Lideranças de partidos de centro-direita contemplados com ministérios ameaçam retaliar o governo caso a solução para o impasse sobre o rito de tramitação de Medidas Provisórias no Congresso privilegie os interesses do presidente da Câmara, Arthur Lira, em detrimento do Senado. A fatura poderá ser cobrada nas discussões de projetos estratégicos para o Planalto, mesmo que não imediatamente.
O discurso acende um alerta para Lula porque indica um aprofundamento da disputa de ‘centrões’, que tende a se acentuar ao longo dos próximos meses.
Embora contemplados com três ministérios cada um, MDB, PSD e União Brasil têm demonstrado dificuldade em garantir votos para Lula na mesma proporção do espaço adquirido na Esplanada. A articulação política do governo sabe disso e não consegue sequer dar uma dimensão mais precisa do tamanho de sua base aliada, o que de certa forma se expressa na paralisia de votações.
Essas legendas têm maioria no Senado e encabeçam a estratégia de ‘enfrentamento’ a Lira, ancoradas no que diz a Constituição sobre o rito das MPs. Enquanto isso, o centrão ‘raiz’, formado por legendas como PP, PL e Republicanos, preterido na montagem ministerial e no desfecho do orçamento secreto, tenta se colocar como alternativa capaz de oferecer a Lula o apoio necessário na Câmara, já que detém a maioria.
O ruído sobre as Medidas Provisórias é uma janela de oportunidade para demonstrar quem pode oferecer melhores condições de governabilidade. Mas, por enquanto, tem só evidenciado a ainda bastante frágil situação política do governo no Congresso.
Esse contexto pode afetar diretamente os planos econômicos do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Parte das medidas provisórias, como a do voto de qualidade do Carf, são cruciais para a estratégia de ajuste fiscal pelo lado da receita. O governo caminha em gelo fino. Haddad está sendo “adotado” pelo centrão da Câmara, mas se a briga com o Senado escalar, sua estratégia pode morrer na praia. Ainda não é o cenário base, mas o risco cresce.
Copom acena para Haddad, mas volta a provocar governo
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reconheceu o tom mais colaborativo da ata do Copom, mas deixou claro que o gesto é insuficiente para o governo e para a própria área econômica. “O BC também tem que ajudar a Fazenda”. O recado de Haddad para Roberto Campos Neto é uma espécie de “me ajuda a te ajudar”, na linha de que a tão esperada ajuda fiscal que o BC tem cobrado só se tonaria viável em um ambiente menos carregado na política monetária.
Na área econômica, há uma leitura de que o BC está “atrás da curva” (jargão para decisões atrasadas para o contexto econômico) e está contratando uma recessão forte para o país, se não revisar rapidamente sua postura.
É difícil, porém, que as críticas, mesmo em tons mais leves feitas por Haddad, tenham alguma eficácia prática para a postura da autoridade monetária. Com a inflação desancorada das metas para este e o próximo ano, o BC não tem uma saída fácil para mudar seu discurso no curto prazo. O time de Roberto Campos está muito dependente dos desdobramentos da crise internacional e dos problemas no mercado doméstico, além do surgimento de surpresas positivas para inflação, o que o próprio BC apontou que não deve ocorrer com tanta frequência, e, principalmente, de uma boa recepção ao arcabouço fiscal.
O novo regramento fiscal vai ser discutido por Haddad nessa quarta-feira com Lula e, segundo o ministro, será uma conversa final. No bloco P, espera-se apresentar o marco fiscal ainda nessa semana. Se esse conjunto de medidas dificilmente fará brilhar os olhos do segmento mais ortodoxo que domina o mercado financeiro, especialmente porque para ser autorizado por Lula ele terá que atender as demandas sociais e de investimentos, pelo menos deve trazer previsibilidade para a trajetória do gasto. E isso deve permitir que analistas e investidores enxerguem um horizonte para estabilização da dívida pública, o que por si só pode fazer muita diferença.