Desjudicialização

Estratégias para um ordenamento jurídico mais inteligível, barato e eficaz

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Capítulo 1

Introdução

Os números assustam

Não se sabe ao certo quantas normas jurídicas existem no Brasil. Fala-se em 4,5 milhões, com um aumento de oito novas normas por dia, incluindo desde emendas constitucionais até regulações infralegais.

Se outrora o governo foi bem sucedido em controlar a inflação monetária, o mesmo não pode ser dito agora da chamada inflação regulatória: as normas continuam a ser editadas sem nenhum tipo de controle ou critério em todos os níveis de governo, acumulando-se em um emaranhado burocrático de proporções pantagruélicas, ininteligível, caro e intransponível, o que gera custos altíssimos para o setor privado e potencializa o inchaço da máquina pública.

Os números assustam. Para se ter uma ideia do tamanho da bagunça, o Brasil tem 60.000 legisladores, entre vereadores, deputados e senadores, contra 18.000 juízes, entre magistrados de primeira instância, desembargadores e ministros de tribunais superiores: não faz sentido algum o país ter quatro vezes mais pessoas fazendo leis do que as aplicando.

Além disso, são 27 unidades federativas, 5.570 municípios e um governo federal de alta complexidade, repleto de secretarias, departamentos, agências, conselhos, comissões e institutos, todos com poderes de editar resoluções, instruções e portarias capazes de “detalhar” e aprofundar as exigências burocráticas da lei.

Ao contrário do que se pode imaginar, o aumento indiscriminado na quantidade de normas não está correlacionado com o aumento da segurança jurídica. Na verdade, é possível – e até bem provável – que essa hipernormatização seja uma das principais causas da antiga crítica que o empresariado faz à insegurança jurídica existente no Brasil.

Um país deficitário em leis tende ao autoritarismo, porque as decisões são tomadas pelos agentes públicos de maneira discricionária. No entanto, um país com excesso de leis tende à desordem, na medida em que as normas se contradizem, e os cidadãos não conseguem identificar quais são as condutas lícitas.

O Brasil certamente ultrapassou essa linha do razoável em termos de quantidade de normas, e hoje nosso sistema legal flerta com a desordem institucionalizada: são mais de 90 tribunais e 100 milhões de processos judiciais, resultado direto da incerteza gerada pelo ordenamento jurídico e de incentivos para litigar sem qualquer custo.

Essa situação atrapalha a vida do cidadão e do empresário, de um lado aumentando os custos de “compliance” para cumprimento de todas as exigências legais e infralegais (despachantes, advogados, consultores), e de outro criando oportunidades para a prática de crimes funcionais e corrupção. Na prática, as pessoas de bem ficam paralisadas, e as do mal encontram oportunidades indevidas para lucrar.

Por essa razão, uma das principais missões de um governo que se propõe a mudar de verdade – e para melhor! – a Administração Pública brasileira é empreender esforços para reduzir a burocracia estatal e realizar uma meta-reforma: uma reforma na nossa maneira de realizar reformas. É imprescindível controlar a inflação regulatória com a introdução de mecanismos que reduzam a velocidade de criação de normas e que, ao mesmo tempo, deem mais clareza e efetividade para as normas vigentes.

Como objetivo final, essa meta-reforma criaria condições para o estabelecimento de uma ordem jurídica menor, mais inteligível, mais aderente à realidade e mais barata de ser operada. Há diversas providências a serem tomadas nesse sentido, mas 5 medidas simples se destacam como um excelente ponto de partida para contribuir com esse objetivo.

Capítulo 2

Redução de normas existentes

Os números mencionados no início desse texto são realmente assustadores: é inconcebível a existência de quase cinco milhões de normas legais e infralegais em nosso ordenamento jurídico, parecendo-nos inegável, pois, que exista uma boa quantidade de gordura a ser queimada nesse imenso corpo de regras.

Embora acreditemos que esse total de normas possa ser reduzido ainda mais, propomos uma redução inicial e imediata de 10%, patamar atingindo em projetos semelhantes adotados na Inglaterra e nos Estados Unidos.[1]

Assim, um governo comprometido com a desburocratização e a racionalização da máquina pública deveria determinar que, no prazo de 12 meses, cada ente federal, desde agências reguladoras até meros órgãos ministeriais com poderes regulatórios, procedesse a um senso que indique a quantidade de normas vigentes editadas sob sua competência, revogando no mínimo 10% desse total.

Esses 10% podem ser atingidos através da extirpação de normas supérfluas e redundantes (red tape)[2]. Uma forma simples e fácil de proceder a algumas dessas revogações, por exemplo, é focar nas normas hoje vigentes que estabelecem solenidades e formalidades para atestar a veracidade de atos declaratórios praticados pelos cidadãos.

A regra de ouro quanto a essa questão deve ser a seguinte: sempre que o custo social decorrente da imposição de exigências formais aos cidadãos para prática de atos declaratórios for superior ao risco de fraude na prática desses atos, deve-se presumir a veracidade deles (nesse sentido, vale mencionar a Lei 13.726/2018, que infelizmente tem encontrado resistências para sua efetiva aplicação em diversos órgãos públicos brasileiros).

Além disso, a redução também dependerá da adoção de um amplo processo de consolidação de normas, através do qual as autoridades deverão compactar regras que tratam de um mesmo tema e se encontram dispersas em inúmeros atos administrativos e legislativos, inserindo-as em diplomas unitários, com redação em linguagem clara, simples e econômica.

Por fim, um controle prático sobre a criação de novas normas também é necessário.

Independentemente dessas revogações mencionadas nos parágrafos anteriores, a redução poderia ser acentuada com a determinação de que duas outras normas fossem revogadas à medida em que uma nova norma fosse editada (respeitados, frise-se, os mecanismos de controle de criação de novas normas tratados no tópico seguinte). No primeiro ano, essas revogações contariam para o atingimento da mencionada meta dos 10%. A partir do segundo ano, ela valeria por si.

Capítulo 3

Controle na criação de novas normas

Antes de ser criada, uma nova norma deveria passar por um escrutínio severo a respeito da sua necessidade e conveniência. Esse escrutínio passa por aplicar um conjunto de técnicas que já são adotadas em jurisdições da Europa e de países emergentes, incluindo a chamada Análise de Impacto Regulatório (AIR), bem como a possibilidade de experimentação regulatória.

O processo seria basicamente o seguinte: as propostas de criação de normas deveriam ser precedidas de uma AIR e incluir obrigatoriamente considerações a respeito dos seguintes pontos:

  1. Diagnóstico do problema. Em quais conflitos ou situações a norma será aplicada? Quantas pessoas serão atingidas potencialmente?
  2. Alternativas consideradas. Quais alternativas para solução da situação além daquela proposta, incluindo a opção zero de não intervir, foram consideradas? Quais soluções alternativas foram propostas pela sociedade em consulta pública? Quais as vantagens da solução proposta em relação às demais? Há experiências semelhantes em outros países?
  3. Custos de implantação. Quanto custará a aplicação das novas regras? Os tribunais e entidades de governo estão aparelhados para aplicar as regras? Há investimentos a serem feitos em equipamentos, pessoal ou treinamento?
  4. Metas mensuráveis. Quais resultados são esperados após a aplicação das novas normas? Existem metas quantificáveis? Em quanto tempo esses resultados já poderão ser observados?
  5. Possíveis efeitos colaterais. Existem riscos na criação dessas regras novas? Quais são eles? Esses possíveis riscos superam os eventuais benefícios decorrentes da nova normatização?

A colocação de marcos regulatórios claros obriga o regulador a explicar melhor suas propostas, aumentando o nível de transparência e diminuindo o espaço para edição de políticas idiossincráticas ou antieconômicas. Ademais, tais freios à produção de normas empodera o cidadão frente ao Estado, maximizando o controle popular sobre a Administração Pública.

A AIR deve ser supervisionada por entidade independente, não vinculada à autoridade proponente e capacitada para levantar dados estatísticos e supervisionar projetos de pesquisa.

A avaliação pode também incluir a possibilidade de experimentação controlada de certas regulações, antes de sua aprovação definitiva.

Por mais precisa que seja a AIR, certos problemas e dificuldades podem não ser antecipados pelas análises preliminares. Por isso, sempre que possível, as normas devem ser objeto de experimentação regulatória em áreas limitadas ou por um período de tempo restrito. A experimentação permite observar na prática os pontos bem e malsucedidos da política pública e fazer os ajustes necessários antes de generalizar a aplicação das novas normas.

Países de grandes dimensões como Índia, China e Estados Unidos já estão adotando a experimentação como regra. As zonas econômicas especiais chinesas e a estrutura federativa americana, por exemplo, permitem que certas regulações sejam implementadas de maneira restrita antes de terem a sua vigência generalizada para toda a população.

Assim, os custos dos erros regulatórios são sensivelmente reduzidos, ao mesmo tempo em que a aprovação e a revogação de reformas se torna muito mais célere e dinâmica.

Finalmente, os braços do governo precisam acompanhar o resultado da aplicação das novas regulações e continuar verificando, mesmo após a edição da norma, se as metas estão sendo cumpridas e se a política foi ou não bem sucedida. Esse acompanhamento posterior deve ser obrigatório e servirá como um alerta que permitirá a revogação ou a correção pontual de medidas inoportunas.

Dois projetos de lei já tramitam no Congresso Nacional com o objetivo de introduzir a AIR nas agências reguladoras: o PL 6621/2016 e o 1538/2015. Os projetos, no entanto, não tratam de experimentação nem de acompanhamento posterior do sucesso da regulação. A medida, portanto, deveria ser ampliada em seu escopo e generalizada para toda produção regulatória, em especial a aprovação de leis federais, e para toda a administração pública federal, e não apenas para as agências, o que nos leva ao ponto seguinte.

Capítulo 4

Uso da Jurimetria

O escrutínio, acompanhamento e avaliação das normas deve ser feito não apenas pela autoridade criadora da proposta, mas por uma entidade aparelhada para realizar uma avaliação independente. Essa capacitação depende  da disponibilidade de dados estatísticos a respeito da realidade a ser regulada, bem como de criação de um grupo interdisciplinar (composto de cientistas de dados, estatísticos, juristas) com capacidade para planejar e executar projetos de AIR.

Daí a necessidade de criação de uma entidade ou grupo de trabalho com poderes para:

  1. Aplicar políticas gerais de controle da regulação da administração pública federal.
  2. Avaliar e emitir pareceres sobre as propostas de regulação de todas as autarquias e órgãos federais.
  3. Regulamentar a produção, centralizar o armazenamento e viabilizar a divulgação de todos os dados estatísticos criados no âmbito da administração pública federal.

Além de conduzir os processos de avaliação de maneira independente, esse ente teria como incumbência criar uma política de curadoria dos dados da administração pública federal. Esses dados hoje se acumulam de maneira desestruturara e se encontram dispersos nos diversos sistemas das numerosas autarquias e órgãos do governo federal. O maltrato e descaso, além de expor os dados ao risco de extravio, dificulta muito a sua disponibilização para estudos organizados dentro e fora do governo.

Uma política de centralização, estruturação e disponibilização organizada dos dados permitirá não apenas garantir a sua integridade, mas também viabilizará o acesso às bases por entidades da sociedade civil e para todos aqueles que tenham interesse em analisar e avaliar os resultados produzidos pela ação governamental em determinadas áreas.

Esses dados são extremamente importantes e incluem informações sobre os julgamentos dos diversos tribunais administrativos da União, como aqueles realizados no âmbito do CADE (em matéria concorrencial), da CVM (em questões do mercado de capitais), do CARF (em questões tributárias) e do Ibama (em questões ambientais), para citar apenas alguns exemplos. Incluem também dados cadastrais sobre concessão ou negativa de autorizações e licenças, além de dados financeiros sobre o custo e produtividade de todas as autarquias e órgãos da Administração Pública federal.

Esse ente também teria a incumbência de revisar de maneira independente os processos de AIR realizados pelas autoridades da Administração Pública, exigindo estudos ou experimentações adicionais, convidando entidades da sociedade para se manifestar e funcionando ao mesmo tempo como um mediador e um filtro técnico para edição de normas.

Por fim, sendo esse ente o responsável pelo controle e divulgação das estatísticas da Administração Pública federal, ele teria poderes para criar uma política geral de tratamento de dados, atuando em parceria com instituições de ensino e pesquisa e gerando relatórios de monitoramento com o objetivo de informar a sociedade e as próprias autoridades sobre o funcionamento do governo.

Além dos relatórios, o ente divulgaria um conjunto de indicadores de controle de inflação regulatória, informando a sociedade a respeito da taxa de crescimento da regulação federal, taxa de instauração e de resolução de conflitos nos tribunais administrativos e expondo, de forma objetiva, o nível de complexidade da burocracia operada pelo governo.

Capítulo 5

Integração entre Executivo, Legislativo e Judiciário

Pouco adianta o país dispor de leis avançadas se seu Poder Judiciário não estiver preparado para aplicar essa legislação de maneira rápida e previsível. É, portanto, necessário pensar não apenas em estratégias para controlar a formulação das leis, mas também refletir a respeito das instituições responsáveis pela sua aplicação: os juízos e tribunais estatais.

Reformas na estrutura desses órgãos devem ser iniciadas pelas autoridades do Poder Judiciário. No entanto, a independência entre os Poderes não deve impedir que o Executivo trabalhe em colaboração com o Judiciário e o Legislativo para investigar e implementar soluções de interesse de toda sociedade.

O fato de serem independentes não significa que os Poderes sejam completamente autônomos e isolados.

Os sistemas de resolução de disputas são compostos de juízos e tribunais administrativos e judiciais, que devem atuar de maneira integrada. A União e suas autarquias respondem por uma significativa parcela das ações judiciais que congestionam o tráfego dos tribunais. Parte das demandas deveria ser previnida ou ao menos resolvida dentro da proporia Administração Pública.

Além disso, processos apresentam comportamentos epidêmicos, crescendo de maneira descontrolada, como mostram os casos das reclamações trabalhistas e execuções fiscais.

Um aumento significativo na quantidade de um certo tipo de disputa pode decorrer de problemas na implementação de políticas públicas pelo Estado (falhas do Executivo) ou ainda de lacunas, contradições ou obscuridades na lei (falhas do Legislativo).

Quando detectada pelos tribunais, essa movimentação anormal deve ser compartilhada entre os Poderes Executivo e Legislativo para que eventuais políticas públicas de cunho administrativo ou projetos de reforma legislativa sejam iniciados para superar as imperfeições.

Tribunais são hospitais da vida social. O monitoramento da sua movimentação interessa não apenas aos juízes, mas a todos os agentes envolvidos na formulação e aprovação de políticas públicas.

É por essa razão que o art. 103-B, VII, da Constituição Federal determina que o CNJ deverá elaborar relatório anual propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.

Uma medida recomendável é que os relatórios e pesquisas judiciárias produzidos pelo CNJ sobre a movimentação sejam também acompanhados pelo Poder Executivo, através do já mencionado núcleo de Jurimetria, de forma a orientar as suas ações de política pública e as iniciativas legislativas.

Capítulo 6

Redução da litigiosidade

O Brasil vive hoje um fenômeno de hiperjudicialização dos conflitos. São  90 milhões de ações judiciais espalhadas em um sistema que contempla 91 tribunais e 18.000 juízes. Essa hiperlitigiosidade gera insegurança jurídica e impõe severos custos a todos os cidadãos e empresários.

As causas desse estado de coisas se encontram em um banalização do trabalho das Cortes, que se expressa em um conjunto de políticas equivocadas dentre as quais três se destacam: (i) complexidade dos procedimentos, (ii) política de custas e sucumbência e (iii) falta de especialização.

O tema da complexidade dos procedimentos foi recentemente enfrentado pela promulgação de um novo Código de Processo Civil. Apesar de o novo CPC não ter sido objeto de estudos empíricos suficientes, trata-se de uma solução já recentemente implementada, cuja revisão nos parece descabida.

Não obstante, seria interessante implementar mecanismos de avaliação e monitoramento de seu impacto, a fim de verificar como o novo código está impactando o funcionamento dos juízos e tribunais, isto é, se as alterações por ele feitas estão realmente produzindo os resultados esperados. Essa poderia ser mais uma função da entidade de Jurimetria a que já nos referimos: acompanhar juntamente do Poder Judiciário os resultados produzidos pelas principais legislações.

Mas a simplificação dos procedimentos não pode ser pensada de forma restrita, considerando-se apenas o processo jurisdicional estatal.

O grau de complexidade que as sociedades contemporâneas atingiram colocou em xeque o modelo tradicional de Estado-juiz, centrado no monopólio estatal do exercício da jurisdição: juízos e tribunais lotados de demandas, procedimentos lentos que se arrastam por anos, burocracia judiciária com custos exponencialmente crescentes, dentre outras mazelas, tornaram imprescindível a utilização de mecanismos alternativos de solução de conflitos (MASC), como mediação, conciliação e arbitragem.

É sabido por todos, especialmente pela comunidade jurídica, que tais institutos vêm adquirindo força e ampliando progressivamente a sua utilização no País, sobretudo por ostentarem características que suplantam exatamente algumas das mais problemáticas vicissitudes do sistema judiciário estatal, notadamente a morosidade.

No entanto, apesar de o uso dos MASC já ser uma realidade no Brasil, existindo políticas públicas específicas do Conselho Nacional de Justiça destinadas à sua maximização, é ainda pequeno o uso de novas tecnologias para tanto, algo que já é uma realidade bem mais evidente em outros lugares do mundo, como Estados Unidos e União Europeia.

Nesses lugares, o desenvolvimento tecnológico e a universalização do acesso à internet tem propiciado uma verdadeira revolução na própria utilização dos MASC, com o surgimento e o desenvolvimento de instrumentos de ODR (online dispute resolution).

A utilização de plataformas virtuais – inclusive com o uso de inteligência artificial – que permitem a resolução de litígios de natureza patrimonial e baixa complexidade técnica pode revolucionar o acesso à Justiça, que não deve ser mais visto, hodiernamente, como um direito de acionar o Poder Judiciário, mas sim como um direito de ver resolvido, num espaço de tempo razoável, uma determinada controvérsia.

Nesse sentido, pode-se citar, por exemplo, a criação do ombudsman bancário, mecanismo que já vem sendo considerado há algum tempo como forma de desafogar os tribunais judiciários [3], que estão sempre superlotados de processos que envolvem instituições financeiras, litigantes que só perdem, em número de causas, para a União.

Experiências exitosas com a criação e o desenvolvimento de estratégias de desjudicialização desse tipo podem ser ampliadas e utilizadas em outros setores que também sofrem com o excesso de litígios judicializados.

Por outro lado, para além dessas alternativas de desjudicialização propostas, é imprescindível também repensar a própria estruturação do Poder Judiciário, de forma a aumentar a especialização dos juízos de primeiro grau e dos tribunais de segunda instância: a especialização não apenas aumenta a eficiência, mas também contribui para uma maior previsibilidade das decisões judiciais e uma maior estabilidade da jurisprudência, que são pilares fundamentais da tão desejada segurança jurídica.

Com efeito, a especialização é uma estratégia de organização judiciária que tem o objetivo de aumentar a qualidade técnica das decisões, diminuir o prazo de julgamento dos processos e aumentar o grau de segurança jurídica dos precedentes.

No entanto, a especialização não é uma panaceia. Ela deve ser utilizada com cautela, tendo-se em vista os riscos de enviesamento e captura.

De uma forma geral, a especialização produz melhores resultados quando aplicada em disputas que apresentem um grau elevado de complexidade processual, incluindo o detalhamento da regulação aplicável, a quantidade de partes envolvidas e a dificuldade de produção e apreciação das provas.

A despeito de outras áreas que poderiam ser objeto de especialização, duas deveriam ter preferência no atual cenário brasileiro: varas de direito empresarial e varas de improbidade administrativa.

As varas de direito empresarial são um elemento fundamental para o desenvolvimento econômico. Parte significativa dos problemas identificados pelos agentes econômicos no mercado brasileiro, expresso em indicadores do Banco Mundial, do Fórum Econômico, da Heritage Foundation e outras instituições internacionais, está associada a dificuldades de ordem procedimental.

A criação de uma rede de magistrados especializada em disputas empresariais com jurisdições entendidas sobre as regiões judiciárias dos principais centros econômicos, será capaz de trazer maior segurança jurídica ao mercado e reduzir sensivelmente os riscos e os custos do investimento.

Menos de 100 juízes especializados estrategicamente posicionados seriam suficientes para cobrir mais de 80% das áreas onde está concentrada a atividade empresarial. Um investimento reduzido quando comparado ao benefício potencial.

O mesmo pode ser dito das varas especializadas em improbidade administrativa. Há estudos que comprovam a ineficiência do foro privilegiado. No entanto, caso as ações hoje concentradas nesses foros sejam dispersas nas milhares de varas não especializadas das Justiças Estadual e Federal, há risco considerável de que essas ações se percam na ineficiência geral do Poder Judiciário.

Daí a necessidade de criação e treinamento de uma rede de juízes especializados em crime organizado, com ênfase em delitos financeiros e contra a Administração Pública, com competência conjunta para julgamento de causas cíveis e penais.

Além de envolverem processos complexos, essas duas especialidades coincidem com gargalos de retenção de investimentos no país, que, uma vez superados,  gerarão benefícios com um amplo efeito multiplicador sobre a ação de todos os agentes da iniciativa privada e do Poder Público.

Finalmente, a política de custas e sucumbência é outra questão que precisa ser repensada urgentemente: a facilidade de obtenção da gratuidade do acesso aos juízos e tribunais brasileiros é um fator que estimula uma litigância desarrazoada, sendo uma das principais causas da já mencionada hiperjudicialização dos conflitos em nosso País.

Assim, entendemos que a atual política de custas e sucumbência deve ser revista com três objetivos: barreira de entrada para casos frívolos, custeio da Justiça e garantia de acesso ao Poder Judiciário aos mais pobres.

Há indícios de que a política de gratuidade judiciária se mostra muito genérica e foi capturada por parcelas mais abastadas da população, que poderiam pagar pelo serviço. Ao mesmo tempo, as parcelas mais pobres da população ainda possuem dificuldade de acessar o Poder Judiciário, continuando alijadas das formas institucionais de resolução de conflitos.

Como resultado, temos um cenário desolador: uma Justiça congestionada de causas frívolas com valor irrisório, lenta e elitizada. Racionalizar a política de custas e sucumbência é, portanto, essencial para reduzir o congestionamento dos tribunais.

Tal objetivo pode ser atingido através da definição de critérios objetivos para a concessão de benefícios de gratuidade e diferimento em três níveis: fixar um conceito objetivo de pobreza em sentido jurídico, definir o meio de prova dessa condição e estabelecer como regra a compensação das verbas sucumbenciais contra os créditos obtidos no processo.

Um possível caminho para resolver esse ponto, aproveitando elementos já discutidos pelo Congresso Nacional e implementados por parte dos juízes, é generalizar as soluções da recente reforma do processo trabalhista para todas as ações das Justiças Estaduais e da Justiça Federal.

Com isso, seriam considerados pobres em sentido jurídico apenas as pessoas físicas que percebem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, a ser provado através da apresentação da declaração de renda perante a Receita Federal.

Além disso, a regra passaria a ser o diferimento do pagamento de custas e despesas, ao invés da concessão de gratuidade irrestrita, que passariam a ser compensadas contra eventuais créditos obtidos ao final do processo.

Capítulo 7

Conclusão

Todas as propostas desse texto são absolutamente factíveis e relativamente simples de serem implementadas, e uma vez postas em prática representarão uma imprescindível redução da burocracia estatal.

Ademais, o momento não poderia ser mais propício, uma vez que se avizinha o início de um novo governo federal que teve, como pedra fundamental da sua campanha, o discurso da diminuição do Estado e da desburocratização.

 

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[1] https://www.whitehouse.gov/presidential-actions/presidential-executive-order-reducing-regulation-controlling-regulatory-costs/.
[2] https://en.wikipedia.org/wiki/Red_tape
[3] https://www.jota.info/jotinhas/fgv-stj-e-febraban-discutem-papel-de-ombudsman-em-resolucao-de-conflitos-11092016.