A inclusão de novas tecnologias em saúde sempre é cercada de entusiasmo e sensação de que estamos avançando justamente naquilo que o ser humano deve mais prezar. E, realmente, a quantidade de novos exames, remédios e procedimentos é espantosa. Possivelmente se aprendeu em medicina nas últimas décadas mais do que a soma do conhecimento médico acumulado em toda a história da humanidade.
Esse crescimento, entretanto, tem sido visto por especialistas em avaliação de tecnologia em saúde com cuidado. Mesmo países mais ricos identificam elevação desproporcional de custos e aumento de iniquidade. Assumir que não existem interesses comerciais e que os avanços chegam para todas as pessoas com necessidade de usá-las seria uma grande ingenuidade, mas ainda assim ocupa enorme espaço de discussão.
Um exemplo interessante é a detecção de câncer. Todos sabemos como é importante identificar precocemente a doença — idealmente antes mesmo de haver sintomas com exames como mamografia, colonoscopia, Papanicolau — e novos exames que prometem rastrear o DNA de mais de 50 tipos de câncer em uma amostra de sangue são empolgantes.
Em estudos preliminares com mais de 6.000 pacientes, foram identificados mais de 50 casos, mas em mais da metade destes nenhum outro exame havia mostrado a doença! Esse tipo de “biópsia liquida” já está sendo avaliado pela Food and Drug Administration (FDA) americana e em breve estará disponível nos Estudos Unidos, por aproximadamente US$ 950.
Parece ótimo, mas o entusiasmo deve ser calibrado, como é feito em países com responsabilidade orçamentária, com estudos cuidadosos para saber qual o impacto na mensalidade de planos de saúde ou nos impostos da população. Todo cálculo de contribuição, evidentemente, é feito com base em uma lista de demandas. Quando não se tem previsibilidade do impacto em custos (considerando, inclusive, eventual custo evitado por reduzir terapias mais complexas), deve-se aumentar a contribuição (ou o “desvio padrão”) para reduzir o risco de não se conseguir pagar pelos avanços.
Outro aspecto social fundamental nessa discussão é criar formas para que toda eventual inclusão seja para todos os cidadãos e não só para aquela ponta privilegiada da população que tem acesso facilitado pelo dinheiro. Toda incorporação que não mire na totalidade da população aumenta iniquidade até que a distância se torne intransponível.
Atualmente, no Brasil, temos 25% da população com plano de saúde e 75% das pessoas com acesso exclusivo ao Sistema Único de Saúde (SUS). Do que se gasta em saúde no país (um pouco menos de 10% do PIB), mais da metade é com os 25% que tem convênio médico! E a tendência é piorar, já que as pressões por incorporações aumentam sem necessariamente um aumento proporcional nos desfechos clínicos.
Famílias e empresas que contratam planos de saúde têm se assustado com o aumento inevitável das contribuições — que são baseadas em cálculos atuariais — e surgiu um termo novo na discussão: toxicidade financeira. É um efeito colateral difícil de manejar sem uma gestão sofisticada e corajosa. Um problema que, mesmo em diferentes escalas, é global e tem sido fortemente endereçado por especialistas do mundo todo para que se aumente o rigor nos critérios de incorporação de tecnologia, focando o valor de entrega e não só o preço.
Enquanto nos aproximamos de um debate sobre o rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) ser somente um exemplo do que deve ser pago pelo plano de saúde, todos os corpos regulatórios do mundo têm focado em sofisticar os processos técnicos de avaliação de tecnologia de saúde de forma responsável para evitar a toxicidade financeira. Não se trata mais de saber se aumentaremos a curva de custos e mensalidades, mas de realizar um cálculo tecnicamente consistente de quanto será esse aumento e quantos pacientes deixam de ter capacidade econômica de acompanhar essas curvas.