

O desenvolvimento de um país pode ser medido pelo seu progresso na área da infraestrutura. A fragilidade em obras fundamentais de transporte, saneamento, telecomunicações e energia afeta a geração de empregos, a competitividade entre negócios e o interesse de investidores. De Norte a Sul, o Brasil enfrenta diversos desafios neste sentido, muito devido a uma questão central: a insegurança jurídica.
Nos últimos anos, a iniciativa privada, em parceria com o governo, tem feito uma imensa diferença no campo da infraestrutura. Contratos de concessão se mostram modelos de sucesso para alavancar a economia nacional. Entretanto, eles demandam estabilidade para atrair empresas de ponta. A profusão de processos na Justiça, além da demora e da alta imprevisibilidade em suas resoluções, espantam investidores e geram um efeito nocivo em cadeia, que acaba no prejuízo da qualidade de vida da própria população.
“Para realizar investimentos tão grandiosos e de longo prazo, o pilar é a segurança jurídica. As companhias precisam saber que as regras do jogo não vão mudar no meio do caminho”, afirma Percy Soares Neto, diretor executivo da Associação Brasileira das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON). “Quando o operador procura o mercado financeiro para conseguir capital para sua obra, serão analisados o ambiente de atuação e os mecanismos para não haver impactos na receita durante a concessão. Os riscos são todos colocados na balança, pois dinheiro não aceita desaforo.”
Decisões judiciais demoradas, confusas e contraditórias podem causar efeitos negativos, abrir precedentes perigosos e colocar em xeque a imagem do país. Um caso recente que causou controvérsia foi o da Linha Amarela, no Rio de Janeiro. Após um desentendimento com a prefeitura sobre o valor do pedágio a ser pago na via, em 2018, a concessionária Lamsa chegou a ter cabines de cobrança destruídas pela municipalidade e a perder a operação do projeto, após uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – operação esta que foi retomada, meses depois, em março de 2021, após determinação do Supremo Tribunal Federal (STF).
“Existe uma lei muito importante, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que prevê o conceito de consequencialismo. Os juízes devem se atentar para as consequências econômicas de suas decisões”, explica o economista Cláudio Frischtak, sócio gestor da consultoria Inter.B. “Tribunais Superiores devem levar em conta que suas determinações afetam a estabilidade fiscal e as contas públicas.”
Outro exemplo de percalços enfrentados por concessionárias foi o da Transnordestina. São 1.700 quilômetros de ferrovia, um contrato multibilionário e um projeto de mais de vinte anos. Já houve perigo de a concessão ser anulada, processo administrativo, paralisação da construção e suspensão de repasse de verbas públicas. Indefinições e demoras de soluções jurídicas em uma iniciativa de tal monta causam prejuízos colossais a todos os envolvidos.
“O Brasil tem um potencial enorme de crescimento, mas precisamos reduzir a insegurança jurídica e a burocracia, fazer a reforma tributária e priorizar as obras de infraestrutura e as privatizações necessárias”, analisa Robson Braga de Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “Devemos aperfeiçoar os marcos regulatórios para estimular os investimentos e modernizar o país.”
Regras claras e bem discutidas evitam grandes imprevistos em como lidar com as questões e dúvidas que fatalmente surgirão ao longo do contrato. Nesse sentido, a infraestrutura ganhou bem-vindas novas legislações nos últimos tempos, como os marcos legais do transporte ferroviário, do gás e do saneamento básico.
A iniciativa privada tem muito a contribuir com obras em atraso, que o governo falha em executar. Em análise do ano passado, a Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (ABDIB) apontou para a necessidade de se empregar 4,3% do PIB em infraestrutura, ao longo da próxima década, para o país se tornar competitivo. Atualmente, esse número não chega a 2%.
Recentemente, após o novo marco do saneamento, viu-se o sucesso de leilões como o da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), em dezembro, passo importante rumo à universalização de serviços do setor. Também mostrou êxito a exploração de aeroportos pela iniciativa privada, já que esses espaços se tornaram em geral mais eficientes, confortáveis e modernos nos últimos anos. Um exemplo ainda mais recente foi o sucesso do leilão da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), no fim de março. O processo abrirá caminho para a privatização de outros portos públicos brasileiros e se mostra como caminho para modernizar as operações de transporte nessas instalações.
“Se tivéssemos segurança jurídica em grau mais satisfatório, haveria menos obras intermináveis, paralisadas e inacabadas”, pontua José Eugenio Gizzi, conselheiro do Sindicato da Indústria da Construção Civil no Estado do Paraná (Sinduscon-PR) e vice-presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). “Boas companhias que já atuaram em obras de infraestrutura deixaram de fazê-lo por causa da insegurança jurídica. Acabaram mudando de área de atuação ou deixaram de existir por causa dela.”
A insegurança no ambiente de negócios provocada pela inconsistência nos pronunciamentos judiciais faz parte do chamado Custo Brasil, conjunto de entraves e esforços para negócios operarem por aqui. A estimativa, de acordo com levantamento de 2019 do Ministério da Economia, é que este custo seja de R$ 1,5 trilhão por ano. Este valor pode ser entendido no montante que as empresas que atuam no país gastam a mais do que a média daquelas que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
“Segurança jurídica é um processo contínuo, não é um Éden. Sempre há algo acontecendo. Falamos de cidades, que são organismos vivos, de contratos longos. Não conseguimos prever tudo, mas precisamos de uma responsabilidade muito clara”, acredita Percy Soares Neto. “Se os deveres e direitos de cada um estiverem claros e houver uma sistemática evidente de mediação de conflito e alocação dos riscos, o cenário melhora.”