
Desde 2014, o Brasil vem brigando com taxas baixas de crescimento econômico ao mesmo tempo que debate vigorosamente a questão fiscal. A visão de que é preciso conter e até reduzir gastos tem prevalecido nos últimos anos (pelo menos em teoria, já que na prática não tem sido bem assim). O crescimento que viria de uma melhor equação fiscal, que permitiria ao Brasil trabalhar com juros mais baixos, porém, acabou não se materializando. E esse certamente é um dos desafios para o próximo governo que precisa ser debatido nas eleições.
Ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda e coordenador do observatório de política fiscal do FGV Ibre, Manoel Pires antecipou ao JOTA um texto que será publicado nos próximos meses no qual examina diversos tópicos sobre a interação entre política fiscal e crescimento econômico, tentando desfazer “mitos” e apontar para um debate mais sóbrio sobre o tema.
Um dos “fatos” que elenca é que os multiplicadores de transferência de renda e investimentos são mais elevados do que outros gastos, ou seja, geram maior crescimento econômico. “Existe uma ampla evidência empírica que oferece suporte à ideia de que é melhor utilizar os recursos públicos para proteger as pessoas mais vulneráveis e para ampliar o investimento público”, salienta o economista. Para ele, outro fato é que regras fiscais que preservam esses gastos geram mais crescimento econômico.
É importante ponderar que economistas de corte mais ortodoxo apontam que o efeito, no caso dos investimentos, depende muito do contexto em que a economia se encontra no momento, suas condições de endividamento e outras variáveis. Nessa linha de análise, a leitura é que aumentar investimento pode ter impacto negativo, se a percepção fiscal for negativa, provocando subida dos juros.
Pires reconhece o fato de que a política fiscal interfere de forma relevante nas taxas de juros, por meio da pressão que déficits ou superávits do setor público geram no mercado de títulos. Ele, porém, ressalta que “os investimentos públicos são intensivos em mão de obra, criam novos empregos e geram externalidades positivas para o aumento da produtividade do setor privado produzindo efeitos encadeados para frente e para trás”. E destaca que os cálculos mais recentes feitos por ele e outros pesquisadores apontam que, no caso do Brasil, cada real investido ou repassado como transferência de renda gera mais de um real em renda na economia (multiplicador superior a 1).
Nesse contexto, o especialista também salienta que os investimentos públicos estão muito baixos no Brasil e há muito tempo. “Em períodos de ajuste fiscal, os investimentos públicos sempre são contraídos por não contarem com proteção legal no orçamento. Passada a fase do ajuste fiscal, voltavam a se expandir dentro das possibilidades orçamentárias como ocorrido entre os anos 1990 e 2000, na lógica do arcabouço fiscal da época. No ciclo de ajuste atual, os investimentos públicos nunca se situaram tão baixos por tanto tempo. Isso reflete a percepção equivocada, prevalecente nos últimos anos, de que o privado substituirá o setor público, o que nos leva ao próximo fato”, salientou.
Pires levanta outro ponto interessante ao dizer que a participação privada no total dos investimentos do país é elevada, em linha com o que se vê na OCDE. Mas ele questiona os pressupostos de que necessariamente a concessão de investimentos ou privatizações terão impactos fortes em termos de crescimento. “A ideia de que esse processo terá grande relevância macroeconômica não encontra respaldo na realidade. As privatizações e concessões geram transferência de ativos já constituídos e os novos investimentos ocorrerão para aumentar a rentabilidade do ativo com aumento da eficiência e para ampliar a capacidade na velocidade do crescimento da demanda”, diz.
Com um total de 10 “fatos” elencados no seu artigo, o especialista faz algumas provocações com alguns pilares da ortodoxia econômica. Ele diz que não há relação “empírica estabelecida entre nível da carga tributária, nos patamares observados, e crescimento econômico”. E diz que é controversa a interação entre dívida pública e crescimento econômico. “A relação estatística entre crescimento econômico e dívida pública é negativa, mas correlação não pode ser confundido com causalidade”, afirmou.
Como conclusão, Manoel Pires ressalta que as regras fiscais devem ser orientadas para conciliar os objetivos da estabilidade macroeconômica, tornando a dívida pública sustentável e contribuindo para a moderação das taxas de juros de longo prazo e ampliando gastos produtivos para elevar o efeito multiplicador da política fiscal, tornando-a efetivamente anticíclica. E defende que uma reforma da tributação deve buscar maior eficiência econômica e justiça social, que contribuem para o maior crescimento.
Talvez o maior desafio que o Brasil tenha hoje é voltar a crescer de forma mais substancial. Com PIB se expandindo, tudo fica mais fácil. E a equação fiscal é peça-chave para que esse desafio seja superado. A história recente tem nos ensinado que acelerar os gastos sem limite não sustenta crescimento, mas cortar despesas por cortar também não entrega aquilo que se promete.
O artigo de Pires ajuda nisso. E se insere em um contexto no qual o debate econômico vive uma boa safra de produção intelectual na seara fiscal, como o livro “Regras Fiscais e o Controle Quantitativo da Dívida”, do procurador do MP de Contas Rodrigo Medeiros de Lima, e o “Reconstrução do Brasil”, coordenado por Felipe Salto, João Villaverde e Laura Kapurska, lançados recentemente. Que tantas ideias sirvam para que nossos políticos consigam produzir o reencontro do país com o crescimento.