STF

A pauta da presidente Cármen Lúcia

Nestas sessões de quarta e quinta, temos as primeiras duas pautas escolhidas pela nova Presidente

14/09/2016|12:41
Atualizado em 20/12/2016 às 22:49
Crédito: Antonio Cruz/ Agência Brasil

O Supremo tem sido sitiado por um número crescente de casos novos. Como adaptação patológica do tribunal neste cenário, temos variações de um mesmo tema: a individualização e monocratização crescente das decisões, com mais de 95% dos casos sendo resolvidos pela ação exclusiva de um gabinete de um único ministro. Estatisticamente, ter seu processo decidido pelo plenário ou por uma das turmas é uma espécie de privilégio. Em especial, estar na pauta do plenário é um bem escasso, controlado pela ação combinada dos relatores e do presidente do tribunal.

Relatores precisam liberar seus processos para a pauta, mas é o Presidente quem decide incluí-los em uma sessão específica – e quem os chama para julgamento, de fato, no dia da sessão. Nestas sessões de quarta e quinta-feira, temos as primeiras duas pautas escolhidas pela nova Presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia.

São suas primeiras escolhas. Podem ser declarações de intenções. O que nos sinalizam sobre as prioridades da ministra na condução da pauta do Supremo daqui para frente?

Primeiro, há um processo envolvendo uma relevante questão de gênero. Um recurso extraordinário em que se discute se é constitucional exigir, em todo contrato de trabalho, que mulheres tirem 15 minutos de intervalo antes de trabalhar qualquer hora extra. Muito antes de assumir, a ministra Cármen Lúcia expressou em diversos momentos sua preocupação com essas questões. Essa não é uma consequência natural de ser uma ministra mulher. Ao contrário, no caso de Cármen Lúcia, reflete um engajamento deliberado de enfrentar e trazer problemas de gênero para a luz do dia – ou, no caso, para o Plenário do Supremo.

Segundo, há diversos processos envolvendo direitos sociais – o direito à saúde (concessão de medicamentos) e direitos trabalhistas. Em especial, a Presidente pautou um processo sobre as implicações jurídicas da contratação de empresas terceirizadas no âmbito da administração pública. São problemas situados na interface entre os direitos fundamentais e a situação econômica nacional, em torno dos quais há grande debate público no momento.

Essa é uma agenda que converge com a polêmica em torno de algumas das propostas de reforma do governo Temer. Não se sabe qual será a posição do Supremo com relação a essas questões. O mero fato de terem sido pautadas, porém, pode ser lido como uma mensagem dupla. Tanto para o governo, quanto para a sociedade, pode ser uma sinalização: vamos acompanhar os grandes debates sobre as reformas econômicas importantes postas na mesa. As propostas do governo com impacto em direitos sociais não serão recebidas em silêncio pelo Supremo.

Aqui, há um contraste com o Supremo de outros tempos - sobretudo nos anos 90, mas com vestígios visíveis até os dias de hoje. Um tribunal que se permitia ser um instrumento passivo de governabilidade ao ficar o longamente silente sobre os impactos de grandes reformas - como no caso dos expurgos inflacionários e as cadernetas de poupança.

Decidir enfrentar uma questão, é claro, nada nos diz sobre como o tribunal se comportará, no mérito -- se atuará mais um ponto de veto, ou mais como um legitimador e facilitador das eventuais reformas. E, mesmo com relação à mera decisão de decidir, ainda é cedo para ver aqui uma tendência. Até porque, no caso, espera-se também da nova Presidente um esforço maior de transparênciaprevisibilidade e institucionalização na construção da pauta – e qualquer passo nessa direção acaba reduzindo, na prática, o hoje absoluto poder do Presidente de escolher a agenda do tribunal. Quando mais se institucionalizar e limitar o arbítrio da pauta, medida que conta com apoio inclusive de alguns ministros do próprio Supremo, menos margem de manobra Cármen Lúcia terá para promover suas próprias prioridades.

Mesmo assim, essas primeiras pautas já enviam mensagens, que podem ou não ser reiteradas no futuro. De um lado, a Presidente já utilizou seu poder de escolha para voltar a atenção do tribunal para uma questão constitucional que é uma de suas prioridades – a igualdade de gênero. De outro, também mostrou sensibilidade à agenda que a realidade política atual está impondo à opinião pública, e em relação à qual a sociedade precisará de respostas rápidas. Serão essas algumas das marcas da gestão de Cármen Lúcia nos próximos dois anos?logo-jota