O Tribunal Administrativo de Defesa Econômica do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) é o órgão em que conceitos econômicos aplicados ao Direito estão mais presentes nos julgamentos. “Eu aplico a análise econômica do Direito em 100% dos casos”, afirma o conselheiro Alexandre Cordeiro.
“A Economia está imbricada no Direito da concorrência mais do que em qualquer outro ramo. A gente utiliza instrumentos da própria Economia para fazer uma interpretação do Direito administrativo sancionador do Direito concorrencial. Se quero determinar qual seria a pena adequada para tal caso, faço uma análise econômica, seguindo a teoria de Gary Becker, e vou encontrar”, afirma Cordeiro.
Para o conselheiro, “o Direito não tem uma metodologia de análise do comportamento humano enquanto a Economia tem. Isso facilita legisladores e magistrados a tomar decisões mais racionais”. E não é só no CADE, nem na Lava Jato, como relatado no início desta reportagem, que a economia aplicada ao Direito tem sido utilizada em decisões judiciais.
No STJ
Num julgamento de abril de 2015, o ministro Luís Felipe Salomão, no papel de relator, votou pelo provimento de um recurso especial utilizando-se da análise econômica do Direito. O Banco do Estado do Rio Grande do Sul buscava a anulação de uma decisão judicial que concedia uma revisão de prestações do saldo devedor e repetição de indébito num contrato de financiamento habitacional.
Em seu voto, Salomão argumentou que a análise econômica do Direito “visa à aproximação das normas jurídicas à realidade econômica, por meio do conhecimento de institutos econômicos e do funcionamento dos mercados. A interação das duas ciências é o mote da Escola, não a exclusão de uma pela outra. A regulamentação jurídica, acreditam os defensores da escola econômica, pode influenciar empreendimentos econômicos e promover o desenvolvimento e a mudança social”.
O ministro citou uma obra de Luciano Timm em que o advogado afirma “que a análise econômica do Direito permite medir, sob certo aspecto, as externalidades do contrato (impactos econômicos) positivas e negativas, orientando o intérprete para o caminho que gere menos prejuízo à coletividade, ou mais eficiência social. A coletividade deixa de ser encarada apenas como a parte fraca do contrato e passa a ser vista como a totalidade das pessoas que efetivamente ou potencialmente integram um determinado mercado de bens e serviços, como no caso do crédito”.
A análise econômica do Direito, argumentou o magistrado, “aposta no efetivo cumprimento dos contratos de financiamento de imóveis, por exemplo, como pressuposto para o sucesso do sistema como um todo. A satisfação de cada um dos pactos celebrados entre financiadores e financiados, individualmente considerados, é requisito para que o sistema evolua e garanta o beneficiamento de outros tantos sujeitos, de toda coletividade interessada”.
No caso concreto, o ministro considerou também que a alegação de abusividade do contrato era “um tanto quanto genérica” e “um descontentamento geral com o contrato em si”. Diante disso, considerou que o Banrisul tinha razão e que impunha-se “a anulação de todos os atos até aqui praticados, inclusive a sentença e o acórdão, abrindo-se prazo legal para emenda à inicia”.
No TJ-SC
Em 2014, ao relatar um mandado de segurança contra uma decisão que negava o acesso gratuito à Justiça, o juiz Alexandre Morais da Rosa também se valeu da análise econômica do Direito para julgar o caso.
No voto, Rosa questionou se, num país de extrema exclusão social, em que os recursos e meios para garantia do acesso à Justiça são escassos, deveria-se aceitar toda e qualquer demanda posta em juízo com pedido de gratuidade. Logo em seguida, respondeu que não. Segundo ele, pelos levantamentos do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, um processo custava à época, em média, R$ 1 mil.
Nas palavras dele, como o exercício do Direito de demandar em Juízo não nasce em árvore, “em face dos limitados recursos do Poder Judiciário e de sua capacidade de assimilação, a propositura de ações abusivas, frívolas ou de cunho meramente patrimonial e repetitivas, sem custo, pode gerar o excesso de litigância”. Além disso, “o custo de um processo é assimilado pela coletividade e pelos demais usuários na forma de uma externalidade negativa”.
Por isso, argumentou o magistrado, “a mera declaração de pobreza não pode mais ser aceita pelo Poder Judiciário, justificando-se, a exigência de documentos outros que demonstrem, de fato, a ausência de condições materiais”. No caso em questão, considerou, “andou com acerto a decisão que indeferiu a gratuidade, razão pela qual a petição inicial é indeferida, até para não gerar mais custos de gestão (pedido de informações, cartório, remessa de documentos, parecer do Ministério Público, etc.)”. Ao fim do voto, um recado: “é preciso otimizar o Poder Judiciário”.
A preparação de um magistrado
O juiz federal Erik Navarro, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, está fazendo doutorado em Harvard sobre Law & Economics. “Meu objetivo é aplicar a análise econômica do Direito no Processo Civil aí no Brasil”, afirma o juiz.
Navarro afirma que tem percebido um interesse maior e mais discussões sobre a disciplina em terras brasileiras, talvez porque, em suas palavras, “o Direito no Brasil não deu certo”. “É só olhar par ao sistema de Justiça para ver que ele não funciona. Temos que se arrumar uma solução e talvez ela seja a junção do Direito a matérias mais consequencialistas, como a Economia”, afirma.
Na visão do magistrado, não existe uma dicotomia absoluta entre pensar nas consequências ou aplicar a lei. A questão é considerar as consequências da interpretação que se vai fazer. Entre os juízes, segundo Navarro, ainda há um desconhecimento muito grande sobre a Economia aplicada ao Direito, “questão que nem está muito em consideração”. “O juiz tem muito trabalho, muito processo. Às vezes é mais simples você não se preocupar com essas questões e, também, muitas vezes, o juiz não tem tempo ou mesmo condição, dados, para fazer este tipo de avaliação”.
Na visão de Navarro, é na Justiça do Trabalho, por razões ideológicas, em que se encontra maior resistência à Economia aplicada ao Direito. Neste ramo, existe uma predisposição, na média, segundo o magistrado, “de se preocupar mais com a questão da Justiça social, mas eles não percebem que as decisões podem interferir negativamente na Justiça social porque você causa consequências que vão ferir mais pessoas do que se está tentando proteger”.