O juiz substituto Thomaz Moreira Werneck, da 36ª Vara do Trabalho de São Paulo, condenou duas empresas a indenizarem em R$100 mil uma auxiliar de limpeza que, ao limpar um vestiário, deparou com um homem nu. Para Werneck, a empresa deveria ter adotado cautelas para evitar o dano, “algo simples, como uma placa, uma campainha, uma tranca”.
A funcionária, que atuava como auxiliar de limpeza terceirizada no centro de distribuição da importadora do ramo têxtil , conta que entrou no vestiário para fazer a limpeza e, em um primeiro momento, ele estava vazio. Afirma que colocou uma placa com os dizeres “chão molhado” na porta do vestiário e foi buscar produtos de limpeza.
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Segundo a auxiliar, quando retornou ao vestiário, encontrou um homem nu. Ela conta que saiu rapidamente do ambiente, mas que ele teria dado risada e, depois, ameaçou agredi-la fisicamente.
A mulher registrou o boletim de ocorrência da ameaça de agressão e reportou o episódio ao RH, que afirmou que a culpa era sua e que era ela quem deveria pedir desculpas. A auxiliar afirma que a empresa apenas a retirou do posto onde estava trabalhando.
A empresa, em sua defesa, sustenta que o homem entrou no vestiário masculino antes da presença da auxiliar de limpeza, ou seja, não era possível que ele soubesse que a mulher entraria lá depois dele. Sustenta que o vestiário é exatamente um local para realizar troca de roupa, não restando nenhuma prova que a funcionária tenha batido na porta ou avisado que estava entrando no local.
Para a empresa, a funcionária “há de ser severamente punida para que se abstenha de requerer verbas que não lhe são devidas”. Argumentam que a auxiliar “está tentando subestimar a nossa inteligência”. Se realmente a auxiliar entrou no vestiário sem avisar e encontrou o homem nu, “somente ela – Reclamante, foi quem teve conhecimento dos fatos. Ninguém na empresa teve conhecimento do incidente”, afirma na contestação.
Ao julgar o caso, o juiz substituto Thomaz Moreira Werneck entendeu que a empresa, ao pedir a punição da auxiliar, “reitera um comportamento inadequado e arraigado na sociedade de culpabilizar a vítima, o que agrava ainda mais a situação”. Continua: “seus atos e alegações agravam a sua conduta e exigem uma reparação ainda maior para que a indenização atinja sua finalidade pedagógica,visando estimular a adoção de uma conduta mais responsável”.
O magistrado afirma que se a empresa tivesse acolhido a auxiliar, reconhecido as fragilidades de seus protocolos e treinamentos, e implantado novas técnicas para tornar o ambiente de trabalho mais adequado, a ocorrência de retratação espontânea e o esforço efetivo para minimizar a ofensa certamente seriam considerados a seu favor. Para Werneck, a companhia “em vez de enxergar a realidade, procura caracterizar o fato como um absurdo e, ao fazer isso, demonstra seu descompromisso com o desenvolvimento de um ambiente de trabalho saudável e respeitoso”.
O juiz levou em conta, no julgamento, o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero. Para Werneck, a “imagem da Justiça como uma Deusa de olhos vendados (Themis) deve representar a imparcialidade, não uma cegueira deliberada que só favorece os mais fortes”.
O magistrado considerou que a defesa da empresa também não negou os fatos e tentou naturalizá-los ao dizer que o vestiário é um lugar para trocar de roupas e que a funcionária não teria batido na porta. “A questão não é exatamente essa, mas sim se a empresa instituiu protocolos ou treinou a reclamante para adotar precauções antes de entrar nos vestiários. Se a auxiliar de limpeza fosse a filha ou irmã de algum sócio, provavelmente ela não seria a responsável pela limpeza do vestiário masculino e, se fosse, alguns protocolos seriam instituídos para prevenir o seu contato com homens nus. Algo simples, como uma placa, uma campainha, uma tranca. Mas quando isso ocorre com uma pessoa estranha à família, negra e pobre, nada disso parece necessário aos seus olhos. É o famoso ditado: ‘pimenta nos olhos dos outros é refresco”, ressalta o juiz.
Werneck reitera que as companhias processadas “realmente acreditam que é somente a reclamante quem deveria adotar as cautelas necessárias para evitar o dano, quando, na verdade, são as empresas que devem cumprir e fazer cumprir as regras necessárias para desenvolvimento de um ambiente de trabalho saudável (artigo 157 da CLT), não apenas do ponto de vista físico, mas também mental”.
Para o magistrado, a empresa deveria direcionar os auxiliares de limpeza homens para a limpeza dos vestiários masculinos e as mulheres para os femininos. Se essa situação não fosse possível, campainhas poderiam ser instaladas para indicar que o vestiário deve ser esvaziado antes da entrada da pessoa responsável por sua limpeza. “Ainda poderia ter uma chave na porta ou algum outro tipo de barreira intransponível para que ninguém entrasse durante o período em que a atividade estivesse sendo executada. Algo simples, com custo baixíssimo e com alto grau de efetividade”, afirma.
O processo tramita com o número 1001096-74.2022.5.02.0036.