Arrecadação

Regime especial do ICMS, restaurantes e pandemia: limitação indevida

A indevida limitação estabelecida pelo fisco paulista e seus efeitos em face dos novos hábitos de consumo

Crédito: Wikimedia Commons

O Regime Especial de Tributação do ICMS destinado a bares, restaurantes, lanchonetes e congêneres foi instituído, no estado de São Paulo, pelo Decreto nº 51.597 de 23 de fevereiro de 2007, regulamentado pela Portaria CAT 31/2001 com fundamento no Convênio ICMS 91/2012.

Referido regime permite que os contribuintes deste segmento apurem o imposto devido mensalmente aplicando o percentual de 3,2% sobre a receita bruta auferida no período, em substituição ao regime periódico de apuração (RPA), desde que, nos termos do art. 1º do Decreto nº 51.597/07: (i) explorem preponderantemente essas atividades econômicas e (ii) utilizem Equipamento Emissor de Cupom Fiscal (ECF) ou Nota Fiscal emitida por sistema eletrônico de processamento de dados.

A exposição de motivos do Decreto torna clara a intenção do legislador de facilitar a tributação desses contribuintes, sem prejuízo dos controles por parte da Secretaria da Fazenda, devido à especificidade do segmento de fornecimento de refeição/alimentação.

Em que pese essa intenção de facilitar e simplificar a rotina tributária dos contribuintes desse setor, a celeuma se instalou quando o Fisco Paulista, por meio de Respostas às Consultas formais sobre a interpretação da legislação tributária, formuladas pelos contribuintes, se manifestou infundadamente, de modo a criar uma série de novos requisitos que limitam ainda mais o alcance do Regime Especial, sem suporte na legislação que regulamenta o assunto.

A respeito destas limitações estabelecidas pela fiscalização, convém destacar a restrição quanto à utilização do referido regime na venda de refeições por meio dos sistemas de “delivery”, “drive-thru” ou “take away[1].

No entendimento da consultoria paulista, isso se justifica porque o conceito de “fornecimento de refeição” abrange apenas a venda a varejo de produtos alimentícios que devem, necessariamente, ser consumidos no próprio local em que foram adquiridos.

Vale observar que essa interpretação restritiva ultrapassa os limites estabelecidos na legislação acerca do tema[2], causando graves impactos no ramo de fornecimento de alimentos/refeições, os quais, inclusive, foram potencializados em razão da Covid-19 e toda a crise por ela gerada.

Não bastasse isso, é notório que os últimos meses de quarentena foram tempos amargos – e continuam sendo – para todos os contribuintes do setor, que se viram obrigados, em razão das restrições e medidas de quarentena decretadas pelas autoridades municipais, estaduais[3] e federais, a fechar as portas e operar exclusivamente por meio de sistemas alternativos de entrega e consumo em domicílio.

No tocante ao Regime Especial de tributação de restaurantes, durante este árduo período de fortes restrições ao setor, os restaurantes se depararam com a seguinte situação: de um lado a consultoria paulista impôs limites à utilização do regime especial para que as refeições sejam consumidas exclusivamente no estabelecimento; de outro, o estado de São Paulo proibiu a abertura dos restaurantes, que desde 24/03[4], não puderam servir refeições no local, com única possibilidade de funcionamento por meios alternativos, tais como entrega em domicílio, “drive-thru” e retirada no balcão.

Apesar do início da flexibilização, em curso desde o dia 06 de julho[5], com a reabertura do atendimento ao público no local – desde que obedecidas as restrições quanto ao horário de funcionamento e regras sanitárias de contenção à propagação da Covid-19, os restaurantes “sobreviventes” começaram a retomada de suas atividades, ainda que de forma tímida.

Fato é que o mundo não será mais o mesmo após a pandemia da Covid-19, de maneira que a retomada das atividades econômicas e do convívio social serão acompanhadas de novos hábitos sociais potencializados durante a quarentena e que, sem dúvidas, serão permanentes.

Nesse sentido, os serviços de entrega de refeição para consumo em domicílio ganharam ainda mais relevância e, a partir de agora, terão importante papel em termos de faturamento dos restaurantes e similares, em detrimento do faturamento decorrente do fornecimento de refeições para consumo no local.

Não há dúvidas, portanto, que o posicionamento das autoridades fiscais, especialmente no que se refere ao Estado de São Paulo, deve ser revisto e atualizado, para o fim de acompanhar a evolução dos hábitos sociais potencializados pela crise econômica-social oriunda da pandemia de Covid-19, com a finalidade de fazer valer a intenção do legislador ao tentar facilitar a tributação destes contribuintes e não torná-la ainda mais conturbada, como historicamente vem ocorrendo, restando, em última análise, ao contribuinte se socorrer do Poder Judiciário para fazer valer o seu direito.

 


[1] Resposta à Consulta Tributária 19523/2019 e 19879/2019.

[2] Isto porque, o mencionado art. 1º do Decreto nº 51.597/07 determina quais os requisitos para utilizar o Regime Especial e não há menção acerca de sua suposta limitação apenas para as refeições consumidas no local.

[3] No caso do Estado de São Paulo, por meio do Decreto nº 64.881 de 22 de março 2020.

[4] Decreto nº 64.881, de 22 de março DE 2020.

[5] Portaria Pref Nº 696, de 4 de julho de 2020.