Pandemia

Empresas e reestruturação de dívidas

Problemas atuais exigem medidas atuais

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Crédito: Pedro França/Agência Senado

Segunda-feira, 16 de março de 2020. Talvez para muitos tenha sido o marco do início da quarentena no Brasil. Diversas empresas decidiram adotar o home office. O número de casos no Brasil começava a aumentar progressivamente.

São Paulo já registrava transmissão comunitária e o Ministério da Saúde anunciou a liberação de R$ 432 milhões para estados reforçarem o plano de contingência encaminhado para enfrentar o novo coronavírus, em razão do cenário que se apresentava.

Em menos de uma semana, a transmissão comunitária em todo território nacional já era reconhecida pelo Ministério da Saúde e o Governo Federal decretava o estado de calamidade pública.

Já se passaram quase 90 dias e, nesse período, vivenciamos a ampliação das medidas de isolamento em todo o Brasil, chegando a ser decretado lockdown em diversos estados, e a consequente desaceleração ou mesmo paralisação da atividade empresarial em quase todos os setores da economia.

Em rápida reação, vimos, entre outros:

(i) a Febrabran anunciar prorrogação de vencimento de dívidas por 60 (sessenta) dias;

(ii) o CNJ publicar resolução recomendando para os magistrados (ii.a) a prorrogação do stay period; (ii.b) a possibilidade de apresentação de aditivos a planos de recuperação judicial não homologados; e (ii.c) a impossibilidade de decretação em falência por descumprimento de PRJ;

(iii) diversos magistrados autorizarem medidas de suspensão ou prorrogação de dívidas; e

(iv) inúmeros credores e devedores renegociarem seus contratos, ou, ao menos, para tanto iniciarem tratativas.

Em outras palavras, seja através de interferência do Poder Judiciário, seja por composição direta entre as partes, as distorções eventualmente causadas pela pandemia nas relações contratuais já estão sendo, casuisticamente, solucionadas.

E não poderia ser diferente, não se pode legitimamente esperar do bom gestor atitude diversa à tomada de decisões urgentes para melhor proteger os seus negócios e as pessoas.

De forma concomitante a isto tudo, como que em um universo paralelo, em que os reflexos econômicos do isolamento esperam pela boa vontade do legislativo na edição de medidas de enfrentamento, acumulam-se, sem aprovação, diversos projetos de lei voltados a estabelecer regimes jurídicos emergenciais para o enfrentamento da crise.

Trata-se de flexibilização do pagamento de dívidas, suspensão de obrigações, criação de novos institutos para insolvência (Procedimento de Negociação Preventiva ou Procedimento de Negociação Coletiva) e modificação transitória dos termos da Lei de Recuperação Judicial, Extrajudicial ou Falências, dentre tantos outros.

Fato é que até hoje nenhum destes projetos se tonou lei. Nenhum.

O cenário se torna ainda mais preocupante ao se observar que tais medidas se presumem editadas à época da instalação da pandemia, ou seja, aproximadamente noventa dias atrás.

Exemplo claro é o PL 1.397/20. Protocolado em 1º de abril de 2020 pelo deputado Hugo Leal, foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 21 de maio de 2020 e, há vinte dias encaminhado ao Senado, sequer teve relatoria definida.

O PL prevê a suspensão das ações judiciais, de natureza executiva que envolvam discussão ou cumprimento de obrigações vencidas após a data de 20 de março de 2020, bem como ações revisionais de contrato, pelo prazo de:

(i) 30 (trinta) dias para todos os agentes econômicos (Suspensão Legal); e

(ii) 90 (noventa) dias para os que requererem este prazo para negociar perante o Poder Judiciário (Negociação Preventiva).

E, para todas as empresas que estão em recuperação judicial ou extrajudicial, a ausência de exigibilidade pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias das obrigações previstas nos respectivos planos já homologados.

Além destes prazos, permanecem vigentes os termos do art. 6º, da Lei nº 11.101/2005, que suspende por 180 (cento e oitenta) dias o curso das ações e execuções, contatos da data do deferimento da recuperação judicial, deduzidos, em tese, os prazos utilizados pelo devedor quando da Suspensão Legal e da Negociação Preventiva.

Em outras palavras, além da flexibilização estimulada pela Febrabran e pelas orientações do CNJ, das decisões proferidas por diversos juízos e da renegociação realizada pelas próprias partes, o Legislador, de forma um tanto genérica, pode impor novas suspensões de 30, 90, 120, 180 dias ou muito mais – considerando as flexibilizações do prazo feito por alguns juízos do prazo previsto no art. 6º, da Lei nº 11.101/2005 – das obrigações dos devedores em face dos seus credores.

Um completo desrespeito a todos os avanços alcançados no seu período de sua inércia, podendo ter como consequência, caso seja aprovado, um forte impacto em nossa economia, em especial por permitir novos prazos de carência além do convencionado pelas próprias partes ou já determinados por juízo competente.

Sem dúvidas, em momento como este, é preciso que o Estado ajude não só as pessoas, mas também as empresas. É preciso estimular ao desenvolvimento da atividade empresarial, a manutenção dos empregos e a geração de renda.

Mas não como proposto no PL 1397/20 e em tantos outros. O caminho poderia ser feito adequando pontualmente institutos já consagrados em nosso ordenamento jurídico, como o da recuperação extrajudicial e judicial.

A sensação que temos é que projetos de lei como este podem muito mais afastar as partes do que aproximá-las. E não é isto que precisamos neste momento. Não nos parece que deve ser este o papel do legislador.

Esperamos do legislador mais velocidade, assertividade em relação às reais dores daqueles que foram impactados pela pandemia, observado o momento da implementação da medida proposta.

Atualmente, as empresas precisam é de acesso ao crédito, centrais de negociação, ampliação da utilização de métodos alternativos de resolução de conflitos, mais velocidade para os processos de recuperação judicial e – em especial – falência, mais assertividade no procedimento de recuperação extrajudicial, entre outros.

Todos os Poderes devem se unir para criar soluções e medidas de estímulo à geração de riqueza. Não será suspendendo as obrigações que iremos resolver os impactos da pandemia.