Mulheres no judiciário

Parecer elaborado a pedido do CNJ valida a adesão de cota feminina na magistratura

Em parecer, o professor Daniel Sarmento sustenta que política de ação afirmativa configura verdadeira obrigação constitucional

o papel do direito em prol da justiça racial
Crédito: Nelson Jr./SCO/STF

A pedido do Comitê de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Daniel Sarmento, professor de Direito Constitucional da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), elaborou um parecer no qual valida a adesão de cotas femininas na magistratura. O documento será analisado em sessão do CNJ marcada para a próxima terça-feira (19/9).

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O documento sustenta a possibilidade constitucional da instituição, por ato normativo do próprio CNJ, de política de ação para acesso das juízas aos cargos de magistraturas no âmbito dos tribunais de 2° grau. Na sessão, deverão ser levantadas algumas propostas para a inserção da cota feminina na magistratura para sua promoção aos Tribunais Regionais Federais (TRF) e Tribunais de Justiça (TJ).

No documento, o comitê ressalta que os dados existentes apontam que a simples passagem do tempo e a ausência de obstáculos formais para o acesso de magistradas aos tribunais de 2° grau não têm sido suficientes para tornar mais igualitária, na perspectiva de gênero, a composição dessas Cortes.

”Por essas razões, persistem praticamente estagnadas as enormes diferenças entre os percentuais de magistradas e magistrados nos tribunais de 2º grau brasileiros”, destacou. Na média nacional, segundo o comitê, o percentual encontra-se em cerca de 25% e 75%, respectivamente.

De acordo com o grupo, tal cenário, além de comprometer o pluralismo no Judiciário, pode caracterizar ofensa ao princípio constitucional da igualdade de gênero. Assim, o grupo pontuou e respondeu aos seguintes questionamentos:

  • a) É constitucional a instituição de política de ação afirmativa para ampliação do acesso de juízas aos cargos de magistratura no âmbito dos tribunais brasileiros de 2º grau?
  • b) No caso afirmativo, essa política de ação afirmativa pode incidir no acesso
    aos tribunais de 2º grau por antiguidade e por merecimento?
  • c) Tal política de ação afirmativa pode consistir no acesso alternado de juízes e juízas para os tribunais de 2º grau, nas vagas destinadas à magistratura de carreira?
  • d) Em muitos tribunais, o acesso às cortes de 2º grau por merecimento pressupõe que a magistrada ou magistrado integre a primeira quinta parte da lista de antiguidade, fator que prejudica o acesso de juízas a esses tribunais. Seria adequado, nesse cenário, estabelecer, para fins de acesso aos tribunais de 2º grau, duas listas diferentes de antiguidade, uma para juízas e outra para juízes?
  • e) O Conselho Nacional de Justiça detém competência para instituir, por ato normativo próprio, essa política?

Ao longo de seu parecer, Sarmento destacou que a equidade gênero ainda está longe de se tornar realidade no Poder Judiciário brasileiro, uma vez que as pesquisas e os estudos demonstram que a participação das mulheres na magistratura tem ficado “consistentemente abaixo dos 40%”.

Entre os fatores que contribuem para esse cenário, ele cita que podem ser examinados por dois ângulos: a violação de direitos das mulheres indevidamente preteridas, e os impactos de composições insuficientemente plurais sobre a atuação desse poder de Estado. Desse modo, destaca que a equidade de gênero na composição dos tribunais se torna ”especialmente relevante”.

Para Sarmento, a falta de equidade de gênero na composição dos tribunais, além de evidenciar a discriminação direta ou indireta das juízas, compromete a própria legitimidade democrática as cortes, bem como a sua capacidade de cumprir de modo adequado a sua missão institucional maior, de proteger os direitos fundamentais de todas as pessoas.

”Ademais, quando as cortes são plurais, as pessoas conseguem se enxergar melhor no Judiciário, percebendo-o como um poder legítimo, o que tende a aumentar a sua confiança na instituição”, destacou o constitucionalista.

Constitucionalidade

Em seu ponto de vista, o CNJ detém o poder necessário para instituir, por norma própria, política de ação afirmativa para acesso de juízas aos tribunais de 2° grau, uma vez que o ato normativo que deu ao Conselho esse poder, se baseia diretamente na Constituição Federal. Assim, considerou que a política de ação afirmativa é medida de coerência, considerando a preocupação que o CNJ vem manifestando com a igualdade de gênero no âmbito do Poder Judiciário.

”As políticas de ação afirmativa prestam-se a esse fim e são constitucionalmente legítimas, inclusive no campo do gênero, como tem decidido o STF. Tais políticas promovem a igualdade substantiva, corrigem injustiças históricas, promovem o pluralismo nas instituições e quebram estereótipos negativos”, observou.

Sarmento ainda acrescentou que a adoção de política de ação afirmativa para ampliação do acesso feminino a esse espaço de poder, mais do que uma faculdade, configura verdadeira obrigação constitucional.

Confira o parecer elaborado por Daniel Sarmento na íntegra.