Dois participantes do grupo criado pelo Ministério da Economia para discutir mudanças nas regras de patentes no país abandonaram a iniciativa na última semana, em protesto contra a forma de condução dos debates.
O primeiro a anunciar o desligamento foi o Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual (GTPI) que congrega organizações da sociedade civil, movimentos sociais e especialistas em propriedade intelectual e acesso a medicamentos. No comunicado, o GTPI afirmou que o espaço criado pelo governo não era democrático, não buscava encontrar soluções técnicas para problemas reais e apresentava um “viés explícito em favor de interesses transnacionais”.
Na quinta-feira (20/10) foi a vez da Associação Nacional dos Pesquisadores em Propriedade Industrial (ANPESPI) , que reúne servidores do Instituto Nacional de Propriedade Industrial, se afastar. “Os trabalhos não foram conduzidos de forma a proporcionar o debate. Um tema como esse, que traz reflexos para toda sociedade, não pode ser tratado de forma atabalhoada”, afirmou ao JOTA o presidente da ANPESPI, Maurício Almeida.
Coordenador do GTPI e integrante da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids, Felipe Fonseca tem avaliação semelhante. “Apresentamos, por exemplo, relatório, com justificativas, referências técnicas, experiências internacionais e pouca atenção foi dada. Para nós, ficou claro que o objetivo do Ministério da Economia era usar a participação da sociedade civil e outros atores para legitimar uma mudança regulatória com consequências negativas para o acesso à saúde.”
Batizado de Diálogos Técnicos, o grupo criado pelo Ministério da Economia tem até novembro para apresentar uma proposta de atualização das regras de patentes no país. As discussões tiveram início em julho e foram divididas em temas, como patenteabilidade, prazos de patentes e estímulo de patenteamento. A expectativa é a de que os resultados sejam usados para subsidiar projetos que estão em tramitação no Congresso Nacional.
Para Fonseca, há clara tendência no Diálogos para criar mecanismos de compensação para atrasos na avaliação de pedidos de patente, por parte do INPI. A extensão do prazo de patentes foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em 2021.
Seres vivos
Tanto Fonseca quanto Almeida citam que ganha espaço no GTPI a corrente que trabalha pela liberação do patenteamento de microorganismos e partes de seres vivos. Atualmente, o patenteamento de células, embriões e extratos é proibido. “Há discussão sobre a possibilidade de se patentear métodos terapêuticos e de diagnóstico, o que seria um enorme prejuízo para a proteção da saúde e da biodiversidade”, diz Fonseca.
Em nota, o Ministério da Economia repudiou o que considerou como graves acusações contra a equipe e afirmou que todos os esforços foram feitos para garantir o debate técnico.
Disse ainda lamentar a decisão e, caso a entidade tenha interesse em retornar ao grupo, portas estarão abertas.
Diretora jurídica da Interfarma, Ana Carolina Cagnoni elogiou os trabalhos realizados pelo ministério. Afirmou que todos os encontros são gravados e disponibilizados, o que garante bastante transparência nas discussões. Disse ainda haver espaço para o contraditório.
Procurado, o grupo FarmaBrasil disse que está avaliando o posicionamento do GTPI para se manifestar.