
Em ambientes de baixa transparência e integridade, o lobby pode ser um instrumento de influência indevida em políticas públicas. Não é diferente com aquelas necessárias para o enfrentamento das mudanças climáticas, em que atividades de lobby podem contribuir, por exemplo, para a aprovação de leis e subsídios fiscais que mantenham fontes fósseis em nossa matriz energética ou impedir a adequada aplicação da legislação ambiental, abrindo espaço para o desmatamento ilegal e outros crimes ambientais que provocam emissões de gases de efeito estufa.
Esses dois temas – a regulamentação do lobby e a proteção do clima – estão postos, hoje, na agenda brasileira. O primeiro, pela possibilidade de o Congresso Nacional, em breve, se debruçar sobre o PL 4391/2021,[1] apresentado pelo Executivo; e o segundo, pela expectativa que o governo recém-eleito reverta os retrocessos na governança ambiental e climática promovidos nos últimos anos.
Nesse sentido, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, é esperado em Sharm el-Sheikh, no Egito, onde lideranças internacionais estão reunidas para a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP27)[2], que acontece até o próximo dia 18. O objetivo do encontro é debater os esforços globais voltados ao enfrentamento da mudança do clima, o desafio mais complexo e urgente da humanidade.
Para estabilizarmos o aquecimento médio global em até 1,5°C, como definido no Acordo de Paris, aprovado em 2015, é necessária uma redução drástica das emissões de gases de efeito estufa nos próximos anos. Com espaço para se tornar ainda mais ambicioso, o compromisso atual do Brasil, por exemplo, é o de reduzir suas emissões em 50% até 2030 e alcançar a neutralidade climática até 2050[3].
Mesmo com esses esforços de redução das emissões (também chamada de mitigação), precisamos nos adaptar aos efeitos já presentes das mudanças climáticas e que serão cada vez mais frequentes e intensos, como as secas, as enchentes, as ondas de calor e a elevação dos níveis do mar.
Para que tudo isso ocorra, é necessário garantir um conjunto amplo de normas e políticas públicas alinhadas ao enfrentamento das mudanças climáticas, o que precisa ocorrer em diversos setores, tais como florestas, agropecuária, energia, transportes, planejamento urbano e infraestrutura. Tais iniciativas devem promover transformações profundas na forma como produzimos, consumimos, transportamos, utilizamos o solo e realizamos obras em nosso país e em todo o mundo.
Com tantas mudanças esperadas, algumas delas já em curso, é natural que diversos grupos de interesse busquem, por meio de atividades de lobby, influenciar as decisões públicas relacionadas à agenda climática.
O lobby é atividade legítima e intrínseca ao regime democrático. Ele permite aos diferentes setores da sociedade – empresas, sindicatos, organizações não governamentais – expressarem suas preferências junto ao poder público. Pode, inclusive, aprimorar as políticas públicas, dado que essa interação permite aos tomadores de decisão terem acesso a informações e opiniões sobre determinado tema.
Há um problema, entretanto, quando o lobby ocorre em um ambiente de baixa transparência e desprovido de mecanismos robustos de integridade. Nesse caso, esta atividade pode implicar em decisões voltadas a interesses específicos, muitas vezes em detrimento do interesse público mais amplo. Esse contexto também abre espaço para que tais atividades possam ser acompanhadas de práticas de corrupção, quando atores mal-intencionados utilizam recursos financeiros e a oferta de outros tipos de vantagens para a obtenção de ganhos privados[4].
No Atlas de Clima e Corrupção, recém-lançado pela Transparência Internacional – Brasil, são apresentados dez casos de corrupção que afetaram os esforços de mitigação, de adaptação e de financiamento da agenda climática no país. Muitos desses casos foram viabilizados por relações pouco transparentes e nada íntegras entre agentes públicos e privados.
Nesse contexto, regulamentar o lobby fará bem ao clima. Uma boa norma e sua adequada implementação têm o potencial de contribuir com a agenda climática ao possibilitar decisões mais equilibradas e alinhadas ao interesse público de promoção da sustentabilidade ambiental e climática, ao aumentar o escrutínio sobre as relações entre agentes públicos e privados e ao reduzir as oportunidades de corrupção e de influência indevida associadas às atividades de lobby[5].
Para que tais benefícios ocorram, a regulamentação do lobby no Brasil deve estar alinhada às melhores práticas sobre o tema, como aquelas previstas nas recomendações da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e na legislação da União Europeia.
Isso deve incluir, por exemplo, o registro das interações entre agentes públicos e representantes de grupos de interesse, com a divulgação dos participantes, data da interação, interesses defendidos e documentos eventualmente entregues. Os dados dessas interações devem ser atualizados, em formato aberto e disponibilizados por meio de um sistema integrado, potencializando o uso e cruzamento das informações. Por fim, a regulamentação deve também prever uma maior igualdade no acesso dos diferentes atores sociais aos tomadores de decisão e ao processo decisório como um todo.
Nessa direção, a aprovação do Projeto de Lei 4.391/2021, apresentado ao Congresso Nacional pelo Executivo Federal, que visa regulamentar a representação de interesses privados junto a agentes públicos, é um instrumento potencial para os esforços de enfrentamento das mudanças climáticas. Para isso, no entanto, é necessário que o projeto de lei contemple, dentre outras, as boas práticas acima descritas. Além disso, dada a sua relevância, o texto não deveria tramitar de forma açodada e sem um amplo debate com a sociedade, como infelizmente tem sido a prática na Câmara dos Deputados.
Mesmo com a lacuna de uma regulamentação federal, estados e municípios podem, desde já, contribuir com o tema, por meio da criação de normas próprias e da implementação de boas práticas. Porém, trata-se ainda de um esforço incipiente.
Por meio do Índice de Transparência e Governança Pública (ITGP), também elaborado pela Transparência Internacional – Brasil, constatamos que nenhum estado brasileiro conta com uma regulamentação completa do lobby, apesar de dois estados (Espírito Santo e Minas Gerais) apresentarem normas que preveem, de forma geral e mais ampla, o registro e divulgação da interação entre autoridades estaduais e representantes de grupos de interesse.
A regulamentação do lobby não resolverá todos os desafios relacionados à formulação e à implementação de normas e políticas públicas necessárias para enfrentarmos a crise climática. Existem relações de poder e distintas estratégias de influência indevida que não deixarão de existir. Ela é, porém, uma medida necessária, sem a qual dificilmente teremos sucesso nos esforços para superar esse urgente desafio.