses gatilhos automáticos de percepção de estereótipos que algumas iniciativas de conscientização buscam desconstruir.

A magistratura brasileira é formada predominantemente por juízes com esse perfil de sujeito universal. A disparidade é ainda maior na composição das comissões e bancas que organizam concursos para a magistratura. “A literatura vem apontando a necessidade de que os comitês e as bancas de seleção de magistrados sejam diversificados”, afirma Adriana Cruz, juíza titular da 5ª Vara Criminal no Rio de Janeiro. “A necessidade que esse grupo também seja diverso se relaciona à própria legitimidade do processo, à legitimidade do resultado que dali se extrai.”

Karen Luise Souza, juíza de Direito e integrante do Comitê de Igualdade de Gênero. Raça e Diversidade do TJ-RS, tem o mesmo entendimento: “É mais do que urgente que a gente comece a pensar na alteração dos nossos regramentos, para que exista uma paridade na composição dessas bancas”.

Pesquisa divulgada semana passada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) mostra que, no total, mulheres representam 20,6% da composição de bancas avaliadoras e nas comissões organizadoras de concursos para magistratura no Brasil. “Tínhamos a noção da sub-representação, mas isso agora está validado por dados institucionais da mais alta importância”, relata Clara Mota Pimenta, juíza federal e integrante da Comissão AJUFE Mulheres. “É um absoluto avanço à resolução 255 [de incentivo à participação feminina no Judiciário] e em relação a todo o cenário de equidade de raça e gênero que vem sendo construído no âmbito do CNJ”.

Os resultados da pesquisa foram debatidos em webinar do JOTA nesta segunda-feira (24/8). O tema do evento foi: “Bancas de concursos da magistratura: Diversidade e Participação Feminina”.

Para a juíza Adriana Cruz, chama a atenção o fato de a pesquisa mostrar que há tribunais em que nunca houve a participação de mulheres. A magistrada também destaca que a participação de mulheres negras é muito pequena nas bancas e comissões. De acordo com o estudo, as informações de cor e raça disponíveis mostram que apenas 18 integrantes das bancas e comissões são pretos, o que corresponde a menos de 1% do total. Desses, apenas duas são mulheres.

Ou seja, as comissões a bancas que selecionam novos juízes não refletem a composição da sociedade brasileira. “A formação dessas bancas e a admissão desses magistrados estão diretamente ligadas a uma composição social”, diz a juíza Karen Luise Souza. “É mais do que urgente que parâmetros sejam estabelecidos pelo CNJ, para que esses juízes e juízas sejam admitidos a partir da imagem da nossa sociedade.”

A Justiça Federal é o ramo que tem a menor proporção de mulheres nas bancas examinadoras. As 33 integrantes de bancas da Justiça Federal nos últimos 10 anos correspondem a apenas 13,1% do total de examinadores. Se considerado somente as mulheres titulares em bancas, o porcentual é de 8%.

“Existe um requerimento pendente da AJUFE para solicitar que haja paridade entre homens e mulheres nas bancas de concurso, reforçado agora pelos achados dessa pesquisa”, lembra Clara Mota Pimenta, juíza federal e integrante da Comissão AJUFE Mulheres.

Caminhos para mudança

As magistradas avaliam que estamos em um momento em que foi superada a negação da existência do problema, mas que avanços dependem de passos além da simples constatação. “Penso que essa maior equidade de gênero e raça nos tribunais do país vai acontecer por atuação do Conselho Nacional de Justiça. O CNJ está chamando para si a responsabilidade de pensar essas políticas”, diz Cruz. “No caso específico das bancas, em que não há um processo seletivo propriamente dito, temos um esforço para que esses espaços monolíticos de recrutamento sejam diversos e republicanos, como devem ser.”

A juíza federal Clara Mota Pimenta entende que os resultados da pesquisa vão ajudar a pensar em formas de treinar as bancas examinadoras. “Também podemos pensar em um segundo momento qualitativo de ver quais são, efetivamente, as práticas dessas bancas no momento em que estão recrutando”, diz.

“Temos que fazer um movimento para que, além desses números, nós consigamos mudar a realidade”, afirma a juíza Karen Luise Souza. “Temos que pensar na construção de novos papéis, para que esses papéis possam exercer o Direito da forma mais próxima da nossa sociedade”, diz. “Acho fundamental que a estrutura de Estado, do Poder Judiciário, incorpore essas questões [de gênero e raça].”

Para tanto, colocar o tema na agenda pública é fundamental, destaca Adriana Cruz: “Acho que precisamos problematizar a discussão de que estamos introduzindo um corpo estranho nesse espaço. Nós não somos um corpo estranho nesse espaço”.