conteúdo patrocinado

SUS pode incorporar medicamento para tratar neuroblastoma em crianças

Terapia elevou as chances de cura de câncer no sistema nervoso de pacientes pediátricos; pedido de incorporação está na Conitec

Arte: Lucas Gomes/ JOTA

Notícia no início do ano, o pedido desesperado de ajuda para o menino Pedro, 5 anos, filho do indigenista Bruno Pereira, assassinado na Amazônia em 2022, expôs mais uma vez a necessidade de melhora em um problema crítico de saúde pública no Brasil: a dificuldade de acesso a tratamentos com potencial para, em alguns casos, aumentar as chances de sobreviver ao câncer. 

Graças ao chamado de ajuda feito por sua mãe, Beatriz Matos, e à colaboração de voluntários, o menino terá mais condições de enfrentar o neuroblastoma em estágio 4, contra o qual está em tratamento. Ela arrecadou R$ 2 milhões para custear o medicamento Qarziba – nome pelo qual está registrado o betadinutuximabe, um imunoterápico que, segundo estudos, é capaz de aumentar as chances de sucesso no tratamento desse tipo raro e agressivo de câncer.

Mas o desafio de acesso a essa imunoterapia continua para a maioria dos pacientes, já que o medicamento ainda não está disponível no SUS. Um pedido de incorporação foi feito pela Recordati, fabricante do medicamento, em 17 de janeiro. 

Agora, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) precisa avaliar a tecnologia e recomendá-la ao Ministério da Saúde. Só assim o tratamento pode ser ofertado na rede pública.

O neuroblastoma

O neuroblastoma é um tumor que se origina nas células do sistema nervoso simpático dos pacientes. No Brasil, a cada um milhão de jovens até 14 anos, nove têm o diagnóstico, segundo a Agência Internacional de Pesquisa em Câncer. E, embora seja um tipo raro de câncer, é o terceiro mais comum entre as neoplasias em crianças – representando cerca de 10% das neoplasias malignas pediátricas. 

De acordo com estudos de incidência, surgem por ano no Brasil cerca de 387 novos casos da doença. Cerca de metade deles é de alto risco, quando pode haver indicação de aplicação da betadinutuximabe como parte da imunoterapia. Dados da literatura científica estimam que haja 53% de chance de cura (aqui, medida pelo desaparecimento da doença no período de cinco anos) para aqueles tratados com betadinutuximabe.

“Quando a única alternativa era o transplante de medula óssea, 30% dos pacientes tinham chances de cura. Hoje, com a imunoterapia a expectativa subiu para cerca de metade para uma criança que tem um quadro muito agressivo. Não temos dúvidas do benefício”, avalia a médica Viviane Sonaglio, líder do Centro de Referência em Tumores Pediátricos e chefe da Pediatria do Hospital A.C. Camargo, em São Paulo. 

Quando adotado no tratamento, a terapia é aplicada por infusão intravenosa, com cateteres, e exige o monitoramento do paciente para que se avalie a evolução das condições de saúde. Por isso, geralmente a criança fica internada por dez dias durante a imunoterapia e outros 25 dias em tratamento domiciliar. Isso é repetido cinco vezes até o fim do tratamento.

Dificuldades no acesso

Apesar da importância do medicamento, como o caso de Pedro e outros demonstram, há probabilidade alta de pacientes não terem acesso ao betadinutuximabe caso não tenham condições financeiras ou campanha de arrecadação. 

Isso porque, como o remédio ainda não foi incorporado ao SUS, o tratamento do ciclo completo com cinco dosagens (uma por semana) pode custar de R$ 1,2 milhão a R$ 1,9 milhão, segundo listas oficiais da Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed).

Há um momento específico para adotar o medicamento: quando o tumor está com a “menor carga possível”, como descrevem os médicos, isto é, depois que o paciente passou por quimioterapia e transplante, por exemplo. Por isso, os médicos já costumam providenciar a compra para que ela aconteça de seis a oito meses após o início do tratamento.

“Tem que usar o medicamento quando a maior quantidade da doença foi tratada, mas ainda existe uma carga residual mínima que é imperceptível aos exames. É essa doença residual que a imunoterapia vai controlar. O objetivo é que ela destrua essas células e que a doença não volte. Por isso, o melhor momento é quando o paciente tem a menor carga possível da doença”, afirma Sonaglio.

Sem a incorporação ao SUS, Sonaglio disse que já perdeu a chance de usar o medicamento para pacientes que precisavam – e que poderiam ter melhores prognósticos de cura. “Já perdemos paciente que precisava e não deu tempo de receber o tratamento”, afirma a médica.

Aprovação pela Anvisa e pedido de incorporação

O betadinutuximabe já foi avaliado por diferentes agências de controle sanitário ao redor do mundo, incluindo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No Brasil, o medicamento foi aprovado em 2021 e precificado pela Cmed no ano seguinte. 

Em março de 2022, o grupo farmacêutico italiano Recordati concluiu a aquisição da britânica Eusa Pharma – empresa que possuía os direitos e licenças sanitárias da medicação, originalmente criada pela biotech austríaca Apeiron. Em novembro do ano passado, o registro do produto no Brasil passou integralmente para a Recordati.

Entretanto, mesmo antes da transferência do registro de Qarziba, a Recordati solicitou reunião de pré-submissão com a Conitec para debater a incorporação da terapia ao SUS. 

A reunião aconteceu em novembro e a Conitec recebeu materiais técnicos preliminares da farmacêutica, que recentemente finalizou o cumprimento de todos os requerimentos técnicos de submissão, como avaliação de estudos clínicos e econômicos para que o pedido de incorporação seja analisado. 

Após o pedido oficial, feito em 17 de janeiro, a Conitec tem até 180 dias para avaliar a proposta. O prazo pode ser estendido por outros 90 dias.

“Estamos trabalhando com o compromisso de construir o acesso público pleno desta imunoterapia, que assumimos publicamente. Caso incorporado, o medicamento integrará as diretrizes de tratamento do SUS para neuroblastoma e beneficiará centenas de crianças que convivem com essa rara e agressiva forma de câncer pediátrico”, afirma Paulo Pinton, presidente da Recordati no Brasil. 

Todo esse processo de incorporação ao SUS, no entanto, poderia ser menos burocratizado e mais acelerado, na visão do advogado sanitarista Tiago Farina Matos. Isso porque ele avalia que a própria avaliação da Anvisa, antes da concessão do registro, já poderia ser acompanhada por uma análise de incorporação ao SUS.

“Estão separando muitas etapas que deveriam ser automatizadas. Se uma nova tecnologia foi registrada na Anvisa prometendo ser revolucionária, não faz sentido uma avaliação posterior na Conitec. Parte da inteligência criada na Anvisa está se perdendo. Está tendo que se fazer toda uma nova análise”, afirmou Matos ao JOTA. “O que não quer dizer que a tecnologia tenha que ser incorporada a qualquer preço”, acrescenta.

Médicos também torcem para que a tramitação e incorporação pelo SUS seja acelerada de alguma forma. “Tem que agilizar. Nós queremos que seja um processo extremamente claro, justo, para que os pacientes que precisam recebam o tratamento, mas precisamos de agilidade. Entre aprovação da Anvisa, precificação da Cmed e incorporação pela Conitec, todo esse processo precisa ser facilitado, e sempre de maneira idônea. Nenhum oncologista está pedindo para trazer medicação que tem ganho de 1%, é muito mais do que isso”, destaca a médica Viviane Sonaglio.

Segundo ela, essa agilidade se justifica não só pela urgência em salvar vidas de quem precisa desse tipo de medicamento, mas também pelas evidências científicas que existem em inúmeros tratamentos já utilizados no exterior, que tiveram a eficácia e segurança comprovados por pesquisas científicas.

“Fora do Brasil tem um avanço científico grande, resultado de grupos sérios de pesquisa, mas não existe a mesma velocidade de aprovação no nosso país. Há um atraso muito grande para incorporar novas terapias que têm resultados bem estabelecidos na literatura médica. Não são medicações que temos dúvidas dos efeitos”, afirmou a médica.

Atualmente, esse tratamento para o neuroblastoma é recomendado por agências internacionais de avaliação de tecnologias de saúde de países como Reino Unido, Escócia, Irlanda, Bélgica, Suécia, Polônia, Austrália, Taiwan e Hong Kong para o tratamento de pacientes com neuroblastoma de alto risco.