Políticas Tributárias

Imposto sobre grandes fortunas e dados internacionais

Apesar do apelo popular, IGF é rodeado de incertezas sob o ponto de vista de política fiscal

ITCMD trusts
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Com a proximidade das eleições, pautas tributárias voltarão ao debate público, tal como a histórica tentativa de criação de um imposto sobre grandes fortunas (IGF) no Brasil.

Diante de um sistema tributário regressivo, que prioriza a tributação sobre o consumo e agrava a concentração de renda no país, é incontroversa a necessidade de se corrigir distorções tributárias internas para a promoção de maior justiça fiscal.

Nesse cenário, o IGF é frequentemente apresentado por certos interlocutores como uma solução coerente e eficiente para o aumento da progressividade e da arrecadação tributária, especialmente por já existir autorização constitucional para a sua instituição (art. 153, inc. VII[1]).

Desde 1989, foram apresentados dezenas de projetos de lei no Congresso Nacional, mas nenhum chegou próximo à aprovação. No Supremo Tribunal Federal (STF) pende de julgamento a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) nº 55, ajuizada pelo PSOL em 2019, com o objetivo de que o Congresso aprove com prioridade uma Lei Complementar que regulamente o IGF.

Em que pese o apelo popular que a criação de tal tributo possa ter, fato é que o IGF é rodeado de incertezas sob o ponto de vista de política fiscal, sobretudo quando considerada a experiência internacional.

Entre os países-membros da OCDE, organização que reúne as maiores economias do mundo, o wealth tax, imposto análogo ao IGF, vem perdendo cada vez mais espaço ao longo dos anos.

Na década de 1990, houve um ápice de 12 países-membros que cobravam o tributo: Alemanha, Dinamarca, Áustria, Espanha, França, Finlândia, Islândia, Luxemburgo, Países Baixos, Noruega, Suécia e Suíça. No entanto, atualmente, de todos os seus 38 membros, apenas 4 mantêm a cobrança: Colômbia, Noruega, Espanha e Suíça.

As principais razões atribuídas à extinção do IGF nesses países são (i) o baixo potencial de arrecadação se comparado à carga tributária total, (ii) o alto custo de administração e fiscalização do imposto; (iii) o incentivo à fuga de capitais para o exterior e (iv) o desestímulo ao investimento no país.

Conforme relatório de pesquisa produzido pelo Núcleo de Tributação do Insper, os valores arrecadados com o tributo apresentam um baixo percentual sobre a arrecadação total de cada país: Espanha (0,5%), Noruega (1,1%) e Suíça (3,9%), tudo conforme dados da OCDE de 2018.

Além da dificuldade de se estabelecer os parâmetros para incidência do imposto, a economia mundial cada vez mais globalizada facilita a transferência de domicílio fiscal para países com tributação mais favorecida. Apenas ilustrativamente, em 2020 o Brasil foi o país que mais perdeu milionários no mundo (108 mil), conforme o relatório Global Wealth Report 2021, elaborado pelo banco Credit Suisse. Embora o movimento de saída possa ser atribuído a diversos fatores (eg. instabilidade política, desaceleração econômica etc.), é provável que a tributação exerça significativa influência nesse fluxo, que poderia ser agravado com a instituição do IGF.

Conforme outro estudo apresentado pelo Insper sobre o tema, no caso da Colômbia, país sul-americano que tem similaridades socioeconômicas com o Brasil, práticas de sub-declararão de ativos e saída de recursos para paraísos fiscais se intensificaram após a instituição do imposto.

No entanto, há quem defenda que a solução para minimizar essa indesejável erosão de bases tributárias seja a instituição do IGF de modo temporário ou mediante cobrança única. No Reino Unido, essa proposta foi apresentada em 2020 pela Wealth Tax Commission, comissão composta por especialistas de diversas áreas, que concluiu pela viabilidade de se instituir um imposto único sobre fortunas, para apoiar no combate à pandemia.

Em 2021, a Argentina seguiu estratégia similar ao instituir um imposto único sobre fortunas que superem 200 milhões de pesos (aproximadamente R$ 8,5 milhões), com alíquotas que variam de 2% a 3,5%, também com o objetivo de financiar o combate à Covid-19.

No Brasil, a Associação Nacional de Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco), por meio da Nota Técnica nº 17/2020, defendeu a taxação única de patrimônios superiores a R$ 4,67 milhões, com alíquotas progressivas que variam de 0,5% a 5%. Segundo o estudo, a estimativa é de que o IGF “único” geraria R$ 38,9 bilhões de arrecadação à União.

Em que pese tais propostas possam parecer a priori atrativas para o financiamento da máquina pública, especialmente em cenários de calamidade pública — do qual aparentemente estamos nos recuperando —, são incertos os reais efeitos econômicos e comportamentais dessas propostas quando colocadas em prática. Além disso, caso adotadas, posicionariam o Brasil na contramão da grande maioria dos países (inclusive da OCDE, organização à qual o país pleiteia adesão), em especial daqueles em que essa experiência não foi exitosa.

Ainda que a cobrança seja realizada uma única vez, o novo imposto não resolveria os problemas tributários estruturais do país no longo prazo. Ou seja, tratar-se-ia de medida meramente arrecadatória e não de uma política tributária substancial e embasada. Além disso, essas propostas para instituição do IGF não costumam levar em conta que o Brasil já possui diversos tributos sobre o patrimônio (IPTU e IPVA), transferência dos bens (ITBI e ITCMD) e sobre a renda e ganhos de capital (IRPF).

Nesse contexto, importante lembrar que existem estratégias mais eficazes que se concentram na correção dos tributos já existentes sobre o consumo, patrimônio, renda e herança. Por exemplo, medidas visando o aumento progressivo das alíquotas do imposto sobre doação e heranças (ITCMD), a criação de mais faixas de tributação do imposto de renda, a redução da tributação sobre bens e serviços — que oneram proporcionalmente muito mais a parcela pobre da sociedade, entre muitas outras, que inclusive já foram endereçadas em propostas de reforma tributária ainda em tramitação.

Portanto, diante das incertezas ainda existentes em torno do IGF, especialmente à luz da experiência internacional, cabe refletir se o esforço político não seria melhor aproveitado caso direcionado à aprovação de outras alterações à legislação tributária, ainda que uma reforma tributária ampla pareça distante.


[1] Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:

VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.logo-jota