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Propriedade intelectual avança no país, mas precisa se tornar política de Estado

Entre as barreiras a serem superadas ainda estão a insegurança jurídica e a demora na análise e aprovação de patentes pelo INPI

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Interfarma

A propriedade intelectual ganhou mais relevância nos últimos anos com a retomada em 2019 do Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual (Gipi), coordenado pelo Ministério da Economia, e a criação da Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual, em 2020. Das 210 ações previstas na estratégia, 49 compuseram o plano de ação 2021-2023 e, dessas, 50% foram concluídas. “A execução da estratégia está dentro do previsto”, garante Miguel Carvalho, assessor da Coordenação-Geral de Economia 4.0 e Propriedade Intelectual do Ministério da Economia.

Entre as iniciativas mais adiantadas estão as relacionadas à modernização do marco legal, com percentual de execução de 66%, e a redução do backlog de pedidos de patentes feitos até 2016, em 80%. A promoção de inteligência em propriedade intelectual, com percentual de execução em 34%, é a mais atrasada devido à dificuldade para estabelecimento de parcerias para realização de estudos, explica Carvalho.

Especialistas defendem a continuidade da atual agenda de propriedade intelectual nos próximos mandatos. Para isso, entidades como a Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) e a Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil) propõem que a propriedade intelectual ganhe mais relevância e se torne política de Estado.

Segundo Ana Carolina Cagnoni, diretora de Propriedade Intelectual da Interfarma – entidade que recentemente passou a integrar o Gipi –, a Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual deve continuar como prioridade do governo, seja ele qual for. Para ela, entre as prioridades da agenda estão reduzir a insegurança jurídica e o tempo de análise e aprovação de patentes pelo INPI. “É importante tornar o Brasil um polo interessante para investimentos em pesquisa e inovação, com um forte sistema de proteção para inventores”, destaca.

De acordo com Fabrizio Panzini, superintendente de Relações Governamentais da Amcham, entidade que também integra o Gipi e que publica relatórios sobre a percepção dos serviços do INPI, o grupo interministerial é uma iniciativa importante de governança, pois reúne vários órgãos governamentais que tratam do tema de propriedade intelectual, bem como os atores privados.

Ele destaca ainda que o grupo interministerial e o plano escutam os setores regulados, algo essencial para a implementação da política pública. “Isso também dá publicidade e previsibilidade aos setores regulados”, complementa. “É importante que a estratégia tenha continuidade, bem como os instrumentos que derivam, como a interação público-privada.”

Demora na análise e aprovação de patentes

Cagnoni pontua ainda que uma das maiores inseguranças para quem busca registrar uma patente no Brasil se deve ao processo demorado de análise e aprovação de patentes pelo INPI. “Apesar de ter melhorado de forma significativa, ainda é lento no que se refere ao setor farmacêutico”, declara. Ela explica que isso ocorre devido à falta de estrutura do INPI, que carece de autonomia financeira e administrativa. “A Interfarma tem se posicionado abertamente na defesa de maior autonomia ao INPI”, acrescenta a diretora.

A Amcham Brasil também atua fortemente na defesa do fortalecimento do INPI. A entidade produz regularmente um relatório sobre a atuação do INPI com base na percepção dos setores regulados. Na última edição, foram mais de cem respondentes e, dentre eles, 96% são favoráveis ao plano de combate ao backlog de patentes.

Segundo Panzini, o tempo de análise e concessões de patentes foi sempre apontado como um ponto importante e se mantém no topo das prioridades, mas houve melhora nas percepções captadas pelo relatório da Amcham. “Está crescendo a percepção de melhoria dos serviços prestados pelo INPI, em especial por conta da maior informatização”, afirma Panzini.

Desafio de se disseminar conhecimento sobre propriedade intelectual

Para colocar a propriedade intelectual em um nível mais estratégico, alinhado aos negócios das empresas, é preciso disseminar o conhecimento sobre a importância do tema, defende a consultora em inovação e propriedade intelectual Diana Jungmann, da 14Bisness. Segundo ela, esse conhecimento ainda é muito baixo no Brasil.

“As pessoas precisam aprender que, quando um empreendimento se apropria dos resultados de seu esforço inovador por meio das ferramentas legais oferecidas pela propriedade intelectual, o empreendedor passa a ter mais segurança jurídica na proteção de seus produtos e serviços inseridos nos mercados. Também dispõe de mais segurança no retorno dos investimentos realizados”, explica Jungmann.

Para começar a implantar uma cultura de propriedade intelectual, o governo instituiu o Programa PI nas Escolas que, em 2021, realizou a primeira edição de um prêmio que reconhece iniciativas de professores para levar o conhecimento sobre o tema a seus alunos. A iniciativa está contemplada na Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual. “Trata-se de iniciativa de impacto de longo prazo na sociedade brasileira para incuti-la da chamada cultura de PI”, reforça Carvalho.

Segundo ele, é necessário sensibilizar os demais Poderes – Legislativo e Judiciário – e esferas de governos – estados e municípios – sobre a importância da propriedade intelectual. Por meio dessa rede, será mais fácil de atingir os cidadãos.

Carvalho acrescenta ainda que a Estratégia Nacional de Propriedade Industrial exige também governança entre as instituições públicas para garantir a priorização da propriedade intelectual nas pautas de governo. “Também é necessário estímulo a acordos de cooperação com parceiros fundamentais para a sua implementação, entre os quais, a Organização Mundial de Propriedade Intelectual, o Sebrae Nacional e várias outras instituições públicas e da sociedade civil que priorizam o tema”, acrescenta.

Propostas dos candidatos à Presidência para a agenda de propriedade intelectual

Em agosto, a Interfarma lançou a Agenda da Indústria Farmacêutica de Inovação para as Eleições de 2022 e patrocinou sabatina da Folha de S. Paulo com representantes da área de saúde dos candidatos à Presidência da República: Humberto Costa, da campanha de Luiz Inácio Lula da Silva; Denizar Vianna, da campanha de Ciro Gomes; e João Gabbardo, da campanha de Simone Tebet. O objetivo foi avaliar as propostas para continuidade e fortalecimento da agenda de propriedade intelectual.

Todos ressaltaram a necessidade de tornar o Brasil um polo interessante para investimentos na área da saúde, reconhecendo a importância dos medicamentos inovadores para a população e para a economia. Além disso, eles disseram que é preciso garantir a segurança jurídica para investidores por meio de um forte sistema de propriedade intelectual e do desenvolvimento nacional de tecnologias para fortalecer o complexo industrial da saúde no país.

De acordo com a avaliação de Cagnoni, o posicionamento dos candidatos está de acordo com a Estratégia Nacional de Propriedade Intelectual, e não há risco aparente de descontinuação da agenda. Ela pondera apenas que, em uma fala, João Gabbardo disse que a população não pode ficar refém de direitos de propriedade intelectual frente à escassez e difícil acesso a medicamentos.

Para exemplificar, ele menciona os medicamentos inovadores que chegam no mercado com preços exorbitantes, o que impossibilita seu financiamento e incorporação, e que, na sua visão, a solução é a compra com compartilhamento de riscos com a indústria. Conforme Cagnoni, a Interfarma está de acordo com a compra com compartilhamento de riscos, o que possibilita acesso aos medicamentos por preços mais baixos.

“No entanto, os direitos de propriedade intelectual não devem ser relativizados e enfraquecidos, já que estes garantem a chegada de medicamentos frutos de inovação no Brasil e acesso a estes por parte da população”, pondera Cagnoni.

Por que a propriedade intelectual é importante?

A propriedade intelectual é cada vez mais importante para o desenvolvimento da economia do conhecimento. Prova disso é que 80% dos ativos das empresas listadas na S&P 500 (ativos cotados nas bolsas de NYSE e Nasdaq) são intangíveis, sendo grande parte deles passíveis de proteção por alguma modalidade de propriedade intelectual.

Para Carvalho, as pessoas e as empresas são movidas pelo interesse econômico, e a maneira mais eficaz para que a agenda de propriedade intelectual ganhe relevância é demonstrando a sua importância como elemento gerador de renda e agregador de valor. “Um ambiente saudável de propriedade intelectual é uma das condições fundamentais para um ecossistema de inovação próspero”, afirma.

A propriedade intelectual também pode ser uma fonte de segurança e de promoção ao desenvolvimento regional e de comunidades por meio de modalidades como marcas coletivas, indicações geográficas ou direitos autorais. Carvalho ressalta que a propriedade intelectual é o instrumento de apropriação de toda a riqueza do país e, por isso, é preciso aprender a usá-la estrategicamente em favor do desenvolvimento tecnológico, econômico e social do país.

“Isso inclui o respeito aos compromissos internacionais do Brasil, bem como o constante aprimoramento do nosso sistema de propriedade intelectual, para que seja seguro, acessível e previsível para seus usuários”, conclui Carvalho.