
Desde julho, estão em consulta pública alterações nas regras de precificação de medicamentos. A proposta é da Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade do Ministério da Economia e alteraria regulação hoje tratada na Resolução 2/2004 da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED), órgão interministerial.
Segundo a Secretaria, o objetivo é ampliar a oferta de medicamentos e novas tecnologias no mercado brasileiro. A discussão sobre a necessidade de haver mudanças nessa etapa regulatória, que antecede a comercialização de qualquer medicamento, já se arrasta há anos. No entanto, a preocupação da indústria farmacêutica é que a proposta não saia do papel. Essa consulta pública se encerra no final de setembro. Após esse período, o texto final poderá ser publicado.
A CASA JOTA discutiu a proposta da Secretaria, as demandas da indústria e as necessidades dos pacientes em live nesta segunda-feira (23/8). O evento foi patrocinado pela PTC Therapeutics.
“A norma de precificação é antiga, quando a realidade era muito diferente e era importante abrir mercado para medicamentos genéricos, incorporar tecnologias. A modelagem atendia muito bem naquele período, mas não atende mais hoje”, afirmou Andrey Villas Boas de Freitas, subsecretário de Advocacia da Concorrência da Secretaria.
“Não temos elementos suficientes para precificar essas tecnologias adequadamente. Isso cria uma enorme dificuldade para o medicamento chegar aos pacientes. Além disso, se tem trabalhado preços considerando a incorporação pelo sistema de saúde. A maior fonte de divergência com o Ministério da Saúde é decorrente disso”, completou.
De acordo com ele, o objetivo do Ministério da Economia com a proposta é criar uma modelagem de precificação que dinamize o mercado e, com isso, facilite a comercialização e também a incorporação de novos medicamentos pelo sistema de saúde.
“Temos visto uma série de medicamentos adiando a entrada, ou chegando via judicialização, ou tendo precificação inadequada e que só serve para uma parcela da população. Hoje, o que pretendemos é chegar a um modelo de precificação de medicamentos que ajude o setor funcionar com pesquisa, concorrência e desenvolvimento da indústria nacional”, pontuou.
Desde que a proposta começou a ser gestada, uma possibilidade em debate é a possibilidade de haver uma fase de transição até a adesão de novas normas, como um sandbox regulatório.
“Essa é uma discussão em construção. O Ministério da Economia não tem modelagem técnica preferida; entendemos que se há incentivos econômicos é possível funcionar”, afirmou Freitas.
Para Bruno Abreu, diretor de mercado e assuntos jurídicos do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma), a precificação inadequada, visando à incorporação pelo sistema, gera desinteresse das farmacêuticas.
“Dar um preço de entrada completamente dissociado da realidade inviabiliza a comercialização, porque isso impacta o mercado global, já que todo o mundo referencia outros países na regra de preços”, analisou Abreu.
Em outras palavras, sob essa ótica, aceitar comercializar um medicamento com precificação abaixo do esperado impactaria não apenas as vendas no Brasil, mas possivelmente em outros países.
“Contaminamos a precificação de entrada de um medicamento pensando lá na frente, na incorporação pelo sistema de saúde”, disse o diretor de mercado, completando: “A discussão tem que estar também no financiamento, isto é, como esse produto vai entrar a um preço justo no sistema”.
Em última instância, essa discussão impacta pacientes, sobretudo os de doenças raras, que acompanham a recente criação de novos tratamentos. Amira Awada, vice-presidente do Instituto Vidas Raras, afirmou que a demora no processo de precificação e incorporação leva pacientes à piora clínica.
“Se as regras não acompanham as inovações tecnológicas, os pacientes não são tratados como poderiam. O que hoje acontece é que a regulação da CMED é comparativa, então, se já há um medicamento disponível, o preço da nova tecnologia será baseado na anterior. Isso leva à judicialização para obter melhor tratamento”, explicou Awada.