Direitos humanos

Preso preventivamente por 17 anos, comerciante pede condenação do México na Corte IDH

Debate central do caso foi sobre figuras jurídicas do país utilizadas para prendê-lo sem ordem judicial

Corte IDH liberdade de imprensa
Sessão da Corte IDH no Brasil. Em primeiro plano, o juiz brasileiro Rodrigo Mudrovitsch / Crédito: Gustavo Lima/STJ

Um comerciante mexicano preso preventivamente por mais de 17 anos pediu à Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) a condenação do país por violações aos direitos fundamentais ao devido processo e à liberdade pessoal.

Em audiência realizada nesta sexta-feira (26/8), Daniel García Rodriguez disse aos juízes que foi preso inicialmente a partir da aplicação do “arraigo”, uma figura jurídica específica do México que permite que, em casos de suspeitas graves, uma pessoa seja detida sem provas para que seja investigada por 30 dias.

O requerente contou que foi detido a caminho da casa de seu pai, na cidade de Atizapán de Zaragoza, em fevereiro de 2002, e levado a uma delegacia, onde ficou por 14 horas sem advogado e sem saber o motivo de estar ali. Depois, foi levado a um hotel, onde ficou preso por 45 dias.

“Fui enviado a um hotel, custodiado por policiais, sem defesa, sem contato com ninguém. Na madrugada, chega uma pessoa, que disse ser procurador, e me disse que eu tinha que assinar documentos. Eu só fui saber que era um suspeito depois de assistir a notícias que passaram na televisão”.

O motivo eram suspeitas de que ele havia assassinado uma funcionária pública, em setembro de 2001. O comerciante sustentou que não há nenhuma prova concreta de participação dele na morte da funcionária pública e que todas as investigações foram baseadas em depoimentos de testemunhas sob tortura e em matérias de jornais.

Segundo a denúncia, García Rodriguez sofreu tortura e foi levado a um juiz apenas no 45° dia de detenção, quando se encerrou o arraigo. Naquele momento, o magistrado aplicou uma prisão preventiva de ofício e lhe manteve preso.

Durante a exposição dos representantes de defesa e do Estado, a discussão ficou centrada na convencionalidade das figuras jurídicas usadas para a prisão de Rodriguez – o arraigo e a prisão preventiva oficiosa.

Os representantes de García Rodriguez sustentam que ambas atentam contra o princípio de presunção de inocência, já que permitem que a prisão seja efetuada antes de uma investigação, o que fere o princípio de presunção de inocência e, portanto, é incompatível com a Convenção Americana.

“Não se pode justificar a permanência dessas figuras no marco jurídico sob o argumento de violência, de aumento da criminalidade ou forte presença de crime organizado. Qualquer medida restritiva de liberdade deve ter como base o princípio da presunção de inocência, o que não acontece nesses casos”, comentou Simón Hernández León, representante da suposta vítima.

Os defensores de Rodriguez pediram, portanto, a eliminação do arraigo e da prisão preventiva por ofício do ordenamento jurídico do México. “Queremos deixar bem claro que não se pretende desaparecer com a prisão preventiva oficial, mas sim eliminar sua modalidade automática, para que a autoridade judicial possa avaliar os limites e padrões previstos na Convenção Americana”, ressaltou León.

Já o representante do Estado, Alejandro Celorio Alcántara, afirmou que o México faz atualmente um debate interno, nos âmbitos judicial e legislativo, sobre as figuras jurídicas questionadas. Ele ressaltou que o país já se dispôs a rever a figura do arraigo, em cumprimento a medidas internacionais de outros casos, e que é preciso tempo para que essas discussões sejam concluídas.

Em relação ao caso concreto de García Rodriguez, o Estado manteve a posição de que há indícios razoáveis que apontam para a responsabilidade do requerente na morte da servidora pública e que a Justiça agiu de forma diligente durante todo o processo.

O ex-ministro da Suprema Corte do México José Ramon Cossío, convocado como perito pela Corte IDH, afirmou que, caso os juízes decidam por determinar que o México exclua as figuras jurídicas, haverá um conflito entre convencionalidade e constitucionalidade – ou seja, se as medidas são constitucionais, prevalece a decisão da Corte Interamericana ou a Constituição mexicana?

Para o ex-ministro, ambas têm a mesma hierarquia, já que o México aceitou se submeter à Convenção Americana. Ele sugere, então, que se sobressaia a aplicação que mais protege as vítimas de direitos humanos. Essa decisão, no entanto, caberia à Suprema Corte do México.

“Uma condenação do Estado mexicano pelo arraigo e pela prisão preventiva oficiosa seria contra o que prevê a Constituição. Ou seja, a sentença da Corte Interamericana seria suficientemente forte para que nós possamos levar a cabo uma reforma da Constituição que suprima essas figuras? Caberá à Suprema Corte responder”.

O caso será julgado na Corte IDH pelos magistrados Ricardo C. Pérez Manrique (do Uruguai), Humberto Antonio Sierra Porto (da Colômbia), Nancy Hernández López (da Costa Rica), Verónica Gómez (da Argentina), do Patricia Pérez Goldberg (do Chile) e Rodrigo Mudrovitsch (do Brasil). O juiz mexicano, Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot, não participará do julgamento.