Quem nunca ouviu falar em Guilherme Boulos (Psol-SP), Marina Silva (Rede-SP), José Serra (PSDB-SP), Beto Richa (PSDB-PR)? Ou no ex-procurador da República Deltan Dallagnol (Podemos-PR), no jogador de vôlei Maurício Souza (PSL-MG), no jornalista Marcos Uchôa (PSB-RJ), nos cantores Netinho (PL-BA) e Belo (PL-RJ) e no ator José de Abreu (PT-RJ)? Estes são apenas alguns dos candidatos a deputado federal que concorrem com a aposta de serem “puxadores de votos”, nomes que, com uma votação muito expressiva, acabam levando consigo para a Câmara dos Deputados outros candidatos do partido que tiveram a benção de muito menos eleitores.
Exemplos clássicos, recentes e famosos de puxadores de votos são os atuais deputados Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Joice Hasselmann (PSDB-SP) que, de carona na popularidade do atual presidente da República, se elegeram com, respectivamente, 1,8 milhão e 1 milhão de votos em 2018 surfando na onda do bolsonarismo. Na época no PSL, eles ajudaram a eleger, por exemplo, o deputado do mesmo partido Guiga Peixoto, que obteve naquele ano apenas 31.718 votos
Em 2022, os dois estarão de volta e seguem como apostas de suas respectivas legendas. Enquanto Hasselmann migrou para o PSDB após divergência com Jair Bolsonaro, o filho “zero dois” do presidente vai disputar novamente a vaga de deputado pelo PL, novo partido do pai, e que acomodou vários aliados bolsonaristas.
O partido do presidente também vai apostar em Carla Zambelli, fiel aliada do presidente, e no comediante Tiririca, que vem batendo recordes de votação desde que se elegeu pela primeira vez, em 2010.
Há vários outros candidatos a deputado federal nos quais os partidos estão apostando suas fichas. Um deles é um dos filhos do governador Eduardo Campos, Pedro Campos (PSB-PE), com quem o PSB conta para puxar consigo ao menos outros dois nomes em Pernambuco. Pedro Campos é irmão de João Campos, atual prefeito do Recife, também do PSB.
Ele terá que disputar com a prima Maria Arraes (Solidariedade-PE), irmã da candidata ao governo no estado, Marília. O presidente do partido, o deputado federal Paulinho da Força (SP), acredita que Maria tem potencial para ser uma das mulheres mais votadas do país para a Câmara, com mais de 200 mil votos.
O Solidariedade também está apostando em outro nome que ficou popular como “pastor do Lula”, ou “pastor do PT”. O pastor Paulo Marcelo, que vai disputar uma vaga por São Paulo, vem comandando uma série de iniciativas para aproximar o PT dos evangélicos.
As estratégias partidárias para eleger o maior número de deputados possível são variadas e, por isso, cada sigla tem um quadro e um cardápio específico para apresentar ao eleitor. Mas especialistas e interlocutores das legendas concordam que a dinâmica da eleição de 2022 é diferente da de 2018.
“Um cantor, um ator famoso, um outsider tinha muito mais espaço em 2018 do que agora”, disse ao JOTA o cientista político Antonio Lavareda. “A eleição de promotores, juízes, militares, delegados, tudo o que estava associado ao sistema de Justiça, eram elementos que estavam em voga naquela eleição, marcada pelo auge da Operação Lava Jato.”
Segundo Lavareda, em 2018, a eleição foi “crítica” e, neste ano, foi “devolvida a um ambiente de normalidade”. “Em 2018, a crise econômica, turbinada pela Lava Jato, a deslegitimação do sistema político, ainda com o componente do impeachment e a impopularidade do presidente substituto, propiciaram o ambiente para a eleição de muitos outsider, jovens candidatos”, explicou o especialista.
No lugar de nomes que prometiam revolucionar a política, muitos partidos estão preferindo apresentar quadros tradicionais, conhecidos e por uma carreira consolidada.
O PSDB, por exemplo, está apostando em seus quadros de peso e tradição. Além de Serra e Richa, a equipe política do partido espera que Aécio Neves (MG) tenha pelo menos 100 mil votos, dobrando a preferência que alcançou em 2018, quando estavam no auge os escândalos contra ele na Lava Jato.
O PT também seguirá essa mesma linha em alguns locais, Minas um deles, onde a legenda tem a intenção de lançar o também ex-governador Fernando Pimentel para puxar votos para a bancada do partido na Câmara.
Por que candidatos a deputado federal bem votados puxam colegas?
A tática do puxador de voto funciona porque, no Brasil, o sistema de votação que elege deputados e vereadores é proporcional. É diferente do voto majoritário — válido para prefeito, governador, presidente e senador —, quando a preferência de cada eleitor corresponde diretamente ao candidato. No proporcional, primeiro se descobre quais foram os partidos mais votados e, em seguida, verifica-se entre as siglas que atingiram o mínimo de votos, quem foram os candidatos a deputado federal melhor posicionados. Dessa forma, é feito um quociente. Dos 513 deputados eleitos em 2018, só 27 atingiram o quociente eleitoral.
Para Lavareda, essa sistemática é problemática, pouco transparente e de difícil compreensão para o eleitor. “As pessoas, teoricamente, deveriam escolher um nome, mas a votação para o Legislativo não tem nada a ver com uma escolha racional”, comentou o especialista. “Isso introduz uma dificuldade de compreensão. Aí aparece um Tiririca, que leva com ele mais dois candidatos a deputado federal do partido que o eleitor nem sabe quem são e às vezes nem gosta. Mas as pessoas não sabem como isso acontece.”
É por conta dessa dinâmica em que um candidato a deputado federal com mais votos puxa outros políticos com menos que o União Brasil ainda não desistiu de tentar convencer o ex-juiz Sergio Moro a concorrer a uma das vagas de deputado, agora pelo Paraná. De acordo com um interlocutor da legenda, que atualmente é a quarta maior da Câmara, o ex-ministro da Justiça de Bolsonaro ainda insiste em disputar o Senado. “Mas enquanto a candidatura não for registrada, vamos trabalhar para isso, afinal, ele disse que estava à disposição do partido”, afirmou ao JOTA um dos dirigentes da sigla que tem conversado com Moro.
Eleger uma bancada de deputados grande é importante para conquistar cargos-chave na Casa, como presidência em comissões, tempos de fala no plenário, e até mesmo negociar relatorias de propostas.
Mas o tamanho da bancada tem sido essencial também para garantir a existência dos partidos, devido à cláusula de barreiras. Aprovada em 2017 pelo Congresso e valendo desde a eleição 2018, a regra estabelece um percentual mínimo de votos para que os partidos tenham acesso aos recursos do fundo partidário e ao tempo de propaganda de rádio e televisão.
Os critérios determinam que, para ter acesso a esses aparatos, as legendas precisam alcançar, pelo menos, 2% de votos válidos em 9 estados e, em cada um deles, ter ao menos 1% de votos. As siglas que não alcançarem essa meta terão direito apenas ao fundo eleitoral, usado para financiar campanhas. Em 2018, nove partidos não atingiram a meta da cláusula de barreiras: DC, PCB, PCO, PMN, PMB (Brasil35), PRTB, PSTU, PTC e Rede.
Hoje 23 legendas atualmente têm representatividade na Câmara, mas, na visão de Lavareda, a cláusula de barreira deve reduzir esse número para menos de 20.