ELEIÇÕES 2020

Transição de governo: postura republicana e trabalho de servidores são fundamentais

Por causa da pandemia, prefeitos eleitos em 2020 terão um mês a menos para se inteirar do que está ocorrendo na gestão

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Prazo para entregar declarações ao TSE termina em 26 de setembro Foto: José Cruz/Agência Brasil

A eleição municipal deste ano irá desafiar todas as práticas de transição de governo adotadas até hoje. Para garantir uma efetividade na troca de prefeitos e prefeitas que terão um mês a menos do que o normal para se inteirar da gestão pública, será indispensável adotar uma postura republicana, de prezar pela continuidade de projetos que já funcionavam. Além disso, será imprescindível contar com a expertise dos servidores de carreira.

Esta análise fez parte do terceiro webinar da série “Processo de transição em governos municipais: Boas práticas”, realizado nesta terça-feira (20/10) pela Casa JOTA em parceria com o Insper. Participaram do encontro Eduardo Pádua, ex-secretário de Planejamento e Gestão da Prefeitura de Mesquita (RJ), Leda Paulani, ex-secretária de Planejamento, Orçamento e Gestão da Prefeitura de São Paulo, e Murilo Cavalcanti, secretário de Segurança Urbana do Recife.

Foi unânime entre os especialistas o entendimento de que a complicação imposta pela pandemia demanda uma resposta célere e inovadora. “Temos duas formas de ver esse momento atual de transição: o primeiro é em como voltar rápido ao anterior, o que não é ideal para mim. O segundo é pegar os aprendizados da pandemia para a gestão pública e aplicar. Os problemas podem ser uma grande alavanca para modernizar a gestão pública brasileira”, afirmou Eduardo Pádua.

Pádua, que foi secretário de um município de pequeno porte, relatou que é comum nessas cidades menores os prefeitos se sentirem mais proprietários da administração municipal, com liberdade para tomar atitudes “pouco republicanas”.

“É comum, por exemplo, que o prefeito anterior simplesmente pare de pagar funcionários. Aí, o que assume já têm dívidas de três meses. Outra prática corriqueira é suspender contratos. Quando o prefeito assume, ele está sem dinheiro, quebrado. Têm casos de queima (de verdade) de computadores, não tem luz paga, etc. Como começa a trabalhar assim? Você passa seis meses para ter condições mínimas de infraestrutura para o funcionamento da máquina”, disse.

Na experiência de Leda Paulani, a falta de uma transição bem organizada prejudica o conhecimento, por parte de quem está assumindo, dos problemas que virão pela frente. “Tive duas experiências de transição, uma em 2000 e outra em 2012. Na primeira acompanhamos as reuniões na secretaria de finanças e a situação orçamentária era muito complicada. Tentamos levantar informações nesses encontros, mas levamos um susto quando assumimos”, relatou.

“A gente sabia que tinha uma prestação do contrato da dívida da cidade com a União, que havia sido recém assinado. Essa parcela era de R$ 38 milhões, que tinha que ser paga até 31 de dezembro, na gestão deles. Eles nos garantiram que seria pago o valor. Quando entramos no dia 2 de janeiro, eles não haviam quitado a prestação. Tinha um R$ 1 milhão em caixa e um boleto de R$ 38 milhões”, afirmou.

Segundo Leda, durante os primeiros meses “muitos esqueletos no armário foram descobertos”. “Mas isso porque de fato não houve uma transição. Foi só formal. Nas reuniões, a gente cutucava, perguntava, mas não havia sinceridade”. Para ela, quem jogou um papel fundamental neste processo foram os servidores: “Só não foi pior porque tivemos ajuda dos servidores de dentro, que nos procuraram voluntariamente. Eles também estavam cansados”.

No caso de secretários que assumem pastas já consolidadas, a recomendação de Murilo Cavalcanti é que “não se tenha a vaidade de querer inventar a roda”. “Aquilo que está dando certo dê continuidade. Aquilo que não estiver dando certo, descarte. Mas que pense sempre na cidade que vamos deixar para as gerações futuras, uma cidade mais humana, igualitária, democrática que reduza a distância da cidade formal para a periférica”;

Atenção redobrada

No ano que vem, um ponto que demandará forte atenção para os gestores municipais envolve os contratos que foram firmados durante a pandemia sem passar por um processo de licitação.

A gente não sabe até que ponto essa liberdade foi usada adequadamente ou não. Pode ser que tenha muita confusão. Quem for assumir precisa ter um olho vivo nisso”, afirmou Leda. Já Pádua sugere que se estabeleça uma articulação com os órgãos de controle para analisar esses contratos.

Para Cavalcanti, que trabalha diretamente com segurança pública, no ano que vem pode haver uma “explosão de violência no Brasil, porque tem muita gente desempregada”.

Ele citou o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta semana pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que apontou um aumento de 7% no índice de mortes violentas no primeiro semestre deste ano, apesar da pandemia. Esse cenário, segundo Cavalcanti, também vai impactar na gestão dos novos prefeitos e prefeitas.

“Se eu estivesse em Brasília, dentro do Parlamento, eu iria propor que a gente fizesse um pacto nacional para que pudesse ter um programa de enfrentamento à pobreza e à desigualdade, envolvendo os estados e municípios. Só assim conseguiremos resolver os problemas”, disse.