A mensagem nas redes sociais direcionada a adolescentes a partir de 15 anos é recorrente: reagir e, em vez de vestir um cropped, tirar o título de eleitor antes de 4 de maio, quando se esgota o prazo para estar apto a votar nas eleições de outubro. O chamado para jovens tem surtido efeito – como refletem os números do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) –, em grande medida devido a estratégias digitais bem sucedidas, que dão pistas sobre como mobilizar essa parcela do eleitorado.
Esse movimento ganhou visibilidade após artistas pop como Anitta e Luisa Sonza usaram seus perfis para ensinar a fazer o título de eleitor– neste ano, todas as etapas estão disponíveis online. Foi uma reação à divulgação de dados pelo TSE indicando que, se nada mudasse, estas seriam as eleições com menor participação de jovens de 16 e 17 anos desde 1990, primeiro ano dessa contagem.
Como pessoas nessa idade não são obrigadas a votar, esse tipo de incentivo pode ser definidor para a participação. Em março, o alistamento de adolescentes entre 15 e 17 anos no TSE teve um salto de 45,63% em comparação a fevereiro, com quase 300 mil novos títulos nesse grupo.
Porém, o número ainda está abaixo do visto em 2018, quando cerca de 1,4 milhões tinham título; se for mantido ritmo de março em abril, a meta pode ser batida. Podem tirar o título de eleitor para votar pela primeira vez já nestas eleições jovens de 16 a 17 anos, ou aqueles que tenham 15 anos, mas façam aniversário até a data do primeiro turno. Quem já completou 18 anos é obrigado a tirar o título se ainda não o tiver.
O aumento nos números de jovens aptos a votar nestas eleições se deve – e depende – principalmente da capacidade de mobilização a partir das redes sociais. As linguagens próprias dessas mídias, além dos formatos que têm aderência entre os mais jovens e o potencial de viralização, são considerados pelos movimentos focados nessa missão. A meta deles é superar o eleitorado das últimas eleições e, de maneira mais ambiciosa, bater a marca de 30% de adolescentes aptos a votar com o título feito.
À semelhança de outros movimentos nascidos na internet, quanto menos aparência de campanha oficial, melhor para viralizar. “A ideia é que seja um movimento que se espalhe organicamente, por isso evitamos dar cara institucional”, afirma Betina Faroe, coordenadora de projetos relacionados à abstenção na agência Quid, especializada em ações políticas.
A agência está por trás da campanha digital Olha o Barulhinho, que fomenta a participação dos jovens. A campanha está presente em todas as grandes redes sociais, faz parcerias com páginas de memes que somam milhares de seguidores com conteúdo sobre dilemas dos jovens millennial e da geração Z – como @saquinhodelixo e @meltedvideos – e com influenciadores de humor.
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“Chegamos nesse conceito a partir de pesquisas com jovens da faixa etária alvo, para entender os motivos para não votar. Os perfis principais são de jovens com baixa autoestima política, que receiam uma tomada de decisão e não se sentem prontos; aqueles que decidiram não tirar título para não assumir um lado na polarização; e os mais céticos em relação à política”, detalha Faroe.
Na página da campanha, as informações sobre como tirar o título é disponibilizada de forma mais amigável, com redirecionamento para o portal do TSE para seguir com o cadastro. Inclusive, ao compartilhar postagens sobre como emitir o documento, o ator americano Mark Ruffalo, que faz o papel do Hulk nos filmes da Marvel, compartilhou o link do Olha o Barulhinho, como se fosse o da Justiça Eleitoral.
In 2020, Americans only defeated Donald Trump because record voters used their democratic rights, especially young people. To defeat Bolsonaro, Brazilians aged 16 and 17, must register to vote in the next elections. They have until May 4th to do this at https://t.co/EzvkuIzyrL https://t.co/cbIfSWYwZ9
— Mark Ruffalo (@MarkRuffalo) March 24, 2022
Há ainda grupos de WhatsApp para tirar dúvidas e compartilhar o processo com outros eleitores – a ideia é que eles próprios incentivem pessoas da mesma idade. Nesse aspecto, a campanha “Cada Voto Conta“, liderada pela organização Nossas, especializada em criar mobilizações, organizou um mutirão a ser puxado pelos próprios jovens.
Os “multiplicadores” da campanha (isto é, qualquer jovem que deseje chamar novos eleitores) são colocados em um ranking de pessoas que obtiveram mais novos registros. A mais bem posicionada teria ajudado a tirar 117 títulos. Os prêmios para os três primeiros lugares são iPhone, videogame Nintendo e Kindle.
Essa também é a tônica do “Seu Voto Importa“, iniciativa que começou nas eleições de 2020, quando o TSE lançou o cadastro digital a poucos dias do fim do prazo para a emissão de novos títulos. A campanha foi criada pela organização Girl Up, composta por meninas adolescentes com foco em pautas que as impactam – a atuação delas na questão da dignidade menstrual gerou ações que contribuíram para a aprovação de legislações locais, por exemplo.
“A potência maior é falar com os jovens de maneira horizontal, o que as instituições não conseguiriam. Essa falha de comunicação vem do fato de que se fala sobre os jovens sem que eles estejam nas mesas de negociação”, afirma Helena Branco, supervisora de programas da organização, após passar quatro anos como uma das meninas voluntárias.
A mudança de entendimento sobre como os jovens podem ser atingidos e chamados a participar pode ser determinante para definir quais campanhas vão colar ou não com eles. “A culpa não pode ser força propulsora para o voto jovem. Precisamos superar esse entendimento da política como algo hostil. Só é possível enfrentar a onda antidemocrática não como um vestibular, mas como uma celebração da democracia”, pontua Branco.
Apesar de não ser parcela preponderante no universo de eleitores, os potenciais novos eleitores adolescentes se somam a uma camada mais ampla da juventude – com capacidade de impactar o resultado nas urnas. Hoje, os números do TSE mostram que os jovens até 24 anos somam 13,3% do eleitorado brasileiro.
Os efeitos são notados quando se trata do combate à abstenção: nas eleições de 2014 e 2018, cerca de 80% dos adolescentes com títulos foram votar. Além disso, se espera que, começando mais cedo e quando não se tem obrigatoriedade, isso se torne um hábito. “O investimento no voto jovem é também na democracia, no curto prazo por conta dos valores dessa geração, e a longo prazo ao desejar participar mais ativamente na política”, diz Branco.
Evidentemente, os maiores especialistas em espalhar essa mensagem são os próprios jovens. E seria possível citar inúmeros exemplos, da ativista sueca Greta Thunberg à paquistanesa Malala Yousafzai, sobre como elas têm sido capazes de mobilizar em favor de interesses coletivos. Mas, frequentemente, isso parte da própria cultura pop – no caso do título de eleitor, não seria diferente.
Os fãs brasileiros da banda sul-coreana BTS iniciaram o movimento #TiraoTituloArmy há um ano. Army é como os fãs da banda pelo mundo se chamam. Nas últimas semanas, eles reforçaram a campanha nas redes e nas ruas, com a projeção da convocação em prédios de grandes cidades. Os integrantes da banda, aliás, têm histórico de engajamento socioambiental e já até discursaram na ONU.
“Trabalhamos a nossa campanha tentando alinhar a disseminação de informação sobre política. Usamos trechos de letras do BTS para tentar atingir nosso público no formato que eles conhecem. Percebemos uma adesão maior nos últimos meses em nos acionar para buscar informação”, diz Mariana Facioli, advogada e uma das coordenadoras da organização Army Help the Planet, que mobilizou a campanha. É a prova de que memes e gifs também podem impactar o mundo real.
Uuuuh bateram a meta antes do tempo! Parabéns. Em falar em tempo leva cerca de 4 a 5 minutos pra emitir o titulo de eleitor!#TiraOTítuloArmy MEU PRIMEIRO VOTO #MeuPrimeiroVoto + @BTS_twt pic.twitter.com/VtaBzB0Qzd
— Army Help The Planet (@ARMY_HTP) April 13, 2022