Eleições 2022

(In)tolerância, redes sociais e disrupção

Importantes discussões da política foram ofuscadas pela intolerância que compõe o pano de fundo de muitas democracias

intolerância
Crédito: Unsplash

A hostilidade a adversários políticos tem dado a tônica das estratégias de campanhas que marcam a disputa eleitoral de 2022 – e se vê refletida em instâncias públicas e privadas – nos debates televisivos, no impulsionamento das interações online e, por conseguinte, gera efeitos de visibilidade e alcance desses conteúdos frente à opinião pública. Os discursos intolerantes, que segmentam pessoas e pontos de vista, porém, não demarcam apenas as circunscrições nacionais, mas o tom da comunicação política hoje amplamente.

Importantes discussões que caracterizaram os últimos anos da política foram ofuscadas pela intolerância que compõe o pano de fundo de muitas democracias, a exemplo do enfrentamento da pandemia de Covid-19 no Brasil[1].

A intolerância pressupõe uma objeção a um sujeito ou grupo político, o que quer dizer que sem se especificar a quem se dirigem as atitudes de intolerância não é possível compreender adequadamente o fenômeno e seus efeitos em dada sociedade. Neste sentido, é de fundamental importância levar em consideração os grupos alvo de intolerância e, de forma mais consistente, entender os mecanismos sociais e históricos que ensejam que uns sejam mais intolerados que outros.

Se fomentada, a intolerância pode ser espraiada, tomada como “normal” ou “desejável”, e uma consequência disso recai no quanto indivíduos e grupos estão dispostos a conceder direitos políticos (civis, sociais e humanos) a outros. Quando inseridos em contextos que reforçam a desconfiança ao outro, aos processos e a instituições que conformam e definem as democracias, há uma tendência ao acirramento de atitudes antidemocráticas, por parte não só da própria elite política, mas também do público, que pode passar a ser conivente com políticos que subvertem e minam os fundamentos democráticos. E aqui chama a atenção o papel das lideranças políticas.

O que pensam as pessoas que apoiam candidatos diferentes do seu? Faça o quiz do Nosso Papo Reto e descubra! Clique aqui para jogar! 

A conduta e o endosso das lideranças políticas à hostilidade e à estigmatização a seus opositores podem ecoar como acenos permissivos a seus apoiadores para que se sintam autorizados à violência perante grupos de oposição, comprometendo a fruição e as garantias de um regime democrático.

Estudos de mídias digitais já apontam que a linguagem hostil dirigida a grupos externos àqueles ao qual os usuários estão inseridos, até mais do que os sentimentos positivos de identidade e afeto que unem o grupo interno, tem impulsionado o comportamento e o engajamento político. Nesta perspectiva, conteúdos difamatórios, conspiratórios e desinformativos, que geram volumes massivos de interações, tendem a ser privilegiados na lógica algorítmica que regem as plataformas, tendência que se alastra quando vinculada a discursos e figuras de autoridade.

Atores políticos, marcadamente da direita conservadora, frequentemente se utilizam das potencialidades dessas ferramentas para influenciar e inflamar suas bases e a opinião pública amplificando o alcance de suas perspectivas político-ideológicas, sem necessariamente fazer restrições ao tipo de conteúdo que disseminam. Esses atores que ocupam o topo das hierarquias sociais e institucionais, munidos de recursos tecnogramaticais e de toda a ordem, muitas vezes têm desempenhado o papel de definir a cena e a coreografia da ação, que podem se iniciar nesses espaços digitais, mas se transfiguram em ações concretas nas ruas ou na institucionalidade.

Enquanto reflexo das relações complexas entre indivíduos e grupos em interação, as redes que se forjam e são mantidas nos espaços online, porém, se constituem como repertórios de ação política e são também consoantes com os desafios de uma cultura cívica engajada, não muito presente historicamente no país. A reconfiguração dos movimentos e engajamentos políticos demanda tolerância e aprendizados coletivos em seu curso. A ascensão e a força do ativismo digital de jovens, do movimento negro, do movimento feminista, LGBTQIA+ e indígena na última década, por seu turno, questionam o paradigma que afasta a assimilação dessas mediações digitais enquanto potência inventiva para o emprego de estratégias de luta e empoderamento, e lançam luz também ao que elas podem representar para as garantias democráticas.


[1] Disponível em: https://democraciadigital.dapp.fgv.br/estudos/pseudociencia-e-esfera-publica/. Acesso em 27 de setembro de 2022.