O Brasil vive hoje um fenômeno de hiperjudicialização dos conflitos. São 90 milhões de ações judiciais espalhadas em um sistema que contempla 91 tribunais e 18.000 juízes. Essa hiperlitigiosidade gera insegurança jurídica e impõe severos custos a todos os cidadãos e empresários.
As causas desse estado de coisas se encontram em um banalização do trabalho das Cortes, que se expressa em um conjunto de políticas equivocadas dentre as quais três se destacam: (i) complexidade dos procedimentos, (ii) política de custas e sucumbência e (iii) falta de especialização.
O tema da complexidade dos procedimentos foi recentemente enfrentado pela promulgação de um novo Código de Processo Civil. Apesar de o novo CPC não ter sido objeto de estudos empíricos suficientes, trata-se de uma solução já recentemente implementada, cuja revisão nos parece descabida.
Não obstante, seria interessante implementar mecanismos de avaliação e monitoramento de seu impacto, a fim de verificar como o novo código está impactando o funcionamento dos juízos e tribunais, isto é, se as alterações por ele feitas estão realmente produzindo os resultados esperados. Essa poderia ser mais uma função da entidade de Jurimetria a que já nos referimos: acompanhar juntamente do Poder Judiciário os resultados produzidos pelas principais legislações.
Mas a simplificação dos procedimentos não pode ser pensada de forma restrita, considerando-se apenas o processo jurisdicional estatal.
O grau de complexidade que as sociedades contemporâneas atingiram colocou em xeque o modelo tradicional de Estado-juiz, centrado no monopólio estatal do exercício da jurisdição: juízos e tribunais lotados de demandas, procedimentos lentos que se arrastam por anos, burocracia judiciária com custos exponencialmente crescentes, dentre outras mazelas, tornaram imprescindível a utilização de mecanismos alternativos de solução de conflitos (MASC), como mediação, conciliação e arbitragem.
É sabido por todos, especialmente pela comunidade jurídica, que tais institutos vêm adquirindo força e ampliando progressivamente a sua utilização no País, sobretudo por ostentarem características que suplantam exatamente algumas das mais problemáticas vicissitudes do sistema judiciário estatal, notadamente a morosidade.
No entanto, apesar de o uso dos MASC já ser uma realidade no Brasil, existindo políticas públicas específicas do Conselho Nacional de Justiça destinadas à sua maximização, é ainda pequeno o uso de novas tecnologias para tanto, algo que já é uma realidade bem mais evidente em outros lugares do mundo, como Estados Unidos e União Europeia.
Nesses lugares, o desenvolvimento tecnológico e a universalização do acesso à internet tem propiciado uma verdadeira revolução na própria utilização dos MASC, com o surgimento e o desenvolvimento de instrumentos de ODR (online dispute resolution).
A utilização de plataformas virtuais – inclusive com o uso de inteligência artificial – que permitem a resolução de litígios de natureza patrimonial e baixa complexidade técnica pode revolucionar o acesso à Justiça, que não deve ser mais visto, hodiernamente, como um direito de acionar o Poder Judiciário, mas sim como um direito de ver resolvido, num espaço de tempo razoável, uma determinada controvérsia.
Nesse sentido, pode-se citar, por exemplo, a criação do ombudsman bancário, mecanismo que já vem sendo considerado há algum tempo como forma de desafogar os tribunais judiciários [3], que estão sempre superlotados de processos que envolvem instituições financeiras, litigantes que só perdem, em número de causas, para a União.
Experiências exitosas com a criação e o desenvolvimento de estratégias de desjudicialização desse tipo podem ser ampliadas e utilizadas em outros setores que também sofrem com o excesso de litígios judicializados.
Por outro lado, para além dessas alternativas de desjudicialização propostas, é imprescindível também repensar a própria estruturação do Poder Judiciário, de forma a aumentar a especialização dos juízos de primeiro grau e dos tribunais de segunda instância: a especialização não apenas aumenta a eficiência, mas também contribui para uma maior previsibilidade das decisões judiciais e uma maior estabilidade da jurisprudência, que são pilares fundamentais da tão desejada segurança jurídica.
Com efeito, a especialização é uma estratégia de organização judiciária que tem o objetivo de aumentar a qualidade técnica das decisões, diminuir o prazo de julgamento dos processos e aumentar o grau de segurança jurídica dos precedentes.
No entanto, a especialização não é uma panaceia. Ela deve ser utilizada com cautela, tendo-se em vista os riscos de enviesamento e captura.
De uma forma geral, a especialização produz melhores resultados quando aplicada em disputas que apresentem um grau elevado de complexidade processual, incluindo o detalhamento da regulação aplicável, a quantidade de partes envolvidas e a dificuldade de produção e apreciação das provas.
A despeito de outras áreas que poderiam ser objeto de especialização, duas deveriam ter preferência no atual cenário brasileiro: varas de direito empresarial e varas de improbidade administrativa.
As varas de direito empresarial são um elemento fundamental para o desenvolvimento econômico. Parte significativa dos problemas identificados pelos agentes econômicos no mercado brasileiro, expresso em indicadores do Banco Mundial, do Fórum Econômico, da Heritage Foundation e outras instituições internacionais, está associada a dificuldades de ordem procedimental.
A criação de uma rede de magistrados especializada em disputas empresariais com jurisdições entendidas sobre as regiões judiciárias dos principais centros econômicos, será capaz de trazer maior segurança jurídica ao mercado e reduzir sensivelmente os riscos e os custos do investimento.
Menos de 100 juízes especializados estrategicamente posicionados seriam suficientes para cobrir mais de 80% das áreas onde está concentrada a atividade empresarial. Um investimento reduzido quando comparado ao benefício potencial.
O mesmo pode ser dito das varas especializadas em improbidade administrativa. Há estudos que comprovam a ineficiência do foro privilegiado. No entanto, caso as ações hoje concentradas nesses foros sejam dispersas nas milhares de varas não especializadas das Justiças Estadual e Federal, há risco considerável de que essas ações se percam na ineficiência geral do Poder Judiciário.
Daí a necessidade de criação e treinamento de uma rede de juízes especializados em crime organizado, com ênfase em delitos financeiros e contra a Administração Pública, com competência conjunta para julgamento de causas cíveis e penais.
Além de envolverem processos complexos, essas duas especialidades coincidem com gargalos de retenção de investimentos no país, que, uma vez superados, gerarão benefícios com um amplo efeito multiplicador sobre a ação de todos os agentes da iniciativa privada e do Poder Público.
Finalmente, a política de custas e sucumbência é outra questão que precisa ser repensada urgentemente: a facilidade de obtenção da gratuidade do acesso aos juízos e tribunais brasileiros é um fator que estimula uma litigância desarrazoada, sendo uma das principais causas da já mencionada hiperjudicialização dos conflitos em nosso País.
Assim, entendemos que a atual política de custas e sucumbência deve ser revista com três objetivos: barreira de entrada para casos frívolos, custeio da Justiça e garantia de acesso ao Poder Judiciário aos mais pobres.
Há indícios de que a política de gratuidade judiciária se mostra muito genérica e foi capturada por parcelas mais abastadas da população, que poderiam pagar pelo serviço. Ao mesmo tempo, as parcelas mais pobres da população ainda possuem dificuldade de acessar o Poder Judiciário, continuando alijadas das formas institucionais de resolução de conflitos.
Como resultado, temos um cenário desolador: uma Justiça congestionada de causas frívolas com valor irrisório, lenta e elitizada. Racionalizar a política de custas e sucumbência é, portanto, essencial para reduzir o congestionamento dos tribunais.
Tal objetivo pode ser atingido através da definição de critérios objetivos para a concessão de benefícios de gratuidade e diferimento em três níveis: fixar um conceito objetivo de pobreza em sentido jurídico, definir o meio de prova dessa condição e estabelecer como regra a compensação das verbas sucumbenciais contra os créditos obtidos no processo.
Um possível caminho para resolver esse ponto, aproveitando elementos já discutidos pelo Congresso Nacional e implementados por parte dos juízes, é generalizar as soluções da recente reforma do processo trabalhista para todas as ações das Justiças Estaduais e da Justiça Federal.
Com isso, seriam considerados pobres em sentido jurídico apenas as pessoas físicas que percebem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, a ser provado através da apresentação da declaração de renda perante a Receita Federal.
Além disso, a regra passaria a ser o diferimento do pagamento de custas e despesas, ao invés da concessão de gratuidade irrestrita, que passariam a ser compensadas contra eventuais créditos obtidos ao final do processo.