
A 2ª Vara da Infância e Juventude de Ribeirão das Neves (MG) decidiu retirar, no dia 20 de maio, a guarda de uma mãe que levou a filha de 14 anos em um ritual umbandista. O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) sustentou que a mulher, Liliane Pinheiro dos Santos, violou o direito à liberdade religiosa da adolescente. Em nota, o Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-brasileiras (Idafro), que acompanha o caso, repudiou “toda inconsistência jurídica, facciosidade e racismo religioso do Conselho Tutelar e do MP ao concluírem que seria do interesse maior e mais saudável para a adolescente o confinamento em abrigo do que a convivência no seio familiar”. O caso tramita em segredo de Justiça.
A menina sofreu um desmaio em uma escola pública estadual em razão de problemas neurológicos, segundo conta Liliane, que busca ajuda espiritual para a filha através da Umbanda. Após o desmaio, a diretora da escola acionou o conselho tutelar, que conversou com a menina e, em seguida, fez um boletim de ocorrência.
O documento registrado por conselheiras tutelares menciona cicatrizes, identificadas pela direção da escola, que seriam resultado de um ritual umbandista. O portal de notícias Alma Preta, que conversou com Liliane, explica que essas cicatrizes “podem ser identificadas em filhos de santo após o processo chamado de catulagem, que representa pequenas incisões no corpo sobre a qual se colocarão ervas e outros elementos simbólicos do orixá que rege a cabeça”. Segundo o Idafro, são cicatrizes com características bem menos invasivas do que a circuncisão em crianças judias ou muçulmanas. Em entrevista ao JOTA, o advogado Hédio Silva Jr afirma que “o conselho tutelar se limita a funcionar como um puxadinho neopentecostal”.
Já o MPMG afirma que as informações colhidas na fase inicial de investigações apontam violação ao direito de liberdade religiosa da menina e de direitos à saúde, como lesões corporais, ingestão de bebida alcoólica, restrição da liberdade de ir e vir e omissão de tratamento por equipe de saúde. O órgão entrou com ação e o juiz acolheu o pedido.
A menina foi levada para uma casa de acolhimento institucional porque, segundo o MP, não haviam familiares que pudessem ficar com a adolescente. O Idafro entrou então com pedido de reconsideração da sentença, que foi negado pelo juiz.
De acordo com a decisão, a mãe violou o direito da filha à liberdade religiosa “(questionando a manifestação da menor por religião/crença distinta da sua), mantendo-se resistente nas abordagens da própria escola e no trabalho do conselho tutelar no estudo do caso”. De acordo com a Idafro, o estudo a que se refere o juiz contém afirmações tais como “a vítima demonstrou interesse em voltar a frequentar a igreja evangélica, porém, foi impedida pela a mãe”.
Silva Jr. afirma que a defesa recorrerá ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais contra o conselho tutelar e contra o abrigo, por acolher a adolescente sem um mandado judicial. Ele argumenta que as investigações não foram feitas corretamente, que a menina não foi ouvida por uma escuta qualificada, que não houve exame de corpo de delito das lesões corporais e que a mãe também não foi escutada. Sustenta ainda que a adolescente foi retirada do convívio familiar sem um mandado judicial. “Os procedimentos não foram feitos de maneira correta, foram baseados em especulações de uma conselheira tutelar”, observa.
O advogado explica ainda que o Direito considera intocável o vínculo familiar e a ruptura apenas deve ser feita quando há vulnerabilidade grave comprovada. “É um julgamento ideológico, metajurídico, divorciado de tudo que consta dos autos”, destaca.
Racismo religioso
O advogado também citou seis casos análogos a esse que foram encaminhados ao Instituto e acredita que as ações são apenas “a ponta do iceberg”. E continua: “É uma ação assombrosa, assustadora e virulenta. É cabo eleitoral barato de politiqueiro neopentecostal”.
A advogada Isabela Dario, que também acompanha o caso e é presidente da Comissão de Liberdade Religiosa da OAB-MG, afirma que “é deplorável que conselheiros tutelares se prestem ao papel de fantoches e cabos eleitorais de segmentos religiosos fundamentalistas e racistas, manipulando o Ministério Público e o Judiciário para fazer valer suas crenças, em detrimento dos direitos das crianças, adolescentes e suas famílias”.
Também afirma que nunca ouviu falar “que o MP tenha ido ao Judiciário para proibir crianças judias ou muçulmanas de serem submetidas à circuncisão ou vedar a presença de crianças em cerimônias cristãs que fazem uso de bebida alcoólica”.
O Idafro argumenta ainda que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o Código Civil e a Constituição Federal asseguram aos pais o direito de definir a educação religiosa dos filhos menores. Também destaca o artigo 24 da Lei 12.288/10, do Estatuto da Igualdade Racial: “O direito à liberdade de consciência e de crença e ao livre exercício dos cultos religiosos de matriz africana compreende: I – a prática de cultos, a celebração de reuniões relacionadas à religiosidade e a fundação e manutenção, por iniciativa privada, de lugares reservados para tais fins.”