Pauta fiscal

A transação tributária no estado de São Paulo

Novo ambiente normativo permite ao contribuinte recuperar regularidade fiscal e dar continuidade aos negócios

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Crédito: @flickr/Quinn Dombrowski

O Código de Processo Civil de 2015 inaugurou um novo paradigma na forma de resolução de conflitos, trazendo à realidade a necessidade de consensualidade entre as partes. O alto grau de litígios instaurados sem solução eficiente demandava por mecanismos ao modelo clássico de resolução de conflitos e a transação tributária inovou na forma de cobrança do crédito tributário.

Os novos valores trazidos pela legislação processual, quais sejam, efetividade, consensualidade e cooperação, abriram os olhos da Administração Tributária para a necessidade de criar um desenho normativo que permitisse solucionar conflitos, abrindo espaço para negociações entre Fisco e particulares, sendo a transação tributária um meio alternativo para encerrar esses conflitos.

A transação tributária estabelece, pois, um canal de comunicação, de diálogo entre o contribuinte e a Administração Tributária. A medida, além de servir como meio de arrecadação, realizando um passivo muitas vezes de baixíssima possibilidade de recuperação, propicia ao contribuinte alcançar a conformidade fiscal.

Acreditando nessa necessidade de se adotar uma nova postura e mudar sua forma de atuação, a Administração Tributária Federal instituiu a transação tributária na esfera federal por meio da Lei nº 13.988/2020, suprindo a lacuna histórica prevista nos artigos 156 e 171 do Código Tributário Nacional.

No estado de São Paulo, a aproximação entre Fisco e contribuinte já tinha se iniciado em meados de 2018 com a Lei Complementar nº 1320, que instituiu o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária – “Nos Conformes”, definindo princípios como boa-fé, simplicidade e segurança jurídica, entre outros, e estabelecendo regras de conformidade tributária.

Contudo, faltava ainda um passo além, e em 15 de outubro de 2020, foi promulgada a Lei Estadual nº 17.293, que a partir do seu artigo 48 e seguintes, autorizou a Procuradoria Geral do Estado de São Paulo a celebrar transação tributária como forma de resolução de conflitos relativamente às dívidas tributárias ou não, inscritas em dívida ativa.

A Resolução, PGE nº 27, de 20 de novembro de 2020 disciplinou a transação tributária, ranqueando as dívidas de maneira a tornar mais eficiente sua cobrança, além de trazer critérios objetivos para se chegar ao rating do crédito, as transigências, condições, obrigações e vedações para a transação tributária no âmbito do Estado de São Paulo.

Por fim, a Portaria SubGCTF nº 20, de 04 de dezembro de 2020, veio regulamentar o tema, estabelecendo os procedimentos e requisitos aplicáveis às transações, detalhamentos que trazem mais transparência à forma de aplicação do instituto no âmbito estadual, princípio caro à Administração Pública.

A lei do Estado de São Paulo previu duas modalidades de transação no âmbito estadual, tal como na PGFN: a individual[1], realizada por proposta do contribuinte ou da própria PGE, e aquela por adesão, cujas condições são fixadas em edital e realizadas em sistema eletrônico próprio, para débitos de até R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).

Atendendo à demanda pela adequada e eficiente cobrança de créditos tributários, em 13 de fevereiro último, foram publicados dois editais possibilitando a transação por adesão para empresas em recuperação judicial, conforme se trate de empresas de pequeno porte e microempresa ou não.

O benefício incluído nos editais permite o parcelamento das dívidas em até 84 (oitenta e quatro) meses, ao passo que nas demais transações o número não ultrapassa 60 (sessenta) parcelas. Além disso, ambos preveem a atribuição de rating D aos débitos incluídos na transação, com descontos que chegam a 40% (quarenta por cento) sobre multas e juros, e 30% (trinta por cento) sobre o valor total das dívidas com seus consectários legais.

Os benefícios previstos pela Lei 17.293/20 e Resolução PGE n. 27/2020 podem corresponder a descontos de juros e multas, bem como parcelamento, diferimento ou moratória, e substituição ou alienação de bens dados em garantia em execução fiscal, transigências que podem ser utilizadas singular ou conjuntamente.

Os descontos de juros e multas são fixados em ordem inversamente proporcional ao grau de recuperação das dívidas, de acordo com o rating apurado conforme os critérios previstos na Resolução PGE nº 27/2020 e Portaria SubGCTF nº 20/2020. Os critérios a serem utilizados para classificação das dívidas são as garantias válidas e líquidas para cobranças em curso contra o proponente, o histórico de pagamento do proponente – inclusive pelos parcelamentos já efetuados, o tempo de inscrição de débitos do transigente em dívida ativa, a capacidade de solvência do proponente, a perspectiva de êxito do Estado na demanda incluída na proposta e ainda o custo de cobrança judicial das dívidas incluídas na proposta, critérios estes que poderão ajustar o rating básico para o respectivo débito.

O objetivo, mais uma vez vale ressaltar, é propiciar àquele que está em grave crise financeira, que não apresenta capacidade de pagamento, a possibilidade de se regularizar, excluindo, por sua vez, da “benesse” o devedor contumaz.

É certo que cada contribuinte tem uma situação específica e a adoção desses critérios, não ofende, mas reafirma o princípio da isonomia, na medida em que trata de maneira diferente contribuintes com situações diferentes. A enumeração dos critérios previstos nas normas infralegais, possibilita que às situações iguais sejam dadas soluções de iguais teor, e por isso a transparência tem um importante papel, obrigando a Procuradoria Geral do Estado a tornar públicas todas as transações firmadas, especificando as respectivas obrigações, exigências e concessões, salvo informações protegidas por sigilo.

A medida atende à necessidade de se equacionar o passivo do Estado de São Paulo que soma atualmente 335.981.169.706,03 bilhões de reais, sendo cerca de 190 bilhões referentes a dívidas que se adequam ao “pior” rating – irrecuperáveis (D) ou de difícil recuperação[2].

Em um tempo que vivemos de tantas incertezas, o novo ambiente normativo da transação tributária permite ao contribuinte a possibilidade de recuperar a regularidade fiscal e dar continuidade aos seus negócios.


O episódio 50 do podcast Sem Precedentes faz uma análise da decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nesta semana e que pode acelerar a aplicação de vacinas contra a Covid-19. Ouça:


[1] Denominada “customizável” pelo Professor Paulo Cesar Conrado, é aquela desenhada a partir das características apresentadas pelo particular. (CPC/2015, Regulamentação da Transação e suas Modalidades, Camila Campos Vergueiro, em Transação Tributária na Prática da Lei nº 13.988/2020, Paulo Cesar Conrado e Juliana Furtado Costa Araújo coordenadores. São Paulo: Thomas Reuters, 2020, p. 39.

[2] Dados da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo atualizados em 14 de dezembro de 2020.