A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que cria o quinquênio para o Judiciário e Ministério Público pode entrar na pauta de votação do Senado na próxima semana. Contando com o apoio de ninguém menos do que o presidente do Senado, a PEC 63 é um notório escândalo fiscal, em meio a um ataque sistemático do Congresso ao equilíbrio intertemporal das contas públicas (alô alô PLP que desonera combustíveis), cuja fala mansa de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) nesses tristes tempos de gritaria não deveria servir como anestésico.
No início desta semana, o secretário-adjunto de Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Julio Alexandre, criticou a ideia do quinquênio. Ele vocalizava ali uma preocupação que não era só dele como um dos gestores da área fiscal, mas de praticamente toda a equipe econômica, que já se debruçou sobre o tema. Preocupação, aliás, que deveria ser compartilhada por qualquer pessoa com o mínimo de bom senso e percepção das condições em que se encontra o Brasil.
Benefício semelhante, relacionado a adicional por tempo de serviço público, foi extinto há mais de 20 anos, em decorrência da promulgação da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, que introduziu o princípio da eficiência no texto constitucional.
A ideia de dar ganhos de renda unicamente pelo critério de tempo é frontalmente contrária a qualquer intenção de se dar maior eficiência ao setor público, um dos maiores desafios do Brasil. Enquanto isso, a regulamentação de aferição do desempenho parece ser esquecida pelos nossos parlamentares.
Entre os problemas da PEC 63 estão a concessão de benefício até para aqueles que desempenharam atividades privadas antes do setor público, vai contra recomendações internacionais (inclusive da OCDE, da qual esse governo quer tanto fazer parte), tem risco de poder beneficiar inativos e pensionistas e ainda vai contra outra PEC, já aprovada em comissão, que veda benefícios por tempo de serviço.
Como se fossem poucos esses problemas e riscos, o desenho da PEC 63, tão cara a Rodrigo Pacheco, trata o benefício remuneratório como de natureza indenizatória, para dar um drible no teto constitucional de salários. Curioso é que o próprio texto fala que o objetivo da medida é recompor perdas remuneratórias.
Se atingir somente integrantes ativos da magistratura e do Ministério Público, seu custo anual, segundo estimativas feitas em nota técnica da consultoria do Senado, seria de R$ 3,6 bilhões. Se alcançar inativos, dobra o impacto.
Mas, dada a profusão de emendas que suas excelências estão apresentando, o céu é o limite e a medida pode acabar atingindo todo o setor público. Uma simulação feita no governo aponta que, nesse cenário extremo, caso a benesse proposta pela PEC 63 seja estendida a ativos e inativos, e se considerarmos um tempo de vínculo médio de 25 anos, o impacto anual poderia alcançar R$ 250 bilhões (cinco quinquênios por vínculo).
É preciso lembrar que o Judiciário e o MP são a elite da elite do funcionalismo. Podem ter perdido alguma renda durante os repiques inflacionários recentes, como aliás a grande maioria dos brasileiros, mas isso não justifica a recriação de tamanha excrescência remuneratória, em um país com tantos problemas que estão bem antes na fila de questões a serem endereçadas com os escassos recursos públicos.
Vale lembrar quer as despesas com pessoal do Poder Judiciário representam uma média mensal de aproximadamente R$ 50,9 mil por magistrado. É muito dinheiro. Sem falar que a agenda correta seria acabar com outros acintes, como os dois meses de férias que ainda podem ser indenizadas (normalmente o são) para esses servidores ou a aposentadoria como punição para magistrados que cometem desvios (essa é de um inacreditável que é difícil de se expressar).
Para o economista Fabio Terra, professor da UFABC e ex-presidente da Associação Keynesiana Brasileira, apenas considerando o potencial mínimo de impacto, de R$ 3,6 bilhões, o montante seria praticamente igual ao orçamento da Capes para 2022, de R$ 3,8 bilhões. A Capes é a agência dedicada a cuidar da formação de pessoal do magistério no país e, inclusive, refere milhares de cursos de pós-graduação no país e concede bolsas de estudos a mestrandos e doutorandos – que não têm reajuste há nove anos e acumulam perda de 66% contra a inflação, lembra.
“Além disso, este valor a ser gasto a mais com os quinquênios é 3 vezes maior do que o orçamento anual do CNPq, ente federal que cuida da promoção e custeio da ciência e tecnologia no país – inclusive cedendo bolsas à pós-graduação. O orçamento para 2022 do CNPq está orçado em R$ 1,32 bilhão”, compara Terra. “Estudo do Inesc mostra que entre 2020 e 2021 o orçamento federal para educação, em meio às dificuldades da pandemia e do ensino remoto, foi aumentado em R$ 3 bilhões, enquanto que para 2022 o valor autorizado inicialmente caiu R$ 6,2 bilhões”, destacou.
Terra lembra ainda que a discussão sobre a concessão deste benefício ocorre enquanto a renda real do brasileiro caiu 10% em um ano (2021) e em um país em que 90% dos habitantes ganham menos de R$ 3.500. “Os custos médios com juízes no Brasil estão em mais ou menos 50 mil, do Ministério Público em 41 mil, o que os coloca automaticamente entre os 1% mais ricos do país (ganhos acima de 28.659 para 2021)”, disse, classificando a medida de “PEC do superprivilégio”.
É preciso que o presidente Rodrigo Pacheco e seus pares no Senado (e eventualmente depois na Câmara) caiam em si e desistam de avançar com essa ideia. Se querem fazer algo para o país, seria bom discutirem uma reforma administrativa de verdade, com avaliação real dos servidores, sem penduricalhos remuneratórios, possibilidade real de demissão de maus funcionários, inclusive magistrados e demais servidores da Justiça. E seria bom também que juízes e procuradores parassem com esse lobby acintoso e inoportuno. O Brasil real agradece.