reforma cambial

PL que organiza novo marco legal do câmbio é passo importante para modernização

Projeto de Lei 5387/2019, em análise no Senado, pode trazer um novo arcabouço regulatório progressista

PL marco legal do câmbio
Edifício do Banco Central em Brasília. Crédito: Antônio Cruz/Agência Brasil

Abertura. Concorrência. Competição. Redução de custos. Melhoria do nível de serviços. Aumento de tecnologia e inclusão digital. Modernização.

Em brevíssima síntese, todas essas palavras representam a evolução regulatória que estamos vivendo no mercado financeiro e de pagamentos no Brasil nos últimos anos. Fruto de uma admirável agenda regulatória, encabeçada pelo Conselho Monetário Nacional e, sobretudo, pelo Banco Central do Brasil. Tudo feito com muita competência, seriedade e buscando a melhor das teleologias voltadas aos usuários do sistema financeiro nacional, nas duas pontas, aplicáveis a consumidores, players de mercado e estabelecimentos comerciais.

Nessa esteira irrevogável, mandatória e sem retorno, está o tema relevantíssimo da reforma cambial. Projeto mais do que necessário, com vistas não só a modernizar as legislações arcaicas e já inaplicáveis no ecossistema cambial, mas sobretudo para trazer um novo arcabouço regulatório progressista, permitindo a entrada de novas tecnologias neste mercado com as fintechs, instituindo regras claras para a abertura, uso e manutenção da conta internacional, tanto de residentes, como para não residentes.

E, talvez sua medida mais marcante, a reforma abre mais ainda o tradicional mercado cambial para que instituições de pagamentos autorizadas possam competir com os tradicionais bancos e corretoras, permitindo a entrada de players com novas tecnologias nessa antiga seara, que, desde sua gênese, esteve sob operação exclusiva de bancos múltiplos com carteira de câmbio, passando por bancos de câmbio, seguida por um segundo advento em que se criaram as corretoras, DTVMS, CCVMS.

Agora, vivenciamos este terceiro advento do mercado cambial, no movimento imprescindível de cada vez mais desconcentrar e enfrentar as verticalizações dominantes do nosso mercado financeiro. Ademais, moderniza e traz importantes inovações ao mercado de importação e exportação.

Em um movimento acertado, ainda, a reforma cambial concentra o poder regulatório e decisório sobre a matéria nas mãos do Banco Central, de maneira definitiva e soberana. Absolutamente inteligente a medida, uma vez que permite ao regulador, que vem numa franca agenda regulatória competitiva e voltada ao mercado, conectar as iniciativas já conhecidas do que considero o “Open Everything” (Open Banking, Instant Payments/PIX, Crossborder Payments, Open Insurance, entre outras), com o potencial do mercado cambial internacional, fortalecendo inexoravelmente o papel da nossa moeda pátria, trazendo finalmente o real como um instrumento internacional de conversibilidade em patamares de igualdade com outras moedas fortes pelo mundo.

Importante ressaltar no novo marco os evidentes benefícios que poderão advir aos consumidores, que terão à sua disposição, além dos tradicionais serviços bancários, uma gama de novos serviços e tecnologias ofertadas por fintechs e instituições de pagamento, uma vez que a conta de pagamento é um instrumento hábil para se manter, movimentar e liquidar contratos de câmbio, no Brasil e no exterior.

Aliás, neste sentido, o Banco Central, de forma corajosa, competente e acertada, conversou com o mercado por meio da Consulta Pública 79, que culminou com a moderna e assertiva Resolução 137/2021, se antecipando à própria aprovação do PL 5387/2019 nas nossas Casas Legislativas, já demonstrando ao mercado a relevância de players que ofertam serviços e tecnologias diferenciadas e que são fundamentais ao ecossistema do mercado cambial, na figura das antigas Facilitadoras de Pagamentos Internacionais, que agora denominam-se EFX.

A norma permitirá, a partir de 2022, que instituições de pagamentos autorizadas possam cursar e realizar operações de câmbio, antes atividade privativa de instituições financeiras, disputando em pé de igualdade com os tradicionais players operadores de mercado. Naturalmente, a prerrogativa vem com limites de valores estabelecidos e algumas restrições, como a vedação à instituição de pagamento autorizada a constituir e contratar correspondentes cambiais. Apesar disso, as vantagens e permissões franqueadas pela norma tanto para o EX autorizado, como para o EFX não autorizado, representam um marco nunca visto em nosso mercado cambial, de forma revolucionária.

É impressionante, ao fazer um rápido retrospecto, verificar que as legislações atuais que regulam o mercado de câmbio brasileiro iniciaram-se em 1920, estando dispersas em mais de 40 diplomas legais com regras rígidas e obsoletas que não atendem mais a atual economia globalizada, cada vez mais moderna diante do crescente nível de inovação.

Não há dúvida de que o Brasil necessita de um instrumento legal mais moderno, conciso, juridicamente seguro e alinhado com os padrões internacionais, mas mantendo a atenção às políticas de prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo, através da avaliação do cliente e riscos da operação.

A modernização do mercado de câmbio, a simplificação e a adequação da legislação nacional às melhores práticas internacionais resultam em uma melhora do ambiente de negócios e aproximam o país da tão almejada filiação junto à Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), pois haveria o alinhamento aos Códigos de Liberalização de Movimento de Capitais e de Operações Correntes Intangíveis desta entidade.

Nessa esteira, é imperativo reduzir a burocracia para se investir no mercado financeiro, de forma que o país se torne mais atrativo e que pequenos e médios investidores estrangeiros consigam ter acesso a mais opções de investimentos, como por exemplo o Tesouro Direto. Não há dúvidas de que há a necessidade da implementação de um sistema cambial que permita sistemas interoperáveis e abertos, que tragam concorrência sadia e benefícios à economia e ao consumidor final, com redução dos custos de intermediação financeira no ecossistema cambial.

Não podemos esquecer que o Brasil teve, recentemente, a promulgação da Lei 13.874/2019, conhecida como a Lei da Liberdade Econômica, que passou a definir as normas que protegem a livre iniciativa da atividade econômica e a diminuição da participação do Estado como agente de intermediação e regularização, observando sempre os preceitos constitucionais previstos no caput do art. 170, da Carta Magna.

Inegável que podemos já concluir que, diante das inovações legais e regulatórias que vêm sendo propostas em seus mais variados níveis, é de suma importância a aprovação do PL 5387/2019, buscando a tão necessária modernização na atuação cambial, aumentando a segurança jurídica e aproximando a legislação pátria aos melhores padrões internacionais, de forma a favorecer o ambiente de negócios brasileiro e a torná-lo mais atrativo aos investimentos estrangeiros, além de possibilitar maior desenvolvimento e diversificação ao nosso mercado financeiro e de capitais.

No que diz respeito aos fundamentais preceitos normativos relacionados à prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, o PL 5387/2019 é bem calcado legislativamente e busca manter os patamares atuais de controle que existem sobre as tradicionais instituições autorizadas a operar câmbio e que seriam estendidos para os novos players, em termos de políticas de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, assim como a Lei Anticorrupção, Lei 9.613/1998 e demais legislações correlatas em vigor.

Para todo o processo de concorrência, abertura e modernização, devem ser exigidas das entidades, naturalmente, a mesma regulação já existente quanto a prevenção à lavagem de dinheiro, aos riscos de crédito e sistêmicos, bem como aos demais possíveis ilícitos financeiros e fiscais, para que todas essas transações sejam controladas, rastreáveis e que passem por um rigoroso modelo de identificação do cliente, atendendo não só aos padrões internacionais, mas também os amplamente validados e exigidos pelo Banco Central do Brasil.

A reforma cambial proposta no PL 5387/19 já foi aprovada na Câmara dos Deputados e deve ser aprovada em breve pelo Senado. Estive pessoalmente na sessão de 23 de novembro, na qual o PL foi pautado em plenário mas admitiu-se a prorrogação – sem data definida – pelo presidente da Casa após manifestações de alguns senadores.

Respeitando o Estado de Direito e o devido processo democrático de nossas Casas Legislativas, não posso me furtar de dizer neste artigo que não devemos ter um sopro de dúvida quanto a imprescindível modernização do arcabouço cambial. O novo marco, além de adequar um moderno arcabouço regulatório e legal, permite a adoção de novos modelos de negócio, elimina exigências criadas em contextos econômicos superados e que, na verdade, se constituem em entraves à livre atividade econômica, protegida por nossa Carta Magna. É instrumento de adoção de princípios de proporcionalidade, beneficia consumidores, o setor privado de exportação e importação e permite simplificar exigências burocráticas para PMEs brasileiras.

Com relação à modernização trazida para o tema de contas internacionais, o projeto acertadamente transfere competência ao Banco Central do Brasil para regular abertura de contas em moeda estrangeira, antes atividade privativa ao CMN, por meio do antigo Decreto 42.820/1957.

O projeto ainda, de maneira benéfica ao mercado e aos movimentos financeiros presentes em outras partes do mundo, flexibiliza restrições de compensação privada de pagamentos ao exterior e a antiga vedação de pagamentos em dólares em transações dentro do território brasileiro. Nessa esteira, por exemplo, no artigo 15, permite que instituições autorizadas realizem investimentos ou operações de crédito e financiamento no exterior com recursos captados no Brasil. Ainda, sem perder o olhar nos importantes requisitos prudenciais, o PL garante ao Banco Central o direito de solicitar informações de residentes para compilar estatísticas macroeconômicas oficiais, resguardando o devido sigilo previsto em nossa LGPD.

O projeto na Câmara sofreu alterações relevantes, dentre as quais destaco:

  • Inclusão dos §§ 2º e 3º no Art. 4º – Competência do contribuinte de classificar sua própria operação de câmbio. As instituições financeiras deverão prestar auxílio neste processo.
  • Inclusão do § 4º no Art. 5º – Tratamento equânime entre contas de residentes e não residentes em reais no Brasil. O Banco Central do Brasil poderá estabelecer regras de exceção.
  • Nova redação do Art. 12 – Em vez de vedar a realização de compensação privada ou de valores entre residentes e não residentes, mas permitir exceções para casos específicos (texto original), a nova redação admite a compensação, como regra geral, mas a restringe às hipóteses previstas em regulamento do próprio Banco Central.
  • Inclusão do Inciso VII no Art. 13 – Permite o pagamento em moeda estrangeira de obrigações exequíveis no território nacional para os contratos celebrados por exportadores em condições específicas.
  • Inclusão do Inciso II, ao §2o do Art. 14 – Permite ao Banco Central do Brasil incluir critérios de porte, natureza e modelo de negócios da instituição nos regulamentos de câmbio. Em linha com o princípio da proporcionalidade regulatória.
  • Nova redação do Art. 15 – A atividade privativa somente às instituições financeiras sobre investimento e direcionamento de recursos captados no Brasil, para operações de crédito no exterior (texto original), é estendida para instituições autorizadas (incluindo instituições de pagamento) pelo Banco Central do Brasil, observada a legislação específica.
  • Alteração no Art. 19 – Diminuição de US$ 1.000 para US$ 500 o valor permitido para troca de moeda estrangeira de forma eventual entre pessoas e retira a necessidade de regulamentação da operação pelo Banco Central do Brasil.
  • Inclusão do Art. 27 – Veda à instituição autorizada de solicitar ao cliente a apresentação de documentos, dados ou certidões que estiverem disponíveis em suas próprias bases de dados ou em bases de dados públicas e privadas de acesso amplo.

Por fim, e como último ato deste artigo, não há que se falar em uma agenda de “demonização” do PL 5387/19 sob o manto de que haveria um maléfico processo de riscos de “dolarização” da nossa economia, o qual vem sendo aventado por opositores ao projeto.

O argumento é vestido com a alcunha de “proteção de soberania nacional” de forma totalmente inaplicável, retrógrada e míope, na minha visão. É irreal imaginar que, como resultado da reforma cambial, haveria uma fuga de capital em massa da população brasileira e consequente desestabilização do real, como aconteceu em outros países da América Latina nas últimas décadas. Com os atuais instrumentos fiscalizatórios e regulatórios e o futuro arcabouço a ser construído pelo Banco Central do Brasil, é praticamente nula a possibilidade de um enfraquecimento da moeda frente a uma massiva evasão de divisas de brasileiros.

O PL 5387/2019 deve e tem que ser aprovado. Os últimos bastiões de domínio do mercado cambial precisam cair em definitivo. O mercado financeiro merece. Os usuários de serviços financeiros serão beneficiados. E continuemos neste bonito processo de busca de liberdade econômica e livre (mas livre mesmo) iniciativa de mercado e da modernização, não só do arcabouço cambial, mas de novos instrumentos financeiros como ferramentas que possam realmente contribuir com uma sociedade voltada à economia digital e à livre escolha de produtos e serviços.