
Os próximos meses serão cruciais para a saúde pública no Brasil. Derrubada a regra do teto de gastos, o governo agora estuda nova fórmula para definir o mínimo que União, estados e municípios devem reservar para o setor.
Para parte dos especialistas em economia em saúde, a lógica de destinar pelo menos 15% das Receitas Correntes Líquidas prevista na Emenda Constitucional 86 e que voltou a vigorar com o fim do teto de gastos também não atende às necessidades. A argumentação é simples. Quando a economia vai bem, os recursos em caixa podem até ser suficientes. Mas nos períodos em que os problemas econômicos estão presentes – e justamente quando há maior necessidade da população pelos serviços públicos de saúde –, a verba disponível se reduz. Resumindo, o cobertor fica ainda mais curto justamente quando as temperaturas caem de forma brusca.
A discussão de algumas propostas está em curso. O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, afirmou nesta semana que uma das sugestões seria atrelar o piso de saúde ao crescimento do PIB. Para o presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES), Francisco Funcia, a alternativa mantém o piso da saúde atrelado à dinâmica econômica – uma das armadilhas que o grupo de economistas quer evitar.
Representantes do Fórum Pela Vida, que reúne entre outras entidades a ABrES, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) e o Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes) debateram o tema na última quarta-feira (12). A ideia é formar um texto conjunto e apresentá-lo ao governo.
A discussão tem como ponto de partida um estudo feito no ano passado pela ABrES sobre o financiamento do SUS.
O texto sugere a criação de um valor per capita para saúde, mas que vá muito além do PIB. A largada pode ser dada com o valor atual (15% das receitas correntes líquidas), com aplicação de três fatores de correção: variação da inflação, a taxa de crescimento da população idosa e fator de correção das iniquidades.
Esse último ponto analisa a renúncia fiscal na área da saúde. “O montante que deixa de ser arrecadado nada mais é do que um dinheiro investido na saúde privada. Nossa proposta é inverter essa lógica. Aumentar gradativamente os recursos públicos destinados para o SUS e reduzir o que é endereçado ao setor privado. Esse fator seria usado justamente para isso”, disse Funcia à coluna. Para se ter uma ideia, somente a renúncia relacionada a planos de saúde no IRPF, por exemplo, cresceu 6,8% entre 2004 e 2018, em termos reais.
A análise dos dados do aumento da população idosa também se explica. A tendência é que, quanto maior o envelhecimento da população, maior seja a demanda nos serviços de saúde.
Funcia afirmou que a proposta pretende garantir um gasto compatível com SUS universal. Hoje, o valor destinado é de cerca de 3% do PIB. A quantia precisa ser ampliada. E isso não é uma ideia restrita ao Fórum. Ainda no período das eleições, o grupo ligado ao programa de governo na área da saúde sempre defendeu gastos de saúde em torno de 6% do PIB.
Mas para a ABrES não basta isso. É preciso ampliar a participação do gasto da União no total das despesas públicas de saúde. O que o país assiste é justamente o inverso. Houve, com o passar dos anos, uma redução gradativa da participação da União no montante de gastos públicos da saúde.
Atualmente, apesar de a União ficar com cerca de 57% da arrecadação, ela é responsável por cerca de 42% dos gastos públicos em saúde. Estados e municípios desembolsam o equivalente a 58%. “O ideal seria que a União ficasse com 50% desses custos”, disse Funcia.
O Fórum Pela Vida deve fazer uma nova rodada de discussão. A ideia é que o texto esteja concluído até o fim deste mês. Mas alguns pontos já estão definidos. Qualquer que seja a nova regra, o ideal seria estar prevista na Constituição Federal e não em uma lei complementar, como já sugerido por alguns integrantes do governo. “Saúde e educação precisam de estabilidade. Não há como arriscar que a regra possa ser alterada”, afirmou Funcia.
As propostas iniciais, previstas no artigo de financiamento do SUS, refletem o pensamento de pessoas que hoje ocupam postos importantes no governo. Entre os autores do texto estão, por exemplo, a ministra Esther Dweck e integrantes do Ministério da Saúde. Ceron afirmou que, nas discussões, o Ministério da Saúde deverá ser ouvido. E a proposta de ter um fator de ajuste, levando em conta o envelhecimento da população, já começa a ser ouvida e debatida nas secretarias da Saúde. Ao JOTA, o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Swedenberger Barbosa, reconheceu haver conversas internas sobre o tema, mas afirmou que a decisão será do centro de governo. Assim que assumiu o Ministério da Saúde, Nísia Trindade fez referência à necessidade de aumento de recursos para o setor.
“Precisamos pensar numa política em que haja um crescimento sustentável. A saúde pode ser um indutor nos momentos de alta e um estabilizador, reduzindo os impactos da crise”, avalia Funcia.
A discussão está apenas no início e, qualquer que seja a proposta, o certo é que unanimidade nunca haverá e todos terão, em certa medida, que ceder. Mas neste debate um ponto já pode ser considerado um avanço. Ao que parece, foi superado o discurso de que o problema de saúde pública não é falta de recursos, mas problemas de gestão. Sem recursos suficientes, não há nem mesmo como se garantir gestão eficiente.